Como dirigir uma licitação por meio da concessão por adesão?

Mauricio Portugal Ribeiro*

Com o nobre objetivo de disseminar a elaboração e celebração de contratos de concessão e PPP (parcerias público-privadas) para os estados e municípios menores do país, desde 2019 tem se discutido a possibilidade de mudança das leis de concessão e PPP para adoção do instituto das concessões por adesão.

No Anteprojeto de Lei Geral de Concessões aprovado em 2020 por comissão nomeada pela Câmara dos Deputados para sua elaboração, constaram dispositivos autorizando a concessão por adesão. Felizmente, o referido anteprojeto não teve seguimento.

Mas, o tema das concessões por adesão volta a ser debatido em vista de estar em discussão, na esfera federal, um anteprojeto dessa vez de reforma das leis de concessão e PPP vigentes, capitaneado pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), com o apoio da Casa Civil da Presidência da República e do Ministério da Fazenda.

As concessões por adesão, como o próprio nome sugere, seriam contratos de concessão celebrados por entes governamentais por meio da sua adesão a licitações de concessões de outros entes governamentais, por exemplo, de outros estados ou outros municípios.

O objetivo seria evitar que entes governamentais menores tenham que passar por todo o processo de preparação necessário à celebração de um contrato de concessão: contratação de consultores, realização de estudos de viabilidade técnica, econômico-financeira e jurídica, modelagem e estruturação de edital de licitação e minuta de contrato de concessão, e realização da licitação, processo esse que, de ponta a ponta, normalmente demora mais que dois anos.

Esses entes governamentais aderentes abreviariam, assim, esse processo, simplesmente utilizando procedimento de contratação de concessão em curso ou já realizado por outros municípios, estados ou pela União. Para isso, lei federal estabeleceria a prerrogativa de entes governamentais aderirem a concessões de serviços públicos de outros entes governamentais.

Malgrado a boa intenção, não me parece que autorizar a adesão de entes governamentais a concessões realizadas por outros entes seja uma boa ideia.

Imaginem que a lei estabeleça a prerrogativa de entes governamentais aderirem a concessões estruturadas por outros entes governamentais até o encerramento da consulta pública do edital de licitação, ou até a sua publicação final para licitação.

E que, por exemplo, um conjunto de municípios liderados por uma capital de estado, ou pelo governo do Estado, tenham contratado o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para estruturar estudo para a concessão de serviços no setor de saneamento.

Ao saber que o BNDES foi contratado e a exata área de abrangência do estudo que ele realizaria, a empresa Y (referida, de agora em diante simplesmente como “Y”), interessada na concessão e com grande penetração política na região, resolve aproveitar-se do instituto da concessão por adesão para maximizar as suas chances de ganhar a licitação.

Para isso, Y convence os prefeitos dos municípios próximos à área que o BNDES está estudando a realizar na última hora, por exemplo nos últimos dias da consulta pública, a adesão, e a manter essa informação sobre a decisão de realizar a futura adesão, tanto quanto possível, em sigilo.

Sabendo que os municípios vão realizar a adesão, Y realiza estudos sobre os custos de investimento, operacionais e as receitas potenciais a serem obtidas com a prestação dos serviços nos municípios que serão aderentes à licitação. Dessa forma, ele terá vantagem competitiva na licitação, pois será o único a ter informações confiáveis sobre o impacto da adesão a ser realizada sobre o projeto em estruturação.

Para evitar que Y conseguisse obter vantagem na licitação, o BNDES teria que, após a ocorrência da adesão, fazer estudos complementares abrangendo os municípios aderentes. Para isso, seria necessário aditar os contratos com seus consultores e eventualmente rever os estudos já realizados.

Isso pode atrasar o projeto em mais de um ano, e, se a decisão de realização do projeto tiver sido tomada em momento em que ele se enquadrava no cronograma político – de maneira a haver entrega de obras ainda durante o mandato dos chefes do poder executivo que tomaram originariamente a decisão de estruturar a concessão – o pedido de adesão desalinhará o projeto em relação ao cronograma político.

