iNFRADebate: Efetividade do instituto da reabilitação da pessoa jurídica e a exigência de reparação dos danos causados ao erário

Luciano Barros*, Paulo Eduardo Almeida** e Gabriel Brito***

Os diferentes veículos de informação repercutiram a decisão proferida pelo ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), no âmbito da Rcl. 43.007, na qual se declarou a imprestabilidade das provas obtidas a partir do acordo de leniência celebrado pela Odebrecht e dos conteúdos obtidos dos sistemas Drousys e My Web Day B, em qualquer âmbito ou grau de jurisdição do país.

Em consequência, o MP-TCU (Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União) apresentou representação em que destaca o instituto da reabilitação, para que se identifique os processos que resultaram na aplicação da declaração de inidoneidade às pessoas jurídicas sancionadas a partir da Operação Lava Jato. Em resposta, o presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, ressaltou que a corte está realizando um levantamento dos processos que podem ter sido impactados com a utilização das provas consideradas imprestáveis.

Na mesma senda, a CGU (Controladoria-Geral da União) publicou uma nota em que destaca a decisão do STF e informa que há análise em curso a fim de identificar eventual repercussão nos processos de responsabilização que tramitam no órgão.

Apesar da discussão acerca da anulabilidade das decisões administrativas e judiciais, fato é que, ainda que haja dúvidas sobre as provas utilizadas para sancionar agentes públicos e privados, não se mostra exequível a revisão de todos os atos de controle proferidos nos últimos anos relacionados à Operação Lava Jato.

Assim, sobrevém a indispensabilidade de institutos pautados na colaboração entre o setor privado e o poder público, tais como o pedido de julgamento antecipado, o acordo de leniência e, em especial, o instituto da reabilitação – que pode assumir extrema relevância no resgate do equilíbrio entre controle e bons incentivos para o desempenho das funções públicas e das atividades empresariais.

A respeito da reabilitação, registra-se que tal instituto permite aos agentes sancionados o reingresso no ambiente de negócios públicos desde o advento da Lei 8.666/1993, tendo sido tal hipótese reforçada na Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações).

Com efeito, o artigo 87, IV e §3º, da Lei 8.666/1993, já previa a possibilidade de reabilitação de pessoa jurídica declarada inidônea, após o transcurso de dois anos e o ressarcimento integral do dano causado ao erário.

A Lei 14.133/2021 inaugura outros requisitos ao prever, no artigo 163: (i) o decurso do prazo de três anos da declaração; (ii) a reparação integral do dano; (iii) o pagamento da multa; (iv) o cumprimento das condições estabelecidas no ato punitivo; e (v) a análise jurídica prévia atestando o cumprimento de tais requisitos.

Tais requisitos estão reproduzidos – parcialmente – nas Portarias 1.214/2020 e 54/2023, editadas pela CGU, cujo intuito era justamente regulamentar a reabilitação do licitante declarado inidôneo ainda na égide da Lei 8.666/1993.

O primeiro requisito que desafia comentário diz respeito à comprovação do transcurso do prazo sem licitar ou contratar com a administração pública.

No âmbito da Lei 8.666/1993, a controvérsia jurídica envolvia a ausência de prazo máximo para manutenção da penalidade, o que deflagra afronta ao princípio da não perpetuação de pena (art. 5º, XLVII, alínea “b”, da CF – Constituição Federal).

Contudo, a par da deficiência na legislação, a CGU, neste ano, adotou novo entendimento consubstanciado no fato de que a penalidade deve ser extinta após seis anos – mantendo a obrigação de ressarcimento pelos eventuais danos causados ao erário.

Quanto ao segundo e ao terceiro requisitos exigidos do agente inidôneo – pagamento da multa e o cumprimento das demais condições de reabilitação definidas no ato punitivo –, denota-se preocupação quanto à necessidade de se preservar o livre exercício da atividade econômica.

Além disso, a Lei 14.133/2021 dispõe que, em algumas espécies de infração, tal como a prática de ato típico da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) há a exigência de mais um requisito: a adoção ou o aperfeiçoamento de um programa de integridade.

No Brasil, quando se fala de programa de integridade, associa-se ao conjunto de mecanismos que tem o foco na prevenção de fraudes, desvios e atos lesivos ao ente público[1].

