Da Agência iNFRA
O tratamento de esgoto de uma região onde vivem mais de 40 mil pessoas, em Macapá (AP), está sendo estruturado para o uso de uma ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) Verde. Ela será construída com sistemas de filtragem que usam elementos como terra e plantas para limpar até 99% das impurezas, inclusive metais pesados.
Os estudos em andamento para a implantação do conjunto de estações com os jardins filtrantes devem ficar prontos até abril de 2024 e indicam que a solução poderá levar a uma redução significativa dos gastos com a manutenção dessa ETE em relação aos modelos de estação tradicionais, baseados em construções de concreto.
Isso ocorre pelo baixo volume de energia que será necessário para tratar o esgoto, além da eliminação da produção de lodo, resíduo comum das ETEs tradicionais, e que tem alto custo de manejo.
O modelo de filtragem ecológica está dentro de um grande projeto de recuperação ambiental da região Igarapé da Fortaleza, em Macapá, com cerca de 6,5 mil hectares. No local, uma área de banhado que vem se degradando ao longo dos anos com ocupações irregulares, o governo do Estado trabalha num grande parque ecológico, denominado Amaparque.
O processo dos jardins filtrantes está em desenvolvimento no mundo há mais de 20 anos. No Brasil, já funciona em dezenas de projetos industriais, como conta Cristiane Schwanka, CEO da Phytorestore. A empresa que está trabalhando com o governo local no desenvolvimento do modelo de jardim filtrante para o Amaparque.
Com passagem por grandes empresas de saneamento no país, Cristiane lembra que já foi apresentada ao modelo de filtragem natural para o esgoto, mas que ele era sempre rejeitado pela falta de confiabilidade de que o sistema seria capaz de tratar adequadamente o esgoto, como determinam as regras de licenciamento.
“Não [foi] nem uma [e] nem duas vezes que recusei adotar uma solução baseada na natureza. Mas isso, como você já sabe, acaba com nosso bioma e nossa fauna. Eu me apresento como tendo reputação dizendo que sim, isso funciona”, disse Cristiane. “A solução baseada na natureza tem tanto ou mais eficácia para o tratamento de esgoto como as clássicas soluções cinzas”.
20 anos de dados
Segundo ela, o que mudou seu pensamento foi o volume de dados extraídos das centenas de projetos já em execução no Brasil e no mundo, que mostram resultados efetivos no tratamento do esgoto nesses jardins filtrantes, que não havia no início. Segundo ela, há mais de 20 anos de dados completos, além de alta tecnologia ambiental e estudos prévios para ser executado.
“Não é um buraco cavado no chão onde se jogam algum matinho. Ele se preocupa com o conteúdo paisagístico, mas há toda uma engenharia ecológica [no processo]”, explicou a CEO da companhia, lembrando que o efluente é completamente tratado e a água pode ser reusada.
Essa tecnologia ecológica consiste em identificar plantas nativas capazes de fazer a absorção dos elementos químicos presentes no esgoto, além da implementação de filtros e substratos adequados para cada etapa do projeto. Pronto, segundo ela, a vantagem é que ele “pode ser cuidado como um jardim”.
Tamanho das áreas
A CEO da Phytorestore indica que essa é a grande vantagem do modelo de ETE Verde em relação às ETEs tradicionais. Mas que há uma diferença significativa no modelo de implantação, que é o tamanho das áreas necessárias para se implementar um jardim filtrante. A área é maior que as necessárias para as ETEs tradicionais.
Isso faz com que o custo de capex possa ser mais alto, especialmente em regiões de maior densidade populacional e com terrenos de alto valor. Mas, segundo ela, o valor é compensado ao longo do tempo com a elevada redução do opex, que é “praticamente zero”.
“Além disso, a gente não gera lodo e o custo do manejo e disposição final do lodo é elevadíssimo”, lembrou Cristiane.
Estudos profundos
O Amaparque será o grande desafio a ser implantado desse modelo, mas que Cristiane vê como o melhor possível para a região. Ela lembra que uma solução tradicional na área seria invasiva, cara e difícil de implementar, devido à necessidade de construções pesadas, com uso intensivo de concreto, aço e outros materiais que são complexos e caros para se obter na região.
Mas, para que o projeto tenha qualidade adequada, são necessários profundos estudos sobre a região como forma de se preparar o jardim. No caso da região do Amaparque, o estudo identificou diversas espécies de fauna e flora não catalogadas, além de 58 nascentes que não tinham registro.
“Ali havia um apagão em termos de dados. Montamos um projeto pautado no desenvolvimento científico para coletar todas as informações que precisaríamos”, disse Vitor Terres, diretor da Phyorestore.
Integração com a comunidade
A intenção, segundo Vitor, é que, além da integração ambiental, também haja uma integração social com a comunidade. Os trabalhos de levantamento e estudos estão sendo feitos em parcerias com representantes de comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhos que ocupam a região.
A ideia do parque é que ele tenha também centros de visitação e equipamentos urbanos para uso da comunidade, como forma de integrar a área ao uso social. O trabalho do governo do Estado é que parte do projeto já esteja em fase de implantação para a COP30, que será em Belém em 2025.
De acordo com o diretor, por enquanto, o modelo está sendo projetado para fazer o tratamento de esgoto apenas da região. Mas há conversas com a concessionária privada que ganhou a concessão de esgoto de todo o estado, a Equatorial, para avaliar a viabilidade do esgoto de outras regiões ser incorporado a esse tipo de tratamento.
“Fomos criados academicamente para usar outro tipo de solução. Temos que trazer esse conhecimento para os tomadores de decisão e o corpo técnico que faz projeto. Num mundo de emergência climática, temos que usar a natureza para sustentar o homem lá no bioma e estamos propondo colocar a natureza para isso”, lembrou a CEO da companhia.