Amanda Pupo, da Agência iNFRA
Prestadores de serviço de esgotamento sanitário de um grupo de municípios brasileiros deverão elaborar estudos de viabilidade técnica e econômica para projetos de reúso não potável da água. É o que pode propor a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) em norma cuja consulta pública deve ser aprovada hoje (16) pela diretoria do órgão.
Se a proposta avançar, a escolha dessas cidades deverá ser feita pelas agências reguladoras locais, com base em critérios definidos pela ANA. Entrarão nessa lista, por exemplo, municípios que enfrentam escassez hídrica recorrente ou sazonal, que tenham projetos de estações de tratamento de esgoto em fase de concepção ou potenciais usuários de água de reúso próximos.
O desenho está na minuta da NR (Norma de Referência) que vai definir as diretrizes para reúso não potável da água que é gerada no esgotamento sanitário. O texto ainda pode passar por alterações, tanto pela relatoria quanto por sugestão dos demais diretores da agência.
Outras diretrizes regulatórias relevantes para o setor de saneamento também devem ser analisadas na reunião da ANA desta terça-feira, a última do ano, como as NRs de redução de perdas na distribuição de água e de indicadores da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, que já passaram por consulta. A diretoria ainda pode abrir para participação social a proposta que tratará da padronização dos instrumentos negociais no saneamento.
Meta de reúso
A NR de reúso partiu do diagnóstico de que o Brasil subexplora a reutilização de água para fins não potáveis. Hoje o reúso gira em torno de 1,5% do esgoto tratado, enquanto o nível global fica próximo de 11%. Na avaliação dos técnicos da ANA, o indicador brasileiro pode chegar a 4% em até oito anos após a publicação da futura NR, e a 7% em até dez anos.
A ampliação da modalidade produz efeitos positivos tanto pelo potencial de gerar receitas acessórias para as empresas como pela economia de água usada dos mananciais, com uma série de impactos positivos para o meio ambiente e a segurança hídrica.
Segundo a AIR (Análise de Impacto Regulatório) produzida para a elaboração da proposta, a incerteza sobre a viabilidade econômico-financeira é um dos principais entraves para a ampliação do reúso no país. A proposta que deverá ser levada à consulta entendeu que a melhor alternativa seria priorizar um grupo de municípios nos quais prestadores de serviço irão avaliar essa viabilidade – que implica um custo a quem for elaborar o estudo, possivelmente repassado à tarifa de esgoto.
Por isso, a versão da minuta finalizada no último dia 11 elege cinco critérios nos quais as ERIs (entidades reguladoras infracionais) podem se basear para escolher essas localidades. São eles:
- municípios que enfrentam escassez hídrica recorrente ou sazonal;
- municípios situados em sub-bacias com balanço hídrico crítico, com alto índice de comprometimento hídrico;
- municípios com projetos de estações de tratamento de esgotos em fase de concepção;
- municípios com potenciais usuários de água de reúso localizados em um raio de até dez quilômetros de estações de tratamento de esgotos em operação ou em expansão, podendo ser ajustado conforme as condições locais; e
- municípios situados em bacias hidrográficas em que os planos de recursos hídricos ou os programas de efetivação do enquadramento prevejam ações de reúso não potável.
Assim que essas cidades forem selecionadas, seus prestadores de serviços deverão elaborar os estudos de viabilidade técnico-econômica para projetos de reúso. Esses materiais deverão conter, pelo menos, alguns pontos. Por exemplo, identificação de potenciais usuários de água de reúso e projeção das respectivas demandas, acompanhadas dos padrões de qualidade requeridos pelos órgãos competentes, incluindo parâmetros físico-químicos e microbiológicos.
O estudo também deve ter uma projeção detalhada de investimentos para implantação, operação e manutenção das instalações de produção e distribuição de água de reúso, assim como definir a taxa interna de retorno do projeto, identificando fontes de financiamento, contendo credores e custo de capital.
