Nestor Rabello e Leila Coimbra, da Agência iNFRA
O presidente da Abar (Associação Brasileira de Agências de Regulação), Fernando Franco, disse ter sido pego de surpresa pela abertura de consulta pública do Ministério da Economia que busca apurar, com denúncias anônimas, supostos abusos cometidos por agências reguladoras – uma decisão a qual considerou ser “desastrosa”.
Em entrevista à Agência iNFRA, Franco considerou a decisão da pasta como um “desserviço” e afirmou que ela pode fragilizar o ambiente regulatório no país.
“Em nenhum momento fomos informados e nenhuma agência reguladora federal teve conhecimento desta consulta pública. Pegou todos de surpresa, alguns ficaram perplexos sobre o teor da consulta […]. Não é esse o caminho, ela é totalmente desastrosa”, disse Franco.
O dirigente aponta ter sido informado por terceiros sobre a existência da consulta na última segunda-feira (8) – o aviso de abertura foi publicado no DOU (Diário Oficial da União) em 3 de março e tem prazo de duração até 3 de abril.
“Quer dizer, a coisa é tão infantil, é uma consulta pública tão desproporcional, que ela é como se fosse uma campanha, da forma que saiu, negativa do governo para atacar as agências federais”, disse. “Eu nunca vi nada tão desastroso partindo do próprio governo quanto essa consulta pública. É um desserviço à regulação brasileira”, continuou.
Segundo o aviso de abertura da consulta, o objetivo é “coletar subsídios sobre a atuação de reguladores federais, a fim de elaborar a proposição de políticas públicas”. O despacho é assinado pelo secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia, Geanluca Lorenzon.
“Contrassenso”
Franco diz estar convicto de que a decisão do secretário não encontra coro dentro do Ministério da Economia: “A consulta vem de encontro às várias diretrizes que o governo federal vem traçando na sua política liberal. Então, é um contrassenso”, diz.
Segundo ele, o governo já tem instrumentos para avaliar a atuação das agências, por meio da CGU (Controladoria-Geral da União). Isso é feito pelo órgão de maneira ética e correta, o contrário do que deve ocorrer na consulta pública, avaliou Franco.
“Fiquei extremamente preocupado com a falta de profissionalismo por parte de quem teve a ideia dessa consulta pública […]. Nunca vi isso. Além de ser uma coisa totalmente desarrazoada, porque você não vai construir, nem melhorar, o ambiente regulatório com uma consulta incentivando pessoas por anonimato a fazer críticas à regulação. Não é esse o caminho”, aponta.
O presidente da Abar afirma também que buscará contato com o próprio Ministério da Economia e outros órgãos, como a CGU (Controladoria-Geral da União), para tentar rever a abertura do procedimento.
Autonomia e concessionárias
Em outra análise, Franco cita outros efeitos negativos da decisão tomada pela pasta. Segundo ele, isso pode afetar a autonomia das agências federais de regulação e beneficiar o que classificou de “maus prestadores de serviços”.
“Vai fragilizar o ambiente regulatório, em cima daqueles concessionários que não fazem um bom serviço […]. Vai só facilitar para que esses maus prestadores de serviços – que não são a maioria, são a minoria – apresentem críticas e tentem enfraquecer a regulação”, afirmou.
Ao comentar sobre efeitos na autonomia das agências, Franco disse que “tudo que vem contra as agências, de alguma forma, prejudica sua autonomia”.
Apreensão geral
Não só o presidente da Abar, que representa agências como a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), foi surpreendido pela abertura da consulta pública.
Agentes do setor e advogados especializados em infraestrutura também demonstraram à Agência iNFRA preocupação com o episódio, como é o caso do presidente da Comissão Especial de Energia do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e do Conselho da Amazonas Energia, Gustavo de Marchi.
“Eu fui surpreendido com isso. Não estava sabendo e, realmente, é preocupante, porque as agências foram uma grande conquista para o país, visando justamente a independência e a autonomia, livre de pressões políticas”, disse, mostrando também preocupação com o fator de anonimato previsto na consulta pública.
Já o sócio da Cascione, Pulino e Boulos Advogados, Caio Loureiro, ressalta que a consulta pode criar cenário de instabilidade institucional para as agências. Ele também aponta para a pouca publicidade dada à consulta pública.
“O problema maior é institucional. Não se faz consulta pública às escuras, sem a devida divulgação, sem combinar com as agências antes que vai lançar a consulta […]. É o tipo de coisa que precisa se ter muito claro o que e como quer atingir. Quando você olha o objeto dessa consulta, é algo das coisas mais genéricas possíveis”, aponta.
“Abusos”
No dia seguinte à publicação da abertura da consulta no DOU, o secretário Geanluca Lorenzon disse nas redes sociais que o objetivo do procedimento é receber contribuições sobre “potenciais abusos regulatórios de órgãos de ponta, como agências reguladoras e outras autarquias”.
Segundo a Sepec (Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade) do Ministério da Economia, secretaria à qual Lorenzon é subordinado, os temas passíveis de abuso por parte das agências vão de excessos regulatórios, omissões, inadequação de interpretações até a atuação excessiva em atos públicos de liberação.
Há um total de 13 situações elencadas pela Seae para “facilitar a classificação dos potenciais excessos de reguladores”. Confira as classificações no documento elaborado pela pasta neste link.
Primeiros avisos
A Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade validou nesta quarta-feira (10) os primeiros avisos de possível abuso regulatório. As ocorrências foram feitas no âmbito da Fiarc (Frente Intensiva de Avaliação Regulatória e Concorrencial), criada pela secretaria.
Em nota, a secretaria informou que a primeira denúncia acatada foi apresentada pela empresa de aplicativo Buser, que queixa que a prestação de sua atividade foi restringida, “impondo um alto custo para exercício de transporte coletivo rodoviário”.
A segunda denúncia foi feita pelo Sindiporto (Sindicato Nacional das Empresas de Navegação de Apoio Portuário), que alega que a regulação do setor gera distorção concorrencial no mercado de navegação. Os dois casos estão em fase de análise de admissibilidade.