Análise: diretrizes da renovação das concessões agradam às distribuidoras e dão mais poderes à ANEEL

Roberto Rockmann*

A nota técnica encaminhada na semana passada pelo MME (Ministério de Minas e Energia) ao TCU (Tribunal de Contas da União) com as diretrizes da renovação das concessões de distribuição atende a alguns dos principais pleitos das concessionárias. Também busca dar mais poderes para a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) mudar a estrutura tarifária em diferentes áreas de concessão, ampliando as possibilidades de customização regional, o que pode render saídas para áreas problemáticas, como Amazonas e Rio de Janeiro. Isso implica ter um poder regulador fortalecido.

O desafio será criar, a partir do decreto, um modelo que traga equilíbrio econômico-financeiro para as empresas e um ambiente de livre concorrência em um momento em que o modelo comercial da distribuição se transforma. Isso exigirá articulação com o TCU e a ANEEL e poderá também demandar diálogo com o Congresso.

Em algumas questões, como na separação fio e energia, haveria necessidade de alteração legal, acreditam alguns agentes e advogados. Sem modificações estruturais e aprovadas no Congresso, a indefinição poderia prejudicar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Outro fator importante é o tempo, uma variável que ganha importância por conta da situação da Light, em RJ (Recuperação Judicial) desde maio.

A expectativa do governo é de que até outubro o decreto possa ser publicado. O prazo é considerado apertado por muitos, por duas razões: 1) o tempo de análise do TCU e eventuais sugestões que poderiam levar a mudanças no decreto; 2) incerteza se o processo também passará por discussão no Legislativo, depois de o deputado João Carlos Paolilo Bacelar Filho (PL-BA), relator da Subcomissão de Prorrogação das Concessões de Distribuição, grupo formado dentro da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, ter dito que o Congresso deve ser envolvido.

Excedentes e Sudam/Sudene abandonados
Os dois pontos que as distribuidoras mais criticaram na proposta inicial do governo foram deixados de lado no documento enviado pelo TCU em razão de dificuldades, sejam técnicas, sejam jurídicas. O governo desistiu de buscar excedentes econômicos e usá-los para apoiar contrapartidas sociais, em razão de “medida de difícil comprovação de sua existência e de ainda mais difícil mensuração”. 

Também desistiu de utilizar recursos do excedente do custo regulatório de capital resultante de benefícios fiscais concedidos às concessionárias que atuam nas áreas de influência da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

“Destaca‐se que, após análise, houve parecer desfavorável da Consultoria Jurídica à reversão do benefício fiscal. Em que pese os sólidos argumentos técnicos apresentados, o parecer enfatizou o posicionamento atual do Poder Judiciário, que tem sinalizado contrariamente à referida possibilidade.”

As desistências agradaram a dois gestores consultados. Havia temor do mercado de que, levados adiante, esses dois pontos teriam impacto sobre o fluxo de caixa futuro. “O texto ficou dentro do que as empresas queriam, sem grandes surpresas”, diz um gestor de investimentos. “Usar os excedentes econômicos poderia trazer ruídos sobre o modelo, baseado em revisões periódicas das tarifas pela agência reguladora para compartilhar ganhos de produtividade com o consumidor”, diz outro gestor.

A expectativa passa a ser qual a análise que o TCU fará sobre esses dois pontos e os motivos expostos pelo ministério para desistência das ideias iniciais.

Contrapartidas sociais
Em relação às contrapartidas, o governo acatou sugestão das distribuidoras de que o processo não deve envolver dinheiro novo sobre a mesa. No documento, a proposição é de que recursos destinados à modicidade tarifária que entram de forma pulverizada para todos os consumidores, como rubricas específicas, por exemplo receita de reativo e ultrapassagem, possam ser usados.

No entanto, o governo federal irá, como contrapartida à prorrogação das concessões, definir as “diretrizes sobre quais os montantes serão investidos e quais ações deverão ser priorizadas em cada período”, assim como deverá estabelecer “os períodos de implementação” dessas ações.  

Essas definições, que terão de ser definidas no decreto, criam preocupações. “Isso precisará ser feito de forma transparente porque critérios técnicos podem se misturar aos econômicos”, diz um agente.

Mais flexibilidade para a ANEEL
O ministério pretende dar mais ferramentas para a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) adaptar os contratos à realidade de transformação do setor, podendo criar regimes tarifários. Isso poderá customizar o desenho para diferentes áreas de concessão, podendo dar saída às concessões de áreas problemáticas.

A proposição é de que “as tarifas homologadas pela ANEEL poderão ser diferenciadas em função de critérios técnicos, locacionais, de qualidade ou geográficos. Tendo em vista particularidades das áreas de concessão e permissão, a diferenciação tarifária pode abranger áreas de elevada incidência de perda não técnica e/ou complexidade socioeconômica”.

“A nota técnica facilitou muito essa questão da estrutura tarifária por região e áreas com realidades distintas, como o Rio de Janeiro. Isso permite ainda mais flexibilidade na redução do peso das áreas de pior performance por acesso”, diz um credor da Light.

Fica a dúvida de como seria o processo de criação desses novos modelos tarifários em áreas problemáticas. “Essas cláusulas que são específicas de uma área terão análise da minuta do contrato pelo TCU depois de propostas?” questiona um consultor.

Agência reguladora vive momento de fragilidade
Ao conceder mais flexibilidade para a ANEEL e incluir cláusulas contratuais para o futuro do setor, o desafio será a agência desenhar essa regulação em um cenário em que o poder regulador tem sua autoridade desafiada pelo Congresso. Isso exigirá o fortalecimento da agência reguladora.

“Dá-se mais poder à agência, mas ela tem sido questionada pelo Congresso com projetos querendo sustar decisões dela ou parlamentares querendo reduzir a influência das agências independentes. O aumento de 44% das tarifas no Amapá na semana passada pode trazer mais ruídos”, diz um especialista.

Projeto de lei de modernização
Questões como a separação fio e energia e a abertura total do mercado livre são pontos que influenciam o setor de distribuição. No ambiente futuro, as distribuidoras poderão se tornar minioperadoras de redes e obter receita sendo uma plataforma de serviços, vendendo soluções como eficiência energética ou até serviços de geração distribuída. Para isso, a separação fio e energia seria importante.

No texto, o ministério propõe que os novos contratos contenham cláusulas que prevejam a separação, mas o assunto teria de ser tratado por lei, para aumentar a segurança jurídica, segundo advogados. “O futuro depende da resolução desses pontos que têm impacto sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, que são cláusula pétrea”, diz um advogado.

Na semana passada, na Brazil Windpower 2023, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que o governo trabalha em um projeto de modernização do setor elétrico. Fica a expectativa de que isso possa ser tratado nele.

Processo envolverá TCU e ANEEL
O rito do processo de renovação das concessões é de que o TCU analisará as propostas do governo nesse momento e em paralelo o Ministério de Minas e Energia deve trabalhar no decreto para envio para a Casa Civil.

Quando o decreto for publicado, o Ministério de Minas e Energia enviará as diretrizes da modernização dos contratos à ANEEL, que irá analisar indicadores técnicos e econômicos de cada uma das concessões. A partir daí, o Ministério defende que a ANEEL abra “ uma única Consulta Pública com a Minuta dos Contratos de Concessão. Em seguida a ANEEL aprovará a Minuta de Contrato de Concessão.”

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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