ANEEL adia pela segunda vez consecutiva decisão sobre perdão para atrasos na corrida do ouro

Roberto Rockmann*

Pela segunda semana consecutiva, a diretoria da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) adiou a decisão sobre a CP (Consulta Pública) 15/2023, que trata do “perdão” para os geradores que acumularam outorgas com a intenção de garantir desconto na conexão.

Isso ocorre em meio à tentativa da agência de buscar uma solução para conduzir o processo de forma que a medida excepcional evite uma disputa judicial e possa destravar uma série de projetos que estão na fila por conexão.

Na semana passada, o tema foi retirado de pauta pelo relator, Hélvio Guerra. Nesta terça-feira (20), o diretor Fernando Mosna pediu vista dele. A CP se refere à anistia dos CUST (Contratos de Uso do Sistema de Transmissão) protocolados até 2 de março de 2022. Este era o prazo para obtenção de descontos no uso do fio no SIN (Sistema Interligado Nacional) por fontes renováveis, como solar e eólica, o que provocou a chamada corrida de ouro, com cerca de 200 GW em pedidos de outorgas.

Mosna disse que a questão brasileira não é um fenômeno isolado, mas essa corrida tem ocorrido em outros países, como Reino Unido e Estados Unidos, sendo que boa parte dos empreendimentos nesses países tem sido desenvolvida por especuladores. Uma questão que se apresenta então é como regularizar projetos que tenham condições de sair e que não sejam especulativos. “Devemos tratar da regularização e dar um direcionamento para que não haja um flanco aberto para judicialização”, disse.

Essa discussão trata da regularização de empreendimentos que tiveram problemas na construção, sofreram atraso no cronograma e hoje estão sujeitos a penalidades da agência. “Esse ponto, se não resolvido, pode continuar rendendo questionamentos judiciais por mudanças de posturas”, afirma um advogado.

Expectativa de rediscussão
Em dezembro de 2021, foi lançado o Decreto 10.893/2021, que tratou da dispensa de informe de acesso para apresentação de outorga. Em fevereiro de 2022, a ANEEL permitiu a alteração de cronograma de projetos no mercado livre com excludente de responsabilidade, mas fatores maiores relacionados à pandemia não foram aceitos. Uma resolução em agosto de 2022 apontou que os projetos teriam 54 meses para a implementação de todas as outorgas.

Essa mudança de entendimento atingiria 2 GW de projetos com obras mais avançadas e que estariam desembolsando CUST, mesmo sem uso da conexão. Esses 2 GW que envolveriam mais de R$ 5 bilhões em investimentos gostariam também de ter um tratamento nessa questão. “O pedido de vista abre a expectativa de rediscussão para evitar judicialização sobre esse ponto e essa mudança de postura da ANEEL”, diz um diretor de empresa.

Não é a única preocupação que ronda o setor. Uma delas se refere à velocidade da decisão final sobre as regras de devolução. “É preciso que seja rapidamente decidido e volte à pauta na próxima semana. A limpeza da fila é essencial para o leilão de margem de escoamento”, afirma Ricardo Barros, vice-presidente de geração centralizada da Absolar (Associação Brasileira da Indústria Solar).

Com a demora da decisão, outra preocupação é em relação ao impacto do atraso em relação ao ciclo tarifário das transmissoras 2023/2024 de sua RAP (Receita Anual Permitida), que se inicia em 1 de julho. Se a discussão se estender além de junho, pode exigir medidas adicionais sobre esse ponto. “Esse ciclo que se iniciará em julho está baseado nas solicitações enviadas em 6 de junho. Se o prazo for além de junho, ainda não é possível avaliar o impacto dessa extensão”, afirma um empresário.

De um lado, agentes que enviaram a solicitação na primeira semana de junho poderão abandonar essa decisão quando as regras forem anunciadas e tiverem de formalizar a decisão, enquanto outros poderão aderir com a extensão do prazo. “Não dá para saber qual será esse saldo e se terá impacto”, diz um agente.

Para Barros, da Absolar, a ANEEL está atenta a esse ponto e tem ferramentas para driblar isso. “A agência tem mecanismos para mitigar isso, devem estar pensando nessas formas, pode ser feita uma provisão inicial e depois fazer um ajuste, mas isso deverá ser conhecido quando votarem”, afirma o empresário.

Extensão do prazo
O novo adiamento também traz a expectativa entre agentes de possibilidade de extensão do prazo de manifestação de interesse na devolução amigável, que se iniciou em 6 de junho com o recebimento pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) de 12 GW de 292 centrais geradoras com intenções em aderir ao mecanismo regulatório extraordinário. Alguns agentes querem extensão do prazo de adesão ao mecanismo de devolução, o que chegou a ser inclusive debatido na reunião da ANEEL.

Com mais prazo, o volume de pedidos poderia ser maior, o que por consequência poderia liberar mais margem de escoamento para o eventual leilão que poderia ser realizado para projetos que desejam prioridade na fila.

No fim do ano passado, no governo Bolsonaro, foi lançada uma CP sobre o primeiro leilão de margem de escoamento, que poderia ser realizado no fim deste ano. “Resolver as regras da devolução é o primeiro passo para que o governo atual possa pensar nesse leilão, essa é a sinalização que temos recebido”, diz um agente.

A realização de um leilão reverso em que projetos pudessem ser descontratados é inspirada em um passado recente. Foi feita no governo Temer, mas se referia a projetos de geração em um momento em que o setor vivia uma sobreoferta de projetos. Agora o calcanhar de Aquiles é a transmissão. O leilão poderia destravar investimentos.

Cerca de R$ 50 bilhões em investimentos para colocar em operação projetos com 7 GW de potência instalada de usinas eólicas estão à espera de resolução do impasse em relação à falta de conexão na rede de transmissão.

Boa parte desses projetos está com contratos de longo prazo de energia vendidos, já tem acordos assinados com fornecedores de máquinas e equipamentos e conta também com financiamento de bancos, mas hoje está com cronograma incerto em razão de o acesso à rede estar limitado diante da enxurrada de pedidos.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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