Emenda em MP quer mudar lei para garantir relicitação antes do fim do cálculo idenizatório

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

Uma emenda de relator à Medida Provisória 1.089, que trata do programa Voo Simples, pretende alterar a Lei 13.448/2017, que trata da relicitação dos ativos que pedem a chamada devolução amigável dos contratos de rodovias e aeroportos.

A emenda consta do parecer emitido pelo deputado General Peternelli (União-SP) para a aprovação da medida provisória e foi feito a pedido do governo. A MP perde validade em 1º de junho. O parecer do relator pode ser visto neste link.

Pela proposta, são inseridos incisos ao artigo 15 da Lei 13.448/2017, que passam a permitir explicitamente que as relicitações sejam feitas antes do cálculo final das indenizações (também chamado de encontro de contas) ao concessionário que está deixando o ativo; e que o governo pode pagar com dinheiro do orçamento se o valor das outorgas do concessionário que entra não for suficiente para pagar a indenização ao concessionário que sai.

É a forma que o governo encontrou para tentar destravar o processo de relicitação dos ativos nessa modalidade de devolução, que mais de cinco anos após a lei aprovada ainda não teve nenhum processo concluído.

Após vários percalços desde a aprovação da lei, como uma demora de quase dois anos para a aprovação do decreto regulamentador, os processos de relicitação hoje estão travados porque há entendimento entre agentes do mercado e do TCU (Tribunal de Contas da União) de que a forma como o governo quer fazer a relicitação não é legal.

Para poder relicitar os bens, o governo dividiu os valores de indenização pelos bens não amortizados em dois tipos, controversos e incontroversos. Os valores incontroversos seriam pagos pelo concessionário que entra ao que sai, antes da troca. Já os controversos iriam para uma arbitragem e seriam pagos posteriormente à licitação, pelo governo, em caso de derrota.

Maneira viável
A visão do governo é que essa seria a única maneira viável de fazer as relicitações pois esperar todos os processos de arbitragem poderia levar muito mais tempo que o previsto para a relicitação, tirando o que seria a “essência” da lei, que é trocar o concessionário sem deteriorar o ativo concedido. O modelo tem apoio de parte das empresas.

Na visão de agentes do tribunal de contas e de outra parte do mercado, a lei não permitiria que fosse feito dessa forma, sendo claro no texto em vigor que o concessionário que sai deve ser totalmente indenizado, antes de sair. E, por esse motivo, o governo está tentando fazer a mudança legislativa.

Em resposta à Agência iNFRA, o deputado Peternelli confirmou a mudança, dizendo que a ideia é deixar o texto legal mais claro, dar mais segurança jurídica e celeridade ao processo. Segundo ele, “empresas aéreas, concessionários, aeroportos, ministérios, agências reguladoras, pilotos, aeronautas, dentre outros” foram ouvidos para se fazer o parecer.

Cerne do processo
O secretário nacional de Aviação Civil, Ronei Glanzmann, explicou em entrevista à Agência iNFRA que havia uma disposição do ministério em colocar no texto original da Medida Provisória 1.089 esse dispositivo. Mas o Ministério da Economia entendeu que era necessário mais discussões, pois há a possibilidade de dinheiro do orçamento ser usado.

Segundo ele, as discussões com a Economia foram pacificadas durante o processo de tramitação da MP e, por isso, o governo entendeu que era o momento para inserir o dispositivo no texto, por meio de emenda do relator.

“Essa discussão é o cerne do processo de relicitação. Se o caminho for esperar isso [cálculo das indenizações], vai matar o instituto. Se for para ser assim, é melhor fazer o processo de caducidade”, defendeu Glanzmann.

Os processos que hoje estão travados pela discussão da forma e momento de indenização são as relicitações dos aeroportos de São Gonçalo do Amarante (RN) e de Viracopos (SP). Segundo Glanzmann, calcular valores de indenização dos ativos é complexo, os números podem ser na casa dos bilhões de reais e os processos podem levar de cinco a 10 anos.

Além dessas duas concessões, o Aeroporto do Galeão (RJ) e outras cinco concessionárias de rodovias já pediram a devolução de seus ativos ao governo.

O secretário defendeu que a inclusão na lei dos novos dispositivos, se aprovados pelos parlamentares, ajudarão nos dois processos que já estão em análise pelo TCU, “soltando as travas” que hoje estão segurando o andamento.

Paralisação e retorno
Conforme a Agência iNFRA mostrou em agosto de 2021, no primeiro processo de relicitação que chegou ao órgão, o de São Gonçalo do Amarante, a secretaria de infraestrutura do órgão pediu ao relator, ministro Aroldo Cedraz, para paralisar o processo até que houvesse a conta das indenizações dos ativos, o que ele fez por uma cautelar.

Posteriormente, Cedraz permitiu a volta das análises, o que fez com que a secretaria concluísse o processo e encaminhasse ao gabinete do relator ainda em fevereiro. Mas, mais de um mês depois dessa etapa, o relator ainda não colocou o processo em julgamento pelo plenário.

Viracopos no TCU
O processo de relicitação de Viracopos, sobre o qual a proposta da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) foi enviada ao TCU em março, chegou a entrar na pauta de julgamento do tribunal da última quarta-feira (13), a pedido do relator, ministro Vital do Rêgo, mas foi retirado de pauta na noite de terça (12).

Segundo apurou a Agência iNFRA, o motivo de ter sido pautado ao plenário é o mesmo do de São Gonçalo do Amarante: a secretaria quer saber se pode ou não seguir com as análises sem o cálculo do pagamento das indenizações (também chamado de encontro de contas). Vital, no entanto, preferiu não tomar uma decisão monocrática e quis levar para a decisão colegiada.

No caso de Viracopos, a ANAC nem sequer admitiu o cálculo que foi apresentado pela concessionária para o valor dos ativos. Esse cálculo, depois de admitido, ainda precisa passar por auditoria externa e outras validações. A arbitragem de Viracopos ainda está em fase de apresentação de argumentos por parte da concessionária e das agências e dificilmente terminará neste ano.

Outro fato é que, como os processos já estão em andamento após o aceite das concessionárias dos termos da relicitação, não há segurança de que a mudança da lei possa solucionar o problema desses casos, sem a concordância dos concessionários.

Insegurança jurídica
O advogado Ricardo Fenelon, ex-diretor da ANAC e sócio da Fenelon Advogados, avalia que a atual situação das relicitações está causando insegurança jurídica. Para ele, o instituto precisa ser colocado em prática para evitar que seja uma “segunda” caducidade, falando em relação à demora no prazo.

Para Fenelon, a demora prejudica o aeroporto e seus usuários, que fica num “limbo” após a aprovação do processo de relicitação, sem poder receber investimentos até que o novo concessionário assuma.

“É preciso pensar que, se um processo desses durar cinco anos, vai ser de fato bom para o interesse público?”, questionou o advogado, que não acredita que sejam possíveis relicitações neste ano, especialmente as de Viracopos e do Galeão. 

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