Paola Caroline Canto Lenz*
No panorama atual, em que as reflexões globais sobre integridade e transparência se fazem cada vez mais presentes, além da crescente atuação do Ministério Público junto ao poder judiciário, a prestação dos serviços públicos deve corresponder com os interesses da população.
Toda atividade exercida pelo Estado é em prol do bem comum, daí sua importância e relevância na vida de todos. A administração pública deve ser exercida da forma mais eficiente possível, ou seja, no sentido de atentar-se precipuamente com a satisfatoriedade do resultado de seus atos. Fator que tem maior destaque nas contratações públicas, uma vez que delas emanam todo o processo de identificação da necessidade pública e seu resultado final, através do melhor custo-benefício possível para a administração e seus destinatários.
Diante deste contexto, destaca-se a relevância da efetiva aplicação de programas de compliance e integridade nos ajustes contratuais, os quais passaram a despertar maior interesse a partir da Lei Anticorrupção (Lei 12.864/2013).
Para Bertocelli (2018)[1], compliance significa agir de acordo com a Lei, uma instrução interna, um comando ou uma conduta ética, ou seja, estar em conformidade com as regras internas da empresa.
Contudo, a definição deste instituto vai muito além do seu significado, há uma pluralidade de definições no termo, o compliance integra procedimentos de controle de riscos e preservação de valores intangíveis que deve ser coerente com a relação contratual.
Quanto aos contratos de concessão de infraestrutura, a relação entre o poder concedente e a concessionária requer atenção especial, uma vez que esta é pautada por uma série de direitos e obrigações estritamente delineadas no instrumento contratual, além de ser um setor vital da economia, considerando que os investimentos em infraestrutura pressupõem grandes aportes financeiros. Contratos de concessão de infraestrutura são mais complexos, demandando mais recursos altamente especializados e atenção do governo.
Logo, é imprescindível que haja um ambiente regulatório que transpareça estabilidade e segurança jurídica não só para as empresas concessionárias, como também, garanta um adequado serviço ao usuário.
Diante do contexto, decorre a necessidade de se mitigar riscos, almejando alçar o tripé objetivo-transcurso-resultado de forma eficiente e dentro dos parâmetros legais, através da adoção de práticas que previnam a ocorrência de ilícitos, a nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) corrobora com esse entendimento. O compliance funciona como uma área de controle transparente das condutas, que devem abarcar mecanismos eficientes de gestão, tais como:
- Estruturação de riscos prévia, envolvendo equipe multidisciplinar e transversal, de forma a pontuar o maior número possível de variáveis para cada situação disposta em contrato;
- Ter uma equipe multidisciplinar técnica-operacional jurídica/econômica/de engenharia responsável pela discussão de situações complexas ou alheias ao disposto contratualmente, ao longo de toda duração do contrato de concessão;
- Definição de escopo claro, com cronograma físico-financeiro maximamente delineado, mapeando compromissos orçamentários excessivos (positivo ou negativo) que ameaçariam a sustentabilidade dos projetos;
- Definição de uma matriz de riscos explícita desde o início da contratação, assim como canais adequados de mitigação, evitando litígios dispendiosos causados pela falta de clareza na alocação de riscos;
- Apoio direto da alta diretoria, tanto da empresa concessionária, quanto das autoridades estatais;
- Adoção de mecanismos de confiabilidade de registros contábeis, relatórios financeiros, relatórios mensais de atividades da concessionária;
- Fiscalização contínua pelo poder concedente;
- Monitoramento de desempenho pelo poder concedente, em termos de qualidade e confiabilidade dos serviços prestados pela concessionária;
- Realização de diligências para contratação e supervisão de terceiros;
- Abordagem fluente e clara, sempre de forma oficial, com documentos registrados, nas tratativas entre poder concedente e concessionária;
- Alteração do contrato de concessão somente através da celebração de termos aditivos bilaterais, com todo o trâmite processual oficialmente documentado;
- Padronização em processos e documentos, garantindo segurança jurídica e transparência para ambas as partes.
Conforme cita Gonze (2014)[2] pela característica de longo prazo, os contratos de concessão extrapolam os ciclos políticos de governo, compreendendo várias administrações e até mesmo possíveis alternâncias de diferentes grupos sociopolíticos, assim, o governo promotor do certame licitatório deve proteger e maximizar os potenciais benefícios do contrato de concessão e mitigar seus potenciais riscos e obstáculos.
Neste sentido, continua o autor, um contrato de concessão de infraestrutura deverá ser abrangente o bastante para abarcar os avanços tecnológicos e as mudanças sociais e, ao mesmo tempo, ter a especificidade necessária para assegurar que os objetivos propostos possam ser atingidos, materializando-se nas condições idealizadas por seus promotores.
O engajamento de vários órgãos de governo é fundamental para que o tema dos investimentos privados em infraestrutura pública de forma planejada, coesa e transparente possa estar internalizado por toda estrutura do poder Executivo.
O que se observa, dentro deste contexto, é que o controle não deveria ser somente o burocrático e de legalidade, ou seja, a simples aplicação cega das normas, mas o foco principal deveria ser a sociedade e o interesse público, o que se faz através da implementação de mecanismos eficientes de gestão que, somados, integram os programas de compliance.
Os contratos de concessão devem ser bem estruturados, adequados e geridos de forma proativa durante todo o prazo contratual, de forma a enfrentar riscos de maneira flexível, porém previsível. Por mais antagônico que muitas vezes pareça ser um contrato administrativo, a postura do poder concedente e do parceiro privado devem pautar-se na transparência e legalidade de seus atos. É muito importante que existam bons mecanismos de supervisão e monitoramento, que cuidem o cumprimento das obrigações, mas, é importante, também, que exista flexibilidade entre as partes e que a atitude da administração não seja apenas de controle de um contrato, mas, sim, uma verdadeira participação no projeto, para que, conjuntamente, possam alcançar os objetivos almejados. Dessa forma, todos tendem a ganhar, evitando litígios futuros e demandas judiciais infindáveis, contribuindo na construção de um ambiente negocial frutífero.
[1] BERTOCELLI, Rodrigo de Pinho. Compliance. In: CARVALHO, André Castro et al. (Coord.). Manual de Compliance. Rio de Janeiro: Editoria Forense, 2018.
[2] GONZE, Nilson Corrêa. Concessão em rodovias federais: uma análise da evolução dos modelos de regulação técnica. Rio de Janeiro. UFRJ/COPPE, 2014.