Note-se que, se, após a adesão, os entes governamentais que promoveram a estruturação da concessão e o BNDES preferirem não fazer estudos complementares, isso aumentará as chances de sucesso da estratégia de Y, que terá mais informação que qualquer outro participante da licitação sobre os municípios aderentes, e, portanto, maior chance de vencer a licitação.

Esse caso hipotético evidencia que a concessão por adesão cria um privilégio para entes governamentais que, de última hora e sem qualquer planejamento, resolvem participar de um processo de concessão promovido por outros entes governamentais, com alto risco de (a) inviabilizar ou dificultar a realização de concessão por aqueles entes governamentais que se organizaram adequadamente para realizá-la, e/ou de (b) piorar substancialmente a qualidade do conjunto de informações necessárias a promover a isonomia na licitação, com chances de algum potencial participante mal intencionado usar essas circunstâncias para dirigir a licitação. Portanto, a adoção de regras que autorizem as concessões por adesão certamente piorará o ambiente de negócios do mundo das concessões.

Um outro cenário possível, este também cogitado pelo Anteprojeto de Lei Geral de Concessões de 2020, é permitir a adesão de entes governamentais a contratos de concessão, mesmo após a sua assinatura, desde que com a aquiescência do poder concedente e do concessionário originais.

A partir da aprovação dessa regra, se eu fosse concessionário de qualquer serviço que se preste a uma expansão territorial, eu colocaria no centro da minha estratégia de crescimento o convencimento dos prefeitos dos municípios lindeiros à área da minha concessão para aderir ao meu contrato de concessão.

Evidentemente, eu me focaria apenas nos municípios cuja adesão gere benefícios para a minha concessão. Parte desse benefício pode ser devolvido ao poder concedente originário, o que certamente o tornaria meu aliado nesse processo de expansão territorial da prestação dos serviços.

Mas qual o problema disso? A pressão competitiva – que em negócios com estrutura econômica de monopólio ocorre somente durante a licitação pelo contrato de concessão – é eliminada em prol da expansão da área da concessão. É como se por alteração de lei federal se eliminasse a obrigação constitucional de prévia licitação para essas concessões, o que é evidentemente inconstitucional.

A concessão que adere supostamente usaria a licitação realizada para a concessão originária. Mas, isso simplesmente não funciona. Na prática, os dados por exemplo de cobertura dos serviços de água e esgoto do município que adere podem ser muito diferentes daqueles do município que realizou a licitação.

Os desafios para a geração de receita com a prestação do serviço também: por exemplo, é possível que o município aderente tenha uma quantidade de áreas irregulares, favelas, etc. na qual o serviço deve ser prestado em extensão substancialmente superior ao do município que era o poder concedente originário. Também os custos para implantação da infraestrutura podem ser muito diferentes do dos entes governamentais que concederam originalmente o serviço.

O resultado disso é o que eu chamaria de um “jogo de faz de conta”. Em nome da expansão da área concedida, fazemos de conta que a licitação originária representa de alguma forma a situação do município aderente e o potencial de transferência aos usuários de ganhos de eficiência que poderiam ser gerados no município aderente, o que qualquer especialista em infraestruturas sabe que simplesmente não é verdade.   

Enfim, a adoção do instituto da adesão não me parece uma boa ideia pois tornará o ambiente de negócios das concessões e PPPs pior: (a) dará direito a entes governamentais que não se organizaram para a realização de concessões de perturbar o processo de contratação de concessões de outros entes; (b) tornando esses processos mais vulneráveis a estratégias de dirigismo contratual; (c) criando pela via legal a possibilidade de descumprimento da obrigação constitucional de prévia licitação para celebração de contratos de concessão.

Com a palavra os nossos legisladores federais.

*Mauricio Portugal Ribeiro é sócio da Portugal Ribeiro Advogados, especializado na estruturação, nos aspectos regulatórios e no equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessões comuns e PPPs. É também professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas), São Paulo (SP).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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