04/09/2025 | 14h00  •  Atualização: 05/09/2025 | 16h24

Audiências sobre MP da taxação de debêntures terminam com alertas

Foto: Carlos Moura/Agência Senado

Amanda Pupo, da Agência iNFRA

A comissão mista que discute a MP (Medida Provisória) 1.303, que altera a tributação das debêntures incentivas e de outros títulos, encerrou nesta quarta-feira (3) a fase de audiências públicas ouvindo o setor de infraestrutura sobre os impactos que a proposta terá no mercado. A previsão do relator da matéria, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), é de entregar seu parecer no próximo dia 16 para ser votado pela comissão.

Durante a sessão realizada nesta quarta, o parlamentar disse já estar “bastante esclarecido” sobre o tema das debêntures e classificou o posicionamento dado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) como “muito importante”. “Acho que a gente está mais claro nesse processo e podemos evoluir com mais tranquilidade”, disse. 

Convidada para a audiência, a superintendente da área de estruturação de projetos do BNDES, Luciene Machado, fez um alerta sobre os impactos que a proposta da equipe econômica vai gerar para os projetos de infraestrutura. De acordo com ela, três frentes de atuação do banco de fomento serão afetadas: a estruturação de modelagens de concessão, o financiamento do setor, e a atividade de coordenação de ofertas públicas de debêntures que a instituição promove. 

“Para nós, mexer nesse instrumento, o custo que terá, mexe nas três funções, de quem estrutura, de quem financia, e quem coloca esses instrumentos no mercado de capitais”, disse Machado, segundo quem as debêntures hoje exercem papel crucial no financiamento dos projetos de infraestrutura e ajudaram a diversificar o crédito ao setor.

Machado citou que, de R$ 135 bilhões em emissões de debêntures incentivadas no ano passado, o BNDES foi responsável por 20%. Para ela, isso mostra que o instrumento possibilitou o crescimento do apoio à infraestrutura com novos agentes do mercado de capitais que há dez anos não faziam parte desse ecossistema. “Vemos como absolutamente positivo”, disse. 

Insuficiente
Na terça-feira (2), antes da audiência, Zarattini afirmou que trabalha para estabelecer um ponto de corte para evitar que projetos já licitados tenham aumento da taxação nas debêntures que os financiam. Para o setor, contudo, o ajuste não é suficiente, uma vez que se prevê que as modelagens em estruturação serão afetadas com a mudança, com possibilidade de o governo arrecadar menos outorga nos próximos projetos e colher tarifas mais altas na prestação dos serviços concedidos. Por ora, segundo apurou a Agência iNFRA, o relator ainda avalia ajustar o texto somente para que a nova tributação não afete os projetos já licitados.

A MP estabelece que, assim como outros títulos hoje isentos, as debêntures incentivadas não oferecerão mais isenção de imposto de renda ao investidor pessoa física, que passará a ser tributado em 5% a partir de 2026. Além disso, a MP tem potencial de elevar de 15% para 25% a alíquota paga pelas empresas que compram debêntures.

A proposta foi mal recebida por ministérios setoriais dentro do governo Lula, mas a equipe econômica tem argumentado que a medida é necessária por basicamente três fatores: promover isonomia entre os títulos de captação (o que faz a pasta resistir à retirada das debêntures da MP); corrigir a distorção da curva de juros, porque na avaliação da Fazenda os títulos isentos estão competindo fortemente com os títulos do Tesouro; e brecar a concessão de incentivos fiscais a setores que não precisariam de mais benefícios, por exemplo, o de energia solar. 

O setor de infraestrutura, contudo, rejeita as avaliações. O entendimento é de que as debêntures não podem ser comparadas a outros títulos hoje isentos, como as letras de crédito, porque têm a singularidade de carimbar todo o recurso captado diretamente para o projeto financiado. Sobre a concessão de incentivos a mercados que não precisam, fontes do segmento lembram que o controle de quem tem direito a emitir debêntures incentivas é dos próprios ministérios setoriais. Ou seja, essa distorção poderia ser corrigida por meio de portarias do próprio Executivo. 

Arrecadação anulada
Na audiência promovida pela comissão mista, o diretor-presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), Marco Aurélio Barcelos, afirmou que o discurso de tratamento isonômico entre os títulos demonstra uma postura míope. “Precisamos ter altivez de entender que as debêntures de infraestrutura não são títulos especulativos, não são bets”, disse Barcelos, para quem, com a mudança, as empresas vão se “enfileirar” no BNDES para pedir financiamento, retrocedendo dez anos na política de apoio ao setor.

A advogada Letícia Queiroz de Andrade, sócia do Queiroz Maluf Reis Sociedade de Advogados, indicou que a ideia de restringir a nova taxação de debêntures aos leilões que venha a ser realizados após a lei pode trazer problemas para projetos que estão em estruturação no momento e também para contratos que estão passando por processos de repactuação.

Segundo ela, as avaliações de pré-viabilidade dos projetos que estão em estudos terão que ser revistas, assim como a taxa de retorno e outros parâmetros, como a distribuição dos investimentos ao longo do contrato. Uma alteração repentina das regras tributárias poderia fragilizar decisões de investimento já tomadas e colocar em risco a própria financiabilidade desses projetos.

“O governo tem um programa tão virtuoso e se orgulha de ter resolvido os problemas do passado que se arrastavam por anos e anos. Vamos ter impacto em todas essas decisões de investimentos. Elas precisam ser respeitadas”, defendeu a advogada.

CEO da MoveInfra, Ronei Glanzmann destacou números de estudo feito pela Pezco Economics segundo o qual, para manter o nível de investimento em infraestrutura, o governo teria que aportar cerca de R$ 67 bilhões ao ano (R$ 335 bilhões em cinco anos), considerando uma queda de emissões de debêntures em 50%. Argumentou ainda que MP não deve ter efeito arrecadatório relevante, já que o ganho de arrecadação esperado pelo governo será reduzido pelo próprio benefício fiscal da dívida.

O diretor-presidente da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), Davi Barreto afirmou que, sem as debêntures incentivadas como são hoje, boa parte do que está sendo projetado pelo governo para o programa de ferrovias será inviabilizado. 

Já o presidente-executivo da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), Venilton Tadini, apresentou outro estudo, da GO Associados, mostrando que a taxação das debêntures proposta na MP acarretaria uma queda líquida de receita de R$ 1,8 bilhão a R$ 4,6 bilhões, o que anula a previsão de arrecadação prevista com a medida no caso das debêntures. 

Representante da Apet (Associação Paulista de Estudos Tributários), Igor Nascimento comentou ainda durante a audiência que o retorno de investimentos do FI-FGTS (Fundo de Investimentos do FGTS) em projetos da área de infraestrutura tem como peça-chave as debêntures incentivadas. “Acabar com títulos ou dificultar vai dificultar no fim do dia a própria estrutura de investimento para um fundo que é tão importante para o desenvolvimento da infraestrutura”, disse ele.

Nascimento lembrou que, após a operação Lava Jato, os investimentos em equity feitos pelo FI-FGTS foram perdidos diante da quebradeira das empresas. E que foi nas operações feitas via investimento em debêntures que o fundo conseguiu recuperar e renegociar com as companhias. “O consenso do fundo de garantia, que quer começar nova rodada de investimentos, é que isso seja feito por meio de debêntures, que são mais seguras”, afirmou.

*Esta matéria foi atualizada em 5 de setembro para complementação com mais informações.

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