Roberto Rockmann*
A abertura total do mercado de energia é positiva, mas tem de ser acompanhada de diversas medidas para que não sejam agravadas distorções existentes entre os dois ambientes de contratação: o livre e o mercado cativo das distribuidoras.
Há preocupação de que, em caso de não aprovação das medidas legais necessárias, a liberalização pode não só agravar as atuais distorções entre os dois ambientes de contratação de energia, como ainda incorrer em elevados custos aos consumidores em ambos os mercados na forma de uma forte elevação da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), em função de uma desnecessária ampliação do valor dos subsídios a fontes incentivadas.
“Assim, sugere-se que no próprio texto da portaria sua entrada em vigor seja condicionada à resolução de tais problemas”, defende a SAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico) do Ministério da Economia em sua contribuição à Consulta Pública 137/2022, que trata da abertura total do mercado em 2028.
Na análise da secretaria, o mercado cativo apresenta preços em média muito superiores ao mercado livre, que não tem incorrido em boa parte dos custos do sistema. “Se é razoável que uma parte do diferencial se deve à maior eficiência em virtude da concorrência e condições de contratação distintas (por exemplo, boa parte do mercado livre contrata no curto prazo, se sujeitando a risco de substancial elevação súbita de preços), uma parte da diferença se deve a imputação de custos, explícitos e implícitos, ao mercado cativo que não se aplicam ao mercado livre.”
Em relação à sobrecontratação de energia nas distribuidoras (à medida em que os consumidores migrassem), a SAE do Ministério da Economia ainda defende que seria “desejável” que o Ministério de Minas e Energia se manifestasse quanto aos seguintes pontos: “(a) se cabem medidas adicionais para redução da probabilidade de sobrecontratação ou redução de seu custo e se estas necessitam ou não de alteração legal; e (b) o que ocorrerá em caso de sobrecontratação decorrente da medida”.
Para a secretaria do Ministério da Economia, o ponto mais preocupante da proposta é a possibilidade de uma forte elevação nos custos da subvenção às fontes incentivadas pela CDE. “O problema é que os custos do fio por MWh da rede de baixa tensão são muito mais elevados que os da rede da alta tensão. Como o subsídio se dá partir do custo do fio, o valor da subvenção passa a ser bem maior por MWh quando utilizada por consumidor de baixa tensão”, destaca o documento.
Isso preocupa porque, se a minuta de portaria for publicada antes de alteração legal que impeça ou limite o subsídio sobre o fio para a baixa tensão, pode ser “criada (ou alegada) uma expectativa quanto à manutenção do mesmo, em particular quanto a investimentos em curso. Isso pode levar a uma judicialização da matéria exigindo a manutenção dos subsídios para usinas que aleguem que tenham realizado investimentos sob esta premissa”.
“Outra possibilidade, talvez mais provável, é que mesmo não prosperando eventual demanda judicial nesse sentido, ocorra forte pressão no Congresso Nacional para que o subsídio para a baixa tensão seja mantido utilizando esta argumentação de que investimentos foram realizados sob tal premissa a partir da publicação da Portaria com o cronograma de abertura da baixa tensão.”
A secretaria cita matéria da Agência iNFRA que informa que, caso o subsídio à geração de fontes incentivadas aplique-se também aos usuários de baixa tensão, há estimativas de que os custos adicionais em subsídios custeados pela CDE seriam de R$ 125 bilhões de 2026 a 2050.
Em conclusão, a secretaria se diz favorável à abertura, “desde que a entrada em vigor da ampliação do mercado livre tenha sua entrada em vigor condicionada no texto da Portaria a que os itens (i) e (ii) abaixo sejam ambos cumpridos:
Opção A: não ocorra elevação tarifária do mercado cativo em decorrência da medida, seja por efeitos diretos ocorridos (sobrecontratação) ou indiretos estimados;
Opção B: sejam adotadas medidas complementares legais ou infralegais que evitem tal elevação tarifária, em particular por meio de criação de encargo de sobrecontratação a ser custeado pelos consumidores que desejam migrar e garantia que novos custos indiretos não serão imputados ao mercado cativo e não ao mercado livre.”
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.