Amanda Pupo, da Agência iNFRA
O juiz federal Márcio Assad Guardia, da 6ª Vara Federal de Guarulhos, atendeu a um pedido do MPF (Ministério Público Federal) e determinou que a União e ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) não apliquem multa a motoristas que não pagarem pelo pedágio free flow instalado em Guarulhos, dentro na concessão da Rodovia Presidente Dutra.
O ativo é administrado pela Motiva (ex-CCR), que ainda não começou a cobrar a tarifa na região – embora, inicialmente, a concessionária previsse que o pedágio rodaria ainda no primeiro semestre do ano. Pela decisão, a evasão no local também não poderá ser considerada infração grave de trânsito – regra que implica na cobrança da multa e cinco pontos na carteira.
“Transparece à obviedade a inconstitucionalidade da segunda parte do art.209-A do CTB e a ilegalidade do art. 9º da Resolução Contran 1.013/2024 em razão da manifesta violação dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e proibição do excesso, bem como dos princípios da legalidade e moralidade administrativas […] A norma equipara uma conduta de trânsito em que o motorista burla o sistema de cobrança por meio de evasão de pedágio, que implica escapar deliberadamente de cobrança mediante subterfúgio em ação geradora de insegurança no trânsito a uma conduta que consiste em mera inadimplência de dívida em determinado prazo”, afirmou o magistrado. Veja aqui a decisão.
O processo movido pelo MPF se insere num contexto de preocupação das concessionárias sobre os questionamentos ao sistema do free flow, especialmente com medidas que suspendam multas e, portanto, enfraqueçam o enforcement do pagamento e a sustentabilidade financeira das concessões. Além do processo judicial no caso de Guarulhos, o free flow voltou a ser alvo de políticos mais intensamente, com o tema invadindo a arena eleitoral de 2026, como mostrou a Agência iNFRA.
Na decisão assinada nesta quarta-feira (22), o juiz federal que atendeu ao pedido do MPF inclusive cita que tanto a ANTT quanto a União argumentaram no processo que a aplicação de penalidade por inadimplência é indispensável para o funcionamento do free flow, por funcionar como um enforcement para o pagamento pelo usuário. A agência também alertou que a não aplicação da multa criaria uma insegurança regulatória.
“A União alega que a implementação do Free Flow em Guarulhos será gradual, transparente e pedagógica, com fases de adaptação, incluindo a Fase 1 (educativa – até 2 meses) sem cobrança e a Fase 2 (cobrança de tarifa fixa programada – 6 meses) sem aplicação de multas”, citou o magistrado.
Já a ANTT ainda defendeu que a cobrança instituída no contrato da Rio-SP é tarifa de pedágio e que o inadimplemento da TPE (Tarifa das Pistas Expressas) caracteriza evasão de pedágio para fins de aplicação da multa prevista no CTB (Código de Trânsito Brasileiro).
Para o magistrado, contudo, a penalidade prevista seria excessiva para sancionar quem não paga o pedágio no modelo do free flow, que não conta com uma cancela física. Em sua avaliação, a previsão tipifica como infração de trânsito um comportamento humano que “sequer consiste em uma conduta de trânsito, haja vista que corresponde a um comportamento consistente em mero inadimplemento, que em nada se vincula com a segurança do trânsito, em manifesto desvio de finalidade do caráter sancionatório pertinente”.
Atualmente, a aplicação de penalidade por não pagamento da tarifa é prevista na Resolução Contran 1.103/2024, que regulamenta parte do CTB – legislação atualizada em 2021 para prever o pedágio por free flow.
A preocupação das concessionárias sobre propostas que suspendem a aplicação de multas gira em torno do incentivo de inadimplência que é gerado com a medida. Na África do Sul, por exemplo, a suspensão de multas levou a uma queda drástica da adimplência (de entre 70% e 80% para 20%).
O tema das multas virou objeto de um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados no fim do ano passado, agora sob relatoria do senador Marcos Rogério (PL-RO), que é presidente da CI (Comissão de Infraestrutura). Como já mostrou Agência iNFRA, embora tenha preocupado o setor, por prever a suspensão por doze meses das multas aplicadas em rodovias com free flow, a proposta tem potencial de ser uma via de pacificação do tema dentro do Congresso.
Como a expectativa é de que a centralização na CDT (Carteira Digital de Trânsito) resolva grande parte das reclamações, Marcos Rogério estaria disposto a retirar a suspensão das multas do texto se o governo apresentar uma proposta que enderece o passivo do que foi gerado até agora.
Dentro do setor e entre os gestores, o free flow é defendido por ser uma evolução do modelo das praças de pedágio, dando mais agilidade para a via e fazendo com que o usuário pague pelo que efetivamente percorreu. As praças de pedágio já são consideradas defasadas e menos justas na cobrança da tarifa. A reportagem procurou a ANTT sobre a decisão judicial, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
*Reportagem atualizada às 7h30 de sexta-feira (24) com informações adicionais.








