Acordo para repactuar concessões de rodovias zera passivos bilionários para novo contrato

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

Os acordos que estão sendo fechados por concessionárias de rodovias para repactuar seus contratos com o governo federal vão zerar os passivos de empresas e governos, finalizando discussões intermináveis em processos judiciais e arbitrais que podem levar a dívidas futuras bilionárias da União.

O tema foi discutido numa das mesas do 8º Fórum Nacional do Controle, encontro realizado na sexta-feira (6) na sede do TCU (Tribunal de Contas da União). O debate pode ser visto neste link.

Foram apresentadas pela primeira vez num evento público as propostas de regras para o modelo de Processo Competitivo para troca de controle de concessões rodoviárias que forem repactuadas no âmbito da Secex Consenso do tribunal de contas. E também alguns detalhes sobre como foram feitos os processos de repactuação. Três deles já tiveram as mesas de negociação fechadas e aguardam votação no plenário do órgão.

A competição pelo contrato repactuado foi defendida tanto por representantes do governo como das empresas que estavam na mesa, dizendo que o modelo dá maior segurança para a tomada de decisão dos agentes públicos envolvidos no processo negocial.

Todo o modelo para o Processo Competitivo será criado num sandbox regulatório na ANTT. Chamada de regulação experimental, o modelo cria uma regra que é iniciada pela agência em algum modelo em funcionamento, em forma de teste monitorado. Ao fim do processo, é criada uma regra específica. Nesse caso do Processo Competitivo, a informação é que o modelo será apresentado formalmente num processo de participação social antes do início do sandbox.

O diretor-geral da ANTT, Rafael Vitale, e procurador-chefe da ANTT, Milton Gomes, lembraram que o processo não está sendo iniciado do vazio, já que ele tem origem no processo de troca de controle assistida que a ANTT está apresentando dentro do RCR 4 (Regulamento de Concessões Rodoviárias) que já passou por dois processos de consulta pública e está próximo de ser validado pela diretoria colegiada.

O procurador-chefe da agência explicou que será vendida 100% das ações da SPE da concessão, o que evitará que os contratos já assinados e licenças já obtidas tenham que ser tiradas novamente, o que pode acelerar investimentos. E também evitar custos com a troca completa de trabalhadores de uma empresa para outra. Essa era uma das dúvidas de agentes do mercado, se o modelo seria a compra da SPE existente ou a compra do novo contrato.

O secretário-executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, explicou que a manutenção da SPE também soluciona um ponto sensível desse tipo de troca, que é a manutenção dos financiamentos existentes para ela, sem trocas ou descontos.

Ele lembrou que, no processo que serviu como uma espécie de modelo para a troca de controle, o da BR-163/MT, as dívidas das concessionárias com bancos foram refinanciadas com descontos. Segundo ele, se o procedimento fosse o mesmo para todas agora, poderia haver uma espécie de “semi calote” e “risco sistêmico”, o que poderia prejudicar futuros financiamentos.

George afirmou que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) está apoiando a avaliação desse modelo, especialmente no processo de troca de garantias que terá que ser feito se houver uma mudança no controlador da concessionária.

Período mínimo de 70 dias para análise
Os representantes do ministério e da ANTT e do governo não quiseram se comprometer com um tempo específico para que as empresas que querem entrar na disputa avaliem a proposta apresentada para preparar uma oferta.

Mas, de acordo com o secretário da Secex do TCU, Nicola Khoury, a ideia é dar no mínimo 70 dias para que os interessados possam avaliar o edital. Outro ponto sensível para haver uma disputa igualitária, segundo ele, era chegar a um valor de indenização que não fosse “de 1 trilhão”.

Ele também afirmou que está sendo discutida uma agenda de transparência, que envolve conversas com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para avaliar como e quando divulgar fatos relevantes das empresas sobre esses processos.

Haverá um data room com informações sobre a concessionária que está no controle. As empresas interessadas vão poder fazer due diligence para entrar na disputa. A ANTT funcionará como árbitra em casos em que as partes não se entenderem sobre a necessidade ou não de ter acesso a determinadas informações ou demora na entrega.

Segundo o procurador da agência, um dos princípios que vai nortear o modelo é dar isonomia entre os disputantes, sem vantagem para o concessionário que está na operação ou o que entra na disputa. Gomes afirmou que a agência fez a avaliação sobre se há uma grande vantagem para quem já está na concessão. De acordo com ele, houve licitações em que as concessionárias que estavam nas concessões foram derrotadas.

Venda de 100% da SPE
O modelo de disputa proposto é por leilão de viva-voz aberto, com desconto sobre a tarifa teto do pedágio pré-estabelecida como critério de escolha do vencedor. Foi confirmado que haverá direito à participação da empresa que está na concessão, sem direito à última proposta.

Caso o vencedor não seja o controlador, ele terá que pagar um valor pré-fixado em leilão pelas ações da SPE, correspondente à indenização pelos ativos não amortizados. Esse é considerado pelos agentes envolvidos na negociação como a questão mais complexa solucionada pelo modelo de solução consensual de repactuação dos contratos e que levaram às mais acaloradas discussões nas mesas de negociação.

Chegar a um valor sobre a indenização pelos ativos não amortizados de uma concessionária que deixa a concessão é motivo de estresse no setor e no governo desde que foi aprovado o modelo de relicitação da Lei 13.448/2017 (a Lei de Relicitação).

Discussão de 2 anos
Por dois anos, entre 2017 e 2019, o governo ficou discutindo como o decreto sobre essa lei disciplinaria o tema, com correntes defendendo que houvesse avaliações externas para calcular o valor do ativo, validadas pelo poder público, e outros que o ativo fosse avaliado a preços de mercado (ou seja, o leilão seria com critério de quem pagaria por essa indenização e a empresa teria que aceitar).

Venceu a corrente que defendia a avaliação do ativo, o que logo se mostrou um problema. As empresas que pediam a relicitação tinham discussões judiciais, arbitrais e administrativas com as agências e queriam esperar o fim dessas disputas (pelo menos as principais) para fazer o chamado encontro de contas.

Defendiam que era necessário saber quanto valeria seu ativo não amortizado após os descontos dos seus passivos ou soma de recursos que ela teria a receber, caso vencesse as disputas.

Controverso e Incontroverso
O governo tinha pressa em relicitar e tentou uma solução criando a figura dos valores controversos e incontroversos dos ativos, para assim poder, com o valor incontroverso, fazer a relicitação. O que seria controverso seguiria em discussão e, caso a empresa vencesse, o governo pagaria em precatório. Se o governo ganhasse, cobraria dela (que já não teria mais qualquer ativo).

Esse modelo, posteriormente oficializado com a aprovação de uma alteração da lei em 2021, acabou servindo para algumas concessionárias que concordaram em não brigar. Por isso foram feitas duas relicitações, uma de aeroporto e outra de rodovia, em sete anos da lei. Outras concessionárias seguem dizendo que ele não serve e exigem o cálculo final para suas relicitações.

Segundo quem está envolvido nas negociações da Secex Consenso para o modelo do Processo Competitivo, a negociação que está em andamento soluciona esses problemas de forma definitiva. Concessionária e poder público têm que chegar a um valor pela indenização dos ativos em que vão considerar todos os ativos e passivos, inclusive os que estão em discussão.

Além de processos arbitrais e multas, também estão sendo consideradas punições derivadas de processos judiciais e do próprio TCU, ou seja, todo o passivo da concessionária será zerado e não será possível voltar a discuti-los. Por isso, o TCU também referenda a proposta.

Eliminação de passivos bilionários
Esse valor, se aceito pela concessionária, e homologado pelo poder público e pelo TCU, passa a ser o valor final que entra em contrato e não terá mais como ser contestado. O secretário-executivo do ministério, George Santoro, falou sobre o tema no encontro, lembrando que o modelo vai acabar com bilhões dos chamados passivos contingentes (não colocados em balanços) de governo e empresas.

“Está todo mundo buscando eficiência da prestação do serviço público, economicidade. Para a gente buscar tarifa adequada numa lógica que não gere um passivo gigantesco para o governo”, disse Santoro.

Na primeira relicitação feita, o governo teve que pagar à concessionária do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN) quase R$ 200 milhões de ativos não amortizados para ela deixar a concessão. Há processos bilionários que correm na Justiça e em arbitragens nos quais as empresas cobram por ações do governo que modificaram contratos e deram prejuízos, alguns já com vitória das concessionárias.

“Na maioria das vezes [passivos] não estão registrados nos balanços. Isso não aparece em lugar nenhum. Se a gente não tratar, isso vai virar lá na frente um precatório bilionário”, afirmou o secretário-executivo. “[A solução consensual] É uma eliminação de passivos gigantesca que a contabilidade pública ainda não registra, infelizmente”.

Rigor na execução
Ao fim do Processo Competitivo, é assinado um termo aditivo atualizando o contrato com as condições repactuadas, com a vencedora da disputa. O modelo de contrato terá a estrutura de concessões da 5ª Etapa de concessões de rodovias. Os representantes da agência e do governo informaram que as regras com a nova concessionária serão rígidas para o cumprimento das obrigações.

Se o concessionário não cumprir em 3 anos a previsão, o contrato será extinto e todas as multas serão cobradas. Haverá monitoramento trimestral sobre o cumprimento das obrigações. Haverá também um escalonamento de aumentos tarifários, que o governo vem defendendo que levam a tarifa a valores abaixo do que ficariam se houvesse uma nova licitação.

A secretária de Rodovias do Ministério dos Transportes, Viviane Esse, disse que a prioridade do processo é acelerar os investimentos, o que o novo modelo pode antecipar em três anos em relação aos modelos de relicitação, o que significa menor número de acidentes nas rodovias.

“A população quer a obra. E isso a gente precisa entregar e precisamos de um mecanismo”, disse a secretária, lembrando que o processo de decisão é complexo e difícil e “engana-se quem acha que vai ter algum tipo de benesse”.

Modelos diferentes
Marco Aurélio Barcelos, diretor-presidente da Melhores Rodovias do Brasil ABCR (Associação Brasileira de Concessionários de Rodovias) falou pelas empresas do setor, reiterando que todos concordam com o Processo Competitivo, mas alertando que o modelo de repactuação talvez não possa ser exatamente igual para todos.

Entre as 14 concessionárias que entraram com pedidos de repactuação, há diferentes grupos, como aqueles que já estavam com pedidos de relicitação em andamento, os que estão com concessões que estavam a beira de entrar e outras que entenderam ser uma oportunidade de fazer mudanças para melhorar a operação da rodovia.

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