Debêntures de infraestrutura: o “deus ex machina” da retomada do setor?

Francisco Costa e Silva*, Thiago Araújo** e André Uryn***

No dia 10 de janeiro, o presidente da república sancionou a Lei 14.801/2024, que introduziu as debêntures de infraestrutura no ordenamento jurídico brasileiro. A sanção presidencial concretizou um dos principais anseios dos setores público e privado, já que esses títulos de crédito prometem ampliar as fontes de recursos direcionadas ao setor. De acordo com o senador Rógerio Carvalho, a expectativa é que as debêntures de infraestrutura alavanquem mais de R$ 1 trilhão em investimentos para os projetos.

A possibilidade de emissão das debêntures de infraestrutura complementará o sistema de financiamento existente, que conta, por exemplo, com os recursos aportados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), as captações externas e as próprias debêntures incentivadas, reguladas pela Lei 12.431/2011. A grande novidade é que os recursos terão sua destinação vinculada ao financiamento de projetos de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em PD&I (pesquisa, desenvolvimento e inovação) considerados prioritários pelo poder executivo.

As novas debêntures também garantem benefícios para o emissor dos títulos de crédito, o debenturista. Prometem uma maior atratividade para aqueles investidores que antes não possuíam vantagens expressivas com as debêntures incentivadas, em especial os investidores institucionais – com destaque para os fundos de pensão e seguradoras – e os estrangeiros.

Soma-se isso às mudanças nas regras de emissão dos títulos, objetivando a desburocratização do procedimento para entrada de financiamentos no setor, promovendo uma maior celeridade na obtenção dos recursos e redução nos custos relacionados ao desenvolvimento dos projetos. Notório que há, desse modo, uma verdadeira tentativa do governo federal de superar o problema histórico de carência de investimentos que há tempos assola o setor de infraestrutura brasileiro.

É em razão disso que as debêntures de infraestrutura são recebidas com bastante entusiasmo pelo mercado, especialmente após as debêntures incentivadas não terem conseguido atrair a adesão de investidores institucionais nacionais e internacionais de grande porte – os incentivos fiscais ofertados acabaram sendo direcionados para as pessoas físicas.

Apesar do clima otimista após a sanção pelo presidente da república, um questionamento é latente: essa nova categoria de títulos não estaria sendo tratada como uma espécie de “deus ex machina [1] da retomada do setor?

Inicialmente, pretendendo levantar pontos de relevância para o debate, cabe destacar que não é necessária aprovação ministerial prévia para que os projetos de investimento na área de infraestrutura sejam listados como prioritários. Basta que, na data de apresentação do requerimento de registro da oferta pública das debêntures de infraestrutura, estejam atendidos os critérios estabelecidos no regulamento a ser editado pelo poder executivo federal.

No caso dos setores que envolvam serviços públicos de titularidade dos entes subnacionais (por exemplo, os serviços de saneamento básico), o regulamento poderá prever um procedimento simplificado de aprovação ministerial prévia. Com isso, percebe-se a preocupação do legislador em garantir a celeridade do procedimento.

A Lei 14.801/2024 estabeleceu também que a edição do seu primeiro regulamento deverá se dar em até trinta dias após a publicação da lei. A espera agora é menor. Depois de quatro anos de expectativas pela criação desses títulos, é necessário aguardar até, no máximo, o próximo dia 10 de fevereiro, quando será possível, finalmente, conhecer como se dará a operacionalização das debêntures na prática.

Outro ponto a ser considerado diz respeito aos próprios critérios de enquadramento dos projetos, notadamente no que diz respeito à diversificação daqueles considerados como prioritários. Isso porque, o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) destaca-se como uma das prioridades do PPA (plano plurianual) do período de 2023-2027 (Lei 14.802/2024), contando com 38 programas vinculados a ele. Nesse contexto, surge a necessária indagação sobre a possibilidade de as novas debêntures de infraestrutura serem predominantemente utilizadas no financiamento do novo PAC.

É evidente, então, que a emissão desses títulos está integralmente alinhada com a estratégia de retomada do setor de infraestrutura preconizado pelo governo federal. Não obstante esse alinhamento estratégico, torna-se imperativo considerar o histórico brasileiro de fragilidade na manutenção de políticas públicas a longo prazo, cabendo aqui antecipar os possíveis desafios no efetivo sucesso da utilização das debêntures de infraestrutura.

De acordo com o texto da lei, espera-se uma rápida injeção de recursos no setor, mediante a emissão de debêntures de infraestrutura, até o dia 31 de dezembro de 2030, o que levanta preocupações legítimas quanto à futura atuação dos órgãos de controle, notadamente o TCU (Tribunal de Contas da União), conhecido por realizar questionamentos retrospectivos.

Em última análise, ao tratar as debêntures de infraestrutura como um “remédio milagroso”, tem-se o risco potencial de uma fiscalização mais rigorosa por parte do controle externo, especialmente se esses instrumentos financeiros seguirem o mesmo caminho das debêntures incentivadas.

Existem, por exemplo, riscos inerentes aos títulos de crédito emitidos no mercado de ações, como a oscilação dos fatores macroeconômicos do país, a exposição à variação cambial e a sensibilidade às taxas de juros. Todas representam variáveis que podem impactar diretamente nos custos incorridos para os financiamentos dos projetos. As debêntures também costumam ter uma baixa liquidez no mercado secundário, o que pode vir a impactar sua atratividade para investidores que preconizam por uma maior flexibilidade nas negociações.

Além disso, existem os desafios decorrentes das particularidades do setor de infraestrutura, que lida com projetos de longo prazo, alta complexidade, questões regulatórias complexas e baixa atratividade dos projetos greenfield. Todos esses fatores contribuíram para a ausência de um mercado privado de financiamento a longo prazo, o que conduziu, em grande parte, à dependência dos financiamentos do BNDES – neste ponto, a entrada dos fundos de pensão emerge como uma perspectiva promissora. 

Aqui, cabe destacar que o espaço de protagonismo dos financiamentos realizados pelo BNDES no setor de infraestrutura pode ser ainda mais alargado, em decorrência de eventual sanção do projeto de lei 6.235/2023, apresentado pelo poder executivo federal no final do ano passado. Este projeto prevê a criação da LCD (letra de crédito do desenvolvimento), nova categoria de título de crédito a ser emitida exclusivamente por bancos de desenvolvimento, reforçando as fontes institucionais de financiamento para os projetos.

Contudo, a LCD pode se tornar o último prego no caixão das debêntures incentivadas, na medida em que a aquisição dos títulos diretamente de um banco público – ao invés de um particular – é tida como mais atrativa para as pessoas físicas, que terão uma maior segurança no negócio. Nesse sentido, a aprovação do projeto teria o potencial de acabar com o que, atualmente, caracteriza o principal atrativo das debêntures incentivadas, eventualmente as substituindo no âmbito do macrossistema de financiamentos do setor.

A despeito desse possível cenário, fato é que a Lei 14.801/2024 representa um importante marco para a gestão do passivo de obras paralisadas em todo o país, visto que os grandes projetos de infraestrutura há muito anseiam por novas fontes de financiamento. Com a eventual criação da LCD, as debêntures de infraestrutura ganharão ainda mais importância enquanto instrumento de atratividade para os investidores institucionais e estrangeiros.

Contudo, para garantir o sucesso dessa iniciativa, é crucial que haja um equilíbrio estratégico entre a ampliação das alternativas de investimentos privados e a proteção dos interesses públicos vinculados aos projetos de infraestrutura. Para efetivar os objetivos elencados, então, é preciso que a gestão estatal e os órgãos de controle adotem uma visão global e de longo prazo, visando potencializar os benefícios e criar condições efetivas para o êxito das debêntures de infraestrutura.

A criação dos títulos não apenas representa um avanço significativo, mas também demanda uma abordagem cuidadosa para garantir que os resultados sejam refletidos de forma consistente ao longo do tempo, proporcionando benefícios sustentáveis para o desenvolvimento nacional.


[1] Conforme a definição do Cambridge Dictionary, o “deus ex machina” é uma expressão latina que pode ser usada para indicar uma solução inesperada, resolvendo um problema complexo de forma muito fácil.

*Francisco Costa e Silva é sócio sênior do escritório Bocater Advogados.
**Thiago Araújo é sócio do escritório Bocater Advogados e Procurador do Estado do Rio de Janeiro.
***André Uryn é sócio do escritório Bocater Advogados e Procurador do Estado do Rio de Janeiro.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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