‘Corrida do Ouro’: usinas paradas à espera de norma da ANEEL somam 4,5 GW de potência

Lais Carregosa e Geraldo Campos Jr., da Agência iNFRA

As usinas renováveis da “corrida do ouro” que estão à espera de uma norma pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) para limitar a concessão de desconto no fio somam aproximadamente 4,5 GW de potência, segundo dados da agência obtidos pela Agência iNFRA. Em compasso de espera, esses projetos temem os impactos que a nova regulação pode ter sobre os empreendimentos.

Ao todo, 123 usinas assinaram pedidos de suspensão da análise da outorga até a publicação da resolução que atenderá o acórdão do TCU (Tribunal de Contas da União) que limita os descontos no fio. O TDSA (Termo de Declaração de Suspensão da Autorização) estabelece que os agentes concordam que a regulamentação dos subsídios vai depender dos critérios estabelecidos na nova norma.

Em 25 de abril, a área técnica da ANEEL sugeriu, em nota técnica, que os projetos sejam agrupados em “complexos de geração” de acordo com relação societária e ponto de conexão. 

Ou seja, se uma ou mais usinas pertencerem ao mesmo grupo econômico (direta ou indiretamente) e compartilharem o mesmo ponto de conexão na rede, podem ser enquadradas como “complexos de geração”. Nesses casos, a potência injetada dos empreendimentos seriam somadas para fins de concessão dos descontos, no limite de até 300 MW.

O processo chegou a ser pautado para deliberação da diretoria colegiada no dia 29 de abril, mas foi retirado de pauta pela relatora, diretora Agnes Costa, após reunião com representantes de usinas impactadas. Os agentes levaram uma série de questionamentos, como possíveis complicações futuras e a abrangência da nova regra. Sobre os pleitos, foi solicitado um parecer da procuradoria da agência, ainda não concluído.

A implementação da norma pela ANEEL segue a determinação dos acórdãos do TCU, exarados em 22 de novembro de 2023 e 15 de maio de 2024, que instruíram a agência a estabelecer os limites para as usinas da “corrida do ouro” ainda não outorgadas.

Aplicação das novas regras
Um dos questionamentos levados à ANEEL é se as novas regras de fato devem valer para essas usinas, uma vez que os empreendimentos já haviam apresentado o pedido de outorga até 2 de março de 2022 e na época não existia essa regulação, conforme explica o diretor regulatório da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), Francisco Silva.

Ele lembra que o TCU, no segundo acórdão, estabeleceu que a nova regra só valeria para casos novos e não poderia retroagir a outorgas já emitidas. No entanto, a avaliação do segmento é que as demais usinas que já tinham pedido apresentado se enquadram na mesma categoria, deparando-se com uma mudança das regras do jogo já depois da outorga solicitada. Nesse caso, se a opinião dos empreendimentos prevalecer, nenhuma das usinas da “corrida do ouro” seria atingida pelas novas regras.

“Isso acaba prejudicando uma série de projetos de pedidos feitos até março de 2022, com expectativa de que seria mantido o seu direito”, disse Francisco Silva, que rebateu a tese de que os geradores dividem os empreendimentos em usinas de até 300 MW com o único objetivo de conseguir o desconto no fio.

“O empreendedor faz uma diferenciação dividindo por outras razões, como comerciais, comercializando parte para um cliente, por exemplo, e uma outra usina ele pode fazer um arranjo de autoprodução. E também por questões técnicas, como linha de transmissão. Prova disso é que, após esse prazo de 2022, os empreendimentos mesmo sem o desconto continuam solicitando suas outorgas de forma fracionada”, afirmou.

Contudo, o entendimento da ANEEL é que o comando do TCU vale apenas para as outorgas emitidas e a norma deveria atingir os pedidos ainda em análise. Os termos de suspensão assinados pelos geradores, inclusive, estabelecem a concordância das usinas de que o enquadramento nos descontos no fio dependerão das novas regras.

Norma não prevê regularização
O advogado Henrique Reis, sócio da área de Direito Público e Regulatório do Demarest, afirma que a minuta da norma elaborada pela ANEEL não prevê, pelo menos em relação ao critério físico de definição de Complexo de Geração, a possibilidade de “regularização” dos empreendimentos outorgados após a decisão do TCU às novas regras. 

Do jeito que está, a minuta não trata, por exemplo, da possibilidade de empreendimentos que já pediram a outorga e estão esperando a norma fazerem alterações em seus projetos para adequação às novas regras. Segundo o advogado, a falta de comando para esses casos poderia levar a uma insegurança e a questionamentos por parte das usinas. 

“De alguma forma, deveria haver um comando claro e objetivo no sentido de que seria possível regularizar as outorgas considerando os critérios físico e societário estabelecidos pela ANEEL após o protocolo da solicitação de outorga, ainda que a ANEEL chegue à conclusão de que essa regularização deva ser implementada até uma data-limite, como, por exemplo, até a entrada em operação comercial dos empreendimentos. Do jeito que está, eu não consigo identificar essa possibilidade expressa”, disse.

Por outro lado, no caso de transferência de controle societário, a minuta prevê a atualização das outorgas dos complexos de geração. “Aqui, a ANEEL se limita à questão societária, não traz a possibilidade de regularização por alteração de característica técnica”, afirmou.

Impactos futuros
Há ainda uma preocupação com os impactos futuros da aplicação das regras da minuta. Francisco Silva, da Abeeólica, citou como exemplos usinas já outorgadas que nos próximos anos passem por eventuais mudanças.

“Suponha que temos um agente que já tem outorga em mais de 300 MW, que coloca outra máquina no aerogerador e isso faz com o parque dele passe a ter 302 MW. No nosso entendimento, a nova regra deveria ser aplicada apenas para os 2 MW adicionais. Mas da forma que foi colocado, com esse ajuste de característica técnica, isso seria avaliado como um novo pedido de nova outorga e com isso perderia o direito ao desconto”, citou.

Na outra hipótese, ele menciona duas usinas próximas, que compartilham o mesmo ponto de conexão com a rede, mas são de diferentes grupos. Caso no futuro uma empresa compre a outra, como haveria a relação societária, as duas usinas perderiam o subsídio. 

“Tudo isso provoca uma insegurança e leva a um medo gigantesco que os associados têm percebido. E com isso existe a chance de que algum empreendedor, a depender da regra e do seu estágio de implantação, avalie que o risco se ampliou tanto de se perder o subsídio que o projeto não faz mais sentido”, disse.

Na nota técnica, a ANEEL entende que, mesmo para as outorgas já emitidas, as regras derivadas dos acórdãos do TCU se aplicariam a novas autorizações ou ampliação da potência instalada das usinas. Esse ponto é questionado pelos empreendimentos.

“Entretanto, em caso de alteração desses atos que resulte em ampliação da potência instalada, ou da emissão de novas outorgas cujas características se enquadrem como complexo de geração em relação a outorgas já emitidas, todas essas outorgas devem se submeter ao novo regramento, passando a constar o enquadramento de complexo de geração”, diz a nota técnica da agência.

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