Receitas
A análise também deve observar quais são as disposições contratuais sobre o compartilhamento de receitas adicionais com o titular dos serviços. A ANA tem recomendado que esse compartilhamento não seja superior a 15%. Segundo a análise feita pelos técnicos na elaboração da norma, o elevado porcentual de compartilhamento de receitas adicionais com o poder concedente também acaba sendo um dos entraves para o reúso do que é produzido nas estações de tratamento no Brasil. “Muitas ERIs ainda adotam percentuais bastante superiores ao recomendado pela ANA, em alguns casos ultrapassando 50%”, assinalou a AIR.
Durante a tomada de subsídios para a NR do reúso, vários entes econômicos do setor, incluindo companhias de saneamento e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), argumentaram que incentivos econômicos seriam “indispensáveis” para estimular a adesão ao reúso e atrair investimentos. Os players citaram que a ANA também considerasse, por exemplo, tarifas diferenciadas para incentivar a atividade.
Na análise de impacto regulatório da norma, os técnicos apontaram que, embora a ANA pudesse orientar as ERIs a fixarem preços de referência para a água de reúso não potável, a realidade brasileira seria um problema para essa definição, devido ao fato de haver poucos projetos implementados. “Antecipar essa obrigação poderia resultar em critérios arbitrários de precificação, aumentar a insegurança regulatória e desincentivar a expansão do reúso”, pontuaram os técnicos.
Tipos de uso não potável da água
A proposta que deve ir à consulta também traz definições sobre o que é água de reúso e quais são modalidades de reúso não potável. Há também um capítulo reservado para as diretrizes contratuais para exploração do reúso. Ele prevê, por exemplo, como deve ser o modelo de negócios para prestadores diretos (quando o próprio município cuida do esgoto), para estatais de saneamento e para concessionárias. A projeção dada é que a ANA vai verificar o cumprimento das obrigações definidas na futura NR a partir de maio de 2028.
Como mostrou a Agência iNFRA, o grande potencial de reúso da água no país, praticamente inexplorado na comparação com outras nações, é uma das apostas para o Brasil enfrentar um futuro cenário alarmante de disponibilidade hídrica estimado pela agência. Esse índice pode cair mais de 40% em regiões hidrográficas do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e parte do Sudeste até 2040.
Se de um lado a oferta da água será reduzida, do outro, a demanda só tende a aumentar, seja do setor produtivo ou do abastecimento humano. No âmbito federal, além do que está sendo preparado pela ANA, o Executivo pretende publicar um decreto para incentivar e regulamentar o reúso de água no Brasil. Segundo o estudo feito pela ANA, não há atualmente diretrizes nacionais que orientem de forma sistemática a adoção do reúso.
Norma para reduzir perdas
A ANA pode aprovar hoje a redação final da NR sobre redução de perdas na distribuição da água – outro comando do marco legal do saneamento, que tenta reduzir o patamar de perdas a um nível próximo de 25% no Brasil. Hoje, esse índice gira próximo de 40%.
A minuta – que também ainda pode sofrer alterações na votação – prevê que os prestadores de serviço elaborem um Plano de Gestão de Redução e Controle de Perdas de Água. O documento deve seguir ato normativo editado pela ERI, observando ainda a futura NR da ANA.
Segundo a última versão disponível da minuta, a ANA não prevê mais que o plano seja elaborado pelo menos a cada cinco anos, como chegou a propor na consulta pública. A versão consultada pela reportagem também eliminou os trechos que isentavam da NR os contratos de concessão vigentes ou cujo edital ou consulta pública tivessem sido publicados antes de a norma da ANA entrar em vigor.
Em alternativa, a minuta preserva inalteradas as metas e indicadores de perdas previamente estabelecidos nos contratos de concessão em andamento, não decorrendo da NR qualquer previsão de revisão das metas pactuadas. Mesmo assim, esses prestadores dos serviços também terão de elaborar seus planos de Gestão de Redução e Controle de Perdas de Água, atendendo ao conteúdo mínimo, aos procedimentos e às diretrizes previstos da NR.
“A exigência de apresentação do Plano de Gestão de Redução e Controle de Perdas de Água não afasta a obrigação do prestador de continuar cumprindo as metas contratuais, nem cria obrigação de revisão tarifária, recomposição de equilíbrio econômico-financeiro ou qualquer forma de redimensionamento das metas de perdas originalmente pactuadas”, diz o texto.








