Geraldo Andrade*
A análise do desafio brasileiro da água e do esgoto universalizados até 2033 estimula um olhar mais atencioso e regulatório sobre a estrutura de preços na concepção de qualquer projeto de universalização dos serviços. Com grande necessidade de investimentos em infraestrutura até 2033, aproximadamente R$ 510 bilhões, de acordo com a revisão mais recente do PlanSab (Plano Nacional de Saneamento Básico), e desigualdades socioeconômicas no acesso da população, a precificação dos serviços ganha preocupações legítimas.
O montante dimensionado por um projeto quanto à receita necessária para se prestar o serviço regular e universal só se materializa quando cobradoà população afetada por aquela infraestrutura, seja por meio de taxas, tarifas ou outros preços públicos. Entendimento alinhado ao conteúdo do artigo 29 da Lei 11.445/2007.
Mas como cobrar se a mesma população afetada se diferencia na sua interação com os serviços? Nem todo mundo reside próximo a uma adutora ou estação de tratamento de água. Nem todas as pessoas têm o mesmo padrão de consumo. Os utilizadores dos serviços possuem perfis de rendimentos e de capacidade de pagamento diversificados. Além disso, as atividades econômicas e as ações governamentais, bem como os padrões e os hábitos de uma sociedade passam por transformações continuadas ao longo do tempo.
Achados da literatura técnica têm analisado a problemáticae estudado as consequências sociais para auxiliar a tentativa de responder a essa pergunta, reforçando a natureza regulatória da questão. Uma resposta apropriada não é cabível em todas as situações, podendo variar conforme o caso concreto. Todavia, parece ser difícil iniciar uma solução sem o devido estudo assertivo e realístico quanto à caracterização contemporânea do público afetado pelos projetos e à sua interação com os serviços de água e esgoto.
É possível considerar que este tipo de análise não tem sido uma tendência nos recentes projetos regionalizados de universalização (Alagoas, Amapá e Rio de Janeiro) diligenciados no curso da atualização do Marco Regulatório do Saneamento, promovido com a edição da Lei 14.026/2020.
Os planos referenciais de negócio de boa parte dos projetos vêm mantendo como premissa as estruturas tarifárias vigentes, a despeito das disfunções destas tabelas e de uma consideração mais detalhada sobre os impactos de uma reconfiguração contratual. Rearranjo este, promovido em uma nova área de exploração dos serviços, abrangendo um contingente e um perfil populacional reconfigurado.
A precificação é reconhecidamente uma questão central destes projetos. Sua assertividade depende, entre outras questões, do conhecimento sobre o perfil de quem vai pagar pelos serviços ofertados em uma determinada área de exploração. A questão é complexa e demanda estudos iterativos, justificativas técnicas e regulatórias, disponíveis no momento da discussão de seu encaminhamento, de forma a evitar os riscos de experiências não exitosas já conhecidas na literatura destes projetos.