Tal programa, além de representar o desenvolvimento de uma cultura de integridade em licitações e contratações públicas, reforça a sensação de “proteção” do ente público, por evidenciar que o agente, até então, inidôneo, superou os motivos que levaram à sua punição.

Por último, entre todos os requisitos o que parece ser mais desafiador trata de questão atinente à reparação integral dos danos ao erário, tendo em vista que eventual exigência antecipada de reparação de danos tende a colocar em risco a própria eficácia do instituto.  

Seja na Lei 8.666/1993 ou na Lei 14.133/2021, a demonstração do ressarcimento dos prejuízos causados ao erário é o elemento que norteia a concessão da reabilitação, pois, diz respeito ao resultado da conduta praticada pelo administrado que levou à inidoneidade.

Como exemplo, em se tratando de atos de corrupção que se apoiam em uma estrutura organizada e complexa, como os casos descortinados pela Lava Jato, são diversos os desafios e as barreiras relacionadas à caracterização e à quantificação dos danos ao erário.

E, naquilo que interessa ao presente artigo, até o presente momento, a CGU tem interpretado restritivamente os requisitos, como sendo exigível o ressarcimento integral dos prejuízos causados ao erário antes da conclusão dos processos em que se buscam a responsabilização e a quantificação de tais danos.

Interessante pontuar que, em linha com o entendimento da Instrução Normativa CGU 2/2018, que dispõe sobre a metodologia de cálculo no acordo de leniência da Lei Anticorrupção, a CGU manifestou que o agente apenado deveria, ao menos, comprovar o ressarcimento do dano conhecido ou incontroverso.

Em situações mais complexas, o entendimento atual da CGU resulta em uma importante reflexão: e se as autoridades administrativas não quantificarem os danos eventualmente causados no prazo de três anos? E se não puderem apontar sequer os danos incontroversos?

E, iniciada a reflexão acima, surge outro questionamento: quais os efeitos da morosidade administrativa para um agente que foi sancionado e não pode licitar ou contratar com todas as esferas da administração?

Não há respostas simples, porém algo que parece seguro diz respeito ao fato de que a extensão dos trâmites processuais, na visão que tem prevalecido nos órgãos de controle, em verdade, tende a representar a própria perpetuidade da sanção de inidoneidade.

Tal situação desafia censura a partir da caracterização de diferentes hipóteses de vulneração à CF (Constituição Federal) decorrentes do impedimento à reabilitação do agente inidôneo em razão da não concretização da expectativa da celeridade na atuação dos órgãos de controle.

Sob o tema, o ministro Gilmar Mendes, no bojo do RMS 33.526, afirmou: “passados os dois anos previstos no inciso III, do artigo 87 da Lei nº 8666/93, ainda que existam obrigações não cumpridas pela apenada, a pena não pode ser perpétua”.

Em complemento, a CGU, no Processo 00190.110259/2021-19 – relativo ao cumprimento da sanção de inidoneidade –, dispôs que a ausência de ressarcimento ao erário “não pode fundamentar a dilação da pena de inidoneidade ao infinito”.

Com efeito,  salvo a hipótese de danos incontroversos e exigíveis, as reflexões apresentadas evidenciam que a pessoa jurídica declarada inidônea pela CGU pode perfeitamente ser reabilitada ao cumprir os demais requisitos, sem, contudo, reparar antecipadamente todo e qualquer dano tido por conhecido no momento do pedido de reabilitação, visto que o próprio ordenamento jurídico dispõe de outros elementos que trazem segurança na avaliação de que o agente superou as condutas que ensejaram a sanção, incluindo o programa de integridade. Dessa forma, na medida em que a pessoa jurídica se reabilite, a administração garantirá o ressarcimento dos danos posteriormente identificados, uma vez que, em muitos casos, a contratação pública se mostra o único meio de retomada das atividades do agente inidôneo e, com isso, do seu potencial de recomposição de danos que tenham sido por ele causados.


[1] Cf. ZIMMER JÚNIOR; Aloísio; NOHARA, Irene Patrícia Diom. Compliance Anticorrupção e das Contratações Públicas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. 315-316.

*Luciano Barros é sócio do Figueiredo e Velloso Advogados.
**Paulo Eduardo Almeida é advogado associado sênior do Figueiredo e Velloso Advogados.
***Gabriel Brito é advogado associado do Figueiredo e Velloso Advogados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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