Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Vinte e dois grupos de empresas tiveram mais de 300 horas de reuniões na semana passada com representantes do governo federal para tratar da Ferrogrão e indicaram, com suas dúvidas, que os riscos na área ambiental e na demanda são os mais significativos para o projeto.
É o que consta de um resumo executivo sobre as conversas que o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) do Ministério da Economia lançou na última terça-feira (11) sobre os encontros one-on-one realizados na semana passada com empresas interessadas no projeto. A ferrovia pretende ligar com mais de 900 quilômetros de trilhos a região produtora de grãos do norte do Mato Grosso aos terminais portuários no sudoeste do Pará.
Dos 22 grupos, metade é da área financeira e metade é de operadores de concessões ou epecistas. Houve caso de grupos que já estavam associados, como no caso de empresas italianas que reuniam construtora, operador e financiador (a lista de participantes está abaixo). Bancos de fomento como NDB, CAF e BNDES também participaram.
Segundo Thiago Caldeira, secretário de Parcerias na área de transportes do PPI, responsável pelas apresentações, a ideia do governo é divulgar ao máximo quem são os participantes, porque uma das demandas apresentadas, especialmente por estrangeiros, é encontrar parceiros nacionais para a empreitada. Muitos perguntam até mesmo se as tradings do agronegócio estão dispostas a serem sócias.
“Nós não podemos indicar [parceiros], mas podemos dizer quem são os interessados, de forma transparente, para que eles possam tentar formar consórcios para o empreendimento”, disse Caldeira.
Riscos socioambientais
Nas reuniões, era feita a apresentação do projeto (disponível neste link) e depois eram tiradas dúvidas. No mês passado, a fase de audiências públicas foi encerrada e a proposta foi encaminhada para análise prévia do TCU (Tribunal de Contas da União), que precede o lançamento do edital.
Na percepção de Caldeira, 50% dos questionamentos das empresas estavam relacionados aos desafios socioambientais do projeto. O governo apresentou todas as iniciativas que está tomando para mitigar esses riscos.
Entre elas a de obter a licença ambiental antes de o contrato ter validade efetiva (ele poderá ser licitado e assinado antes, mas só valerá quando a licença sair) e o de repartir o risco das compensações ambientais (acima de determinado limite, os valores são assumidos pelo governo).
Segundo Caldeira, em novembro deste ano, a EPL (Empresa de Planejamento e Logística), estatal que assumiu os estudos, deve entrar com o pedido oficial de licença prévia no Ibama. De acordo com ele, dentro desse processo serão feitas as consultas aos povos tradicionais, algo que o governo se comprometeu a fazer.
No momento, os órgãos federais não estão permitindo as consultas a esses povos devido à Covid-19 e não há previsão para que isso ocorra.
Mesmo reconhecendo que o governo tem encaminhado soluções para os problemas, os participantes apontaram para o elevado risco de comunicação – visto que as empresas podem ter problemas de reputação por informações falsas ou erradas relativas à execução do projeto.
Também relataram possíveis riscos que possam levar a atrasos nas obras, como desapropriações em áreas que tenham conflitos de terra e grilagem. O projeto tem um prazo longo de implementação, quase 10 anos, o que para Thiago Caldeira reduz esse risco.
“Qualquer interrupção gera um custo gigante para o retorno num projeto greenfield. Por isso ele é desafiador”, disse Caldeira.
Riscos de demanda
O secretário do PPI afirmou que outros 40% de demandas dos interessados podem ser considerados relativos ao risco de demanda, principalmente sobre como o governo está tratando outros projetos ferroviários no Mato Grosso que podem levar parte da carga (grãos agrícolas).
Caldeira explicou que a modelagem da Ferrogrão foi feita com a projeção de que todas as ferrovias projetadas no estado serão concluídas. Mesmo nesse cenário, considerado pessimista, haveria demanda suficiente para sustentar o empreendimento.
Outra inovação apresentada para ajudar na viabilização financeira será a garantia de valor para o ativo regulatório. Segundo o secretário, haverá um valor estimado para cada etapa de 160 km de obra concluída que o empreendedor vai poder usar como garantia para financiamento mesmo em caso de não conclusão, o que reduz a exposição dos acionistas do projeto.
Os interessados da área financeira apresentavam demandas referentes à disposição dos acionistas em entrar com elevados valores de equity para o projeto. Já as empresas construtoras questionavam sobre qual a disposição dos financiadores para emprestar num projeto que gera caixa somente em longo prazo. Todos também queriam saber qual será o papel do BNDES.
“Tratamos esse projeto como um grande desafio do governo. Mas estamos vendo uma confiança grande na viabilidade financeira dele”, disse Caldeira.
Outras dúvidas, segundo Caldeira, foram dispersas em vários temas, entre eles a necessidade de se ter um cronograma confiável para a preparação das empresas para a disputa.
Roadshow com tradings
No relatório também constam informações sobre roadshow realizado com tradings e representantes do agronegócio em outubro do ano passado. Essas empresas também apontaram para a necessidade de uma boa comunicação no projeto para reduzir os riscos ambientais.
Elas declararam que têm confiança de que haverá carga para ser transportada pelo porto, lembrando os mais de R$ 7 bilhões de investimentos já realizados em terminais na região. Mas indicaram que não terão disponibilidade para contratos de take or pay (os mais comuns no setor ferroviário) superiores a dois anos, por problemas de “risco de exposição”.