Marisa Wanzeller e Geraldo Campos Jr., da Agência iNFRA
Agentes do setor elétrico temem que projetos de térmicas a biodiesel disputem o LRCAP (Leilão de Reserva de Capacidade) de 2025, mas não consigam garantir o fornecimento do combustível renovável para a operação. Seriam usinas que identificariam-se como limpas, mas acabariam gerando energia com combustíveis fósseis, sujos, quando acionadas, disseram fontes à Agência iNFRA. Com isso, conseguiriam contratos de maior CVU (Custo Variável Unitário), mas operariam com um combustível mais barato e poluente.
Esse risco já foi mapeado pelo MME (Ministério de Minas e Energia), segundo fontes, que relataram que o próprio ministro Alexandre Silveira procurou o segmento de biodiesel para se informar sobre o tema. Ele buscou saber se há viabilidade de operação com o combustível para participação tanto no LRCAP, programado para 27 de junho, como no futuro “leilão de transição energética”, planejado pela pasta.
Segundo o CEO da PSR, Luiz Barroso, o principal biocombustível candidato a participar do LRCAP é o biodiesel, que poderia ser utilizado pelas usinas originalmente movidas a diesel com algumas adaptações em seus motores. Barroso, porém, alerta que o MME precisa tomar cuidado para que uma usina não se habilite a um biocombustível e entregue outro por limitações na oferta ou logística.
“Por exemplo, há muito interesse em usinas a biodiesel. Mas pode ser que, por insuficiência de biodiesel, estas usinas acabem produzindo a diesel. Este risco é real, dado que os volumes de combustível a serem utilizados pelo gerador podem ser expressivos”, aponta o executivo.
O ministro Silveira chegou a comentar, em evento do BTG há duas semanas, que até analisa um leilão exclusivo para o biodiesel, para evitar maiores problemas. De acordo com o CEO da PSR, “dadas as particularidades destas usinas, poderia ser prudente fazer isso, criando um melhor processo de habilitação. Mas lembrando que a demanda para contratação é finita”.
Fiscalização
Outra preocupação do setor é a falta de fiscalização, segundo fontes. Uma possível solução para isso seria o governo exigir um certificado que comprove a origem do biodiesel a ser utilizado pelas usinas.
Outros agentes que preferiram não se identificar apontaram que a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) deveria encontrar meios para fiscalizar o efetivo uso do combustível contratado, evitando vantagens indevidas para essas usinas e o uso de fósseis.
Armazenamento do biodiesel
Além disso, é preciso atenção ao armazenamento do biodiesel, apontaram os agentes. “Os investidores, naturalmente, sabem da necessidade de armazenamento para mitigar potenciais riscos logísticos, porém terão que lidar com o fato de que alguns destes biocombustíveis – como o biodiesel – são perecíveis e demandam cuidados específicos em sua armazenagem, não podendo ficar armazenados muito tempo sem uso”, explica Barroso
Investidores dizem que tudo será comprovado
Por outro lado, os representantes das usinas que operam ou pretendem aproveitar o leilão para converter a operação para biodiesel lembram que, para participarem do certame, precisam comprovar a capacidade de gerar com o combustível indicado sempre que forem acionados.
Um dos investidores em usinas a biodiesel, que pediu para não ser identificado, relatou que sua empresa conseguiu esse atestado junto a uma grande distribuidora de combustível. “A gente buscou todos os produtores e as distribuidoras de B100 [biocombustível puro] para viabilizar a cadeia de obtenção desse insumo para os momentos de geração”, informou.
Como forma de mitigar a questão da perecibilidade, os agentes firmaram um acordo de tancagem com as empresas revendedoras de combustíveis, disse o investidor. A usina armazenaria o biodiesel em tanques e, caso ele não seja utilizado para a operação da térmica, a distribuidora revenderia ao varejo (postos de combustíveis), numa espécie de logística reversa.
“O combustível pode durar até seis meses, vamos supor que no quinto mês eu não tenho expectativa de geração, os reservatórios estão cheios, geração eólica alta, a gente aciona logística reversa”, explicou.
Nesse processo, a distribuidora buscaria o combustível B100 perto do vencimento na usina e usaria para misturá-lo ao diesel e revender como B14 (diesel misturado com 14% de biocombustível) para postos de combustíveis.
Decisão judicial
Conforme liminar emitida pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), foi suspensa a fixação de um teto para o CVU (Custo Variável Unitário) como critério de habilitação no LRCAP. A decisão, proferida na última quinta-feira (13), atendeu ao mandado de segurança impetrado por empresas do setor de biocombustíveis contra ato do MME, que alegaram que o critério de exclusão baseado no CVU não havia sido debatido em audiência pública e que a restrição poderia comprometer a concorrência.
O valor-teto do CVU foi estabelecido inicialmente em R$ 2.636,99/MWh e depois reduzido para R$ 1.711,18 MWh. A alteração foi criticada por empresas do setor de biocombustíveis, que alegaram que o governo reduziu o CVU dos empreendimentos a serem contratados de forma a favorecer usinas movidas a gás e inviabilizar a participação de usinas a biocombustíveis.
*A matéria foi atualizada às 12h55. O ato que define o CVU do leilão foi publicado pelo MME, não em conjunto com a EPE, como indicava o texto anteriormente.