Rafael Bitencourt, Geraldo Campos Jr. e Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA
Anunciada recentemente pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, a criação de uma secretaria específica para eletromobilidade está sendo planejada no MME (Ministério de Minas e Energia) com o objetivo de concentrar na pasta o debate sobre carros elétricos dentro do governo federal, informaram fontes à Agência iNFRA.
A avaliação é que o tema está fragmentado pela Esplanada, com partes sendo tocadas no MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), de Geraldo Alckmin, e no Ministério dos Transportes, de Renan Filho. No entanto, verificou-se que falta um planejamento de governo para o setor.
A iniciativa de Silveira surgiu após visita à fábrica da BYD, montadora chinesa de carros elétricos, instalada no interior da Bahia. O ministro teria concluído que deveria se apressar em puxar o tema para o MME, antes que ele ficasse mais disperso. No entanto, a nova Secretaria Nacional de Eletromobilidade ainda está sendo desenhada e não tem prazo para sair do papel, disseram interlocutores.
No Ministério de Minas e Energia, o foco deve ser primeiro no planejamento do sistema elétrico para atender a demanda crescente. Depois, a pasta irá avaliar políticas para desenvolver o setor. Esses são pleitos do setor de VEs (veículos elétricos), que também vê na nova secretaria a possibilidade de facilitar a interlocução sobre o tema com o governo. Trata-se de um segmento que vem crescendo vertiginosamente no Brasil, tanto em consumidores como em anúncios de investimentos.
Impacto na distribuição
Um desafio sobre o qual a nova secretaria do MME terá que se debruçar, segundo especialistas, é o impacto da demanda por novos pontos de recarga para veículos elétricos nas distribuidoras de energia, que precisam adequar suas redes.
Luiz Barroso, CEO da consultoria PSR e ex-presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), explica que o crescimento da frota vai exigir das distribuidoras mais do que ajustes pontuais na rede local. “A eletromobilidade vai mudar completamente a forma como o planejamento das redes é feito hoje. E vai demandar uma boa coordenação para que as estações de carregamento sejam instaladas em locais apropriados, de forma a otimizar o uso das redes de distribuição”, disse, à Agência iNFRA.
Técnicos consultados afirmam que, atualmente, os pontos de recarga individuais demandam poucos ajustes nas instalações internas do imóvel e da rede das concessionárias. Isso porque a potência dos equipamentos para carregamento a domicílio é comparada a de um chuveiro elétrico, mas com funcionamento contínuo ao longo das horas de recarga do carro.
Segundo eles, na maioria dos casos, a demanda pelo carregamento de veículos elétricos ainda não têm exigido grandes volumes de investimentos pelas distribuidoras. No entanto, pedidos maiores, como para instalação de várias estações de recarga em um condomínio, demandam a necessidade de reforços não-programados na rede.
Outro exemplo comum é na instalação de hubs de recarga rápida de uso compartilhado, seja em locais onde diferentes donos de veículos pagam pelo serviço, ou em ambientes que atendem à necessidade de uma frota específica. Nos dois casos, uma bateria com nível baixo de carga atinge 100% entre 15 a 30 minutos.
Essas estações profissionais exigem um investimento maior em equipamentos, o que geralmente inclui a inversão da corrente alternada (AC), recebida na rede da distribuidora, para contínua (DC), compatível com o padrão usado nas baterias. A depender do porte do projeto, é preciso migrar da modalidade de baixa para média tensão.
Ônibus em São Paulo
Em São Paulo, a chegada de uma nova frota de ônibus elétrico levou a distribuidora Enel SP a dar rápida resposta com reforços na rede. Questionada sobre o tempo de espera dos pedidos, que provocou um novo episódio de desgaste com o prefeito Ricardo Nunes, a concessionária informou que, em geral, novos hubs de recarga em garagens de ônibus no Estado precisam cumprir o prazo inicial de 30 a 45 dias nas etapas de análise do projeto e orçamento, além de mais 30 a 120 dias para a execução de obras, “podendo ser maior” a depender da complexidade dessas obras.
Segundo a Enel, os prazos e investimentos variam com o volume de energia exigido pelas novas estações de recarga, a distância da estação até a rede de distribuição e a eventual necessidade de reforços ou ampliações da infraestrutura de rede.
Em relação ao projeto da Prefeitura de São Paulo, a distribuidora informou que assumiu mais de 90% do investimento nas obras de eletrificação da rede, que totalizou R$ 10,4 milhões. “Apenas 8%, cerca de R$ 300 mil, ficaram a cargo das operadoras de ônibus, referentes a adequações específicas em cada garagem”, ressaltou.
Até o final deste ano, mais 16 garagens de ônibus já contratadas serão conectadas e atendidas por meio de reforços na rede da Enel SP, informou a companhia. Ao todo, 21 garagens foram conectadas. A distribuidora prevê a entrega da capacidade adicional de 46,6 MW (megawatts) aos operadores de ônibus elétricos.
Descompasso
O cofundador e presidente da GreenV, empresa especializada em sistemas de recarga para veículos, Junior Miranda, avalia que, embora o setor elétrico demore a responder ao crescimento da frota de carros elétricos, as montadoras e empresas especializadas em infraestrutura de recarga acompanham o ritmo do mercado com o aumento dos investimentos em tecnologia.
“A gente tem o nosso próprio aplicativo, temos também uma central de controle interno onde acompanhamos em tempo real o desempenho dos carregadores inteligentes. É como se tivéssemos um ‘operador nacional’ aqui à disposição da gente”, disse o executivo, comparando o seu sistema ao monitoramento de rede feito pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).
Crescimento
De acordo com a ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), em 2024, o Brasil bateu a marca inédita de 177.358 veículos elétricos leves emplacados ao longo do ano, com alta de 89% em relação a 2023. Entre janeiro e setembro de 2025, foram 147.602 as unidades comercializadas em todo o país, e o setor tem a expectativa de registrar um novo recorde de compras este ano.
Junior Miranda, da GreenV, prevê que, mesmo com a forte aceleração das vendas em 2024 e 2025, a fase de “crescimento exponencial” do mercado brasileiro será percebida em 2026 e, mais ainda, em 2027.
Segundo ele, estudos de mercado indicam que uma nova tecnologia é considerada como já adotada quando vence a barreira dos 5% de participação nas vendas. “No Brasil, hoje, os carros elétricos, com pelo menos um motor elétrico, chegaram a 8%, 9% das vendas no mês. Ou seja, o brasileiro já adotou o veículo elétrico, já entendeu que a tecnologia faz sentido”, explicou.








