Marina Zago*, Izabel Dompieri de Assis**, Paula Pannunzio***, Thiago Ferreira****, Camila Cesar dos Santos*****, David Polessi****** e Alessandro Ranulfo Lima Nery*******
O edital de licitação da concessão patrocinada do Lote Rodoanel Norte foi publicado pela Artesp (Agência de Transportes do Estado de São Paulo) em janeiro de 2022, com leilão marcado para o fim de abril. No entanto, o cenário macroeconômico adverso se intensificou, resultando na suspensão do leilão, assim como ocorreu em outros projetos no Brasil e no mundo[1]. Sendo o Rodoanel Norte um ativo desafiador pelo seu histórico e a ampla competição um objetivo presente nos leilões paulistas, foi preciso repensar as soluções diante da mudança de cenário.
Diante disso, foram realizadas novas rodadas de sondagem de mercado para entender o que poderia ser aprimorado, de modo a conceder a segurança necessária ao investidor e tornar o projeto mais atrativo. A estruturação do Rodoanel Norte, com apoio técnico da IFC (International Finance Corporation), sempre foi pautada na compreensão de que se trata de um projeto de Estado, com alto impacto logístico e benefícios para o meio-ambiente. Deste modo, seu sucesso é de suma importância para a sociedade paulista e para o correto reordenamento do tráfego da região metropolitana de São Paulo.
Sendo assim, além da manutenção das inovações já inicialmente previstas (como o free flow, o pagamento à concessionária por disponibilidade da infraestrutura e a utilização do IRap mesmo num projeto greenfield), novas soluções foram propostas com a intenção de enfrentar os principais problemas identificados, como alta do preço dos insumos e custo de capital, riscos relacionados à conclusão das obras, delonga dos processos de aprovações e aumento do fardo regulatório.
Novas regras para o período de pré-construção: segurança para quantificar e precificar as obras paradas
É sabido que um dos maiores desafios do Rodoanel Norte é a assunção, por terceiros, de obras paralisadas e em constante deterioração por conta