26/06/2025 | 11h00  •  Atualização: 27/06/2025 | 13h03

ANTAQ quer restringir participação do maior usuário da Hidrovia do Paraguai no leilão de concessão

Foto: ANTAQ/Divulgação

Marília Sena, da Agência iNFRA

A ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) aprovou, nesta quarta-feira (25), os estudos para a concessão da hidrovia do Rio Paraguai com regras que restringem a participação de um dos usuários da hidrovia, a empresa LHG Mining, controlada pelo grupo J&F.
 
O modelo se assemelha ao proposto pela agência para o leilão do superterminal de contêineres do Porto de Santos, o Tecon10. A disputa se dará em duas etapas, sendo que, na primeira, a LHG está impedida de participar. Se não aparecerem interessados, a LHG pode apresentar uma oferta. 
 
O processo de concessão da hidrovia agora segue para o MPor (Ministério de Portos e Aeroportos) e posteriormente será encaminhado ao TCU (Tribunal de Contas da União), marcando a primeira proposta que a Corte avaliará para uma concessão no modo hidroviário.
 
Representantes do setor assinalam que a proposta de fasear o leilão da hidrovia pode ser uma resposta às críticas ao certame do Tecon Santos 10. Fontes ouvidas pela Agência iNFRA acreditam que a medida é uma forma de a autarquia se blindar das críticas e manter a coerência em relação à decisão anterior, que já começou a ser contestada judicialmente. 
 
No entanto, o relator do processo, diretor Alber Vasconcelos, negou que o voto desta quarta-feira seja um recado. Em entrevista à Agência iNFRA, ele afirmou que “as críticas são a certeza de que a agência está acertando”. “Decisão que não é criticada é enviesada”, disse ele, que classificou a escolha por fasear o leilão como “racional”. 
 
Segundo o diretor, 80% das operações da hidrovia estão sob responsabilidade da empresa LHG Mining e de coligadas. Na sua visão, abrir a primeira fase para a companhia vai impedir a concorrência. “A operação da hidrovia já é um monopólio por si só”, justificou. 

O trecho a ser concedido abrange a região entre Corumbá (MS) e a foz do Rio Apa, em Porto Murtinho (MS), além do leito do Canal do Tamengo, no município de Corumbá, totalizando 600 quilômetros de extensão. O investimento inicial está estimado em R$ 63,8 milhões, com um prazo contratual de 15 anos, passível de prorrogação por igual período.

Atualmente, a Hidrovias do Brasil é a principal usuária da hidrovia, e algumas empresas menores de navegação, tanto brasileiras quanto paraguaias, também operam nela. As cargas da LHG, cerca de três milhões de toneladas por ano, são transportadas no momento pela Hidrovias do Brasil, num contrato herdado da Vale, que era a dona da mina até a compra da LHG. Recentemente, a LHG adquiriu 400 barcaças e 21 empurradores, o que deve torná-la a maior usuária da hidrovia do Rio Paraguai. O estudo estima que a carga da LHG representa até 75% de todo o transporte de carga previsto.

O diretor da ANTAQ avalia que a concentração de mercado pode inviabilizar a concorrência na concessão hidroviária. “Caso esse agente econômico torne-se o concessionário, ele poderá abusar de seu poder de duas formas: discriminando o acesso à infraestrutura e aplicando diferenças de preços. O resultado extremo desses efeitos anticompetitivos poderia ser o fechamento do mercado, excluindo outras empresas interessadas em operar na hidrovia do Paraguai”, explicou.

O pedido de restrição à participação da LHG apareceu nas audiências públicas, mas a avaliação técnica da ANTAQ indicou que seria possível mitigar possíveis efeitos de restrição à competição pelo uso da hidrovia sem restringir a participação de empresas. Entre as medidas, foram indicadas a proibição de que o operador restringisse usuários ou cobrasse preços diferentes para o mesmo tipo de carga, por exemplo. Essas medidas não foram adotadas pela diretoria.

Sem bases sólidas
Adalberto Tokarski, ex-diretor-geral da ANTAQ, critica a decisão de fracionar o leilão, considerando-a “muito frágil”. Para ele, não há bases institucionais sólidas para impedir que uma empresa já atuante no rio participe da licitação. “O momento é bastante conturbado com esse tipo de cláusula. Acabam aplicando o mesmo peso e medida para casos diferentes”, afirmou, referindo-se aos estudos do Tecon Santos 10.

Apesar disso, Tokarski não acredita que a medida traga “grandes problemas” para a concessão. Ele destacou a expectativa em torno do primeiro leilão hidroviário do Brasil: “É um estudo de caso que requer pouco investimento, mas trará segurança operacional e benefícios econômicos significativos para outros países, como a Bolívia, impulsionando seu desenvolvimento”.

Nas duas audiências públicas, uma presencial em Brasília e outra no Mato Grosso do Sul, usuários e operadores também destacaram como principal desafio os entraves ambientais relacionados à dragagem da hidrovia. Em resposta, o relator do processo, diretor Alber Vasconcelos, anunciou a criação de um comitê de dragagem na ANTAQ para monitorar as ações do futuro concessionário.
 
Judicialização no STS10
Nesta terça-feira (25), o juiz federal Paulo Cezar Neves Junior, da Justiça Federal da 3ª Região, decidiu dar um prazo de dez dias para a ANTAQ dar explicações sobre o certame do Tecon Santos 10. 

A decisão foi resposta a uma ação, com pedido de liminar, em que a Maersk Brasil contesta as regras do leilão aprovado pelo órgão regulador, estruturando o modelo da licitação em duas fases e impedindo que atuais controladores de terminais portuários de contêineres em Santos, entre eles, a Maersk, participem da primeira fase.
 
A Maersk argumentou que as regras do certame foram severamente alteradas sem que a sociedade e os interessados (especialmente os diretamente afetados pelas restrições) pudessem se manifestar. A solicitação é pela abertura de nova consulta pública, algo que, segundo a petição, foi requisitado também pelo órgão do Ministério da Fazenda, a Seae (Subsecretaria de Acompanhamento Econômico).
 
O magistrado, contudo, apontou que a minuta da proposta agora está no TCU (Tribunal de Contas da União) e, portanto, a decisão da agência ainda não teve efeitos. Com isso, não se justificaria a “intervenção” do Poder Judiciário neste momento.
 
“Dada a complexidade da matéria e pelo fato de o pleito não encerrar urgência para ser apreciado sem a oitiva da parte contrária, reputo imprescindível a busca por mais elementos necessários para a análise da tutela de urgência, que poderão ser oferecidos pela própria autoridade impetrada”, escreveu o juiz, informando que irá analisar os pedidos da Maersk após as informações da ANTAQ e a manifestação do Ministério Público Federal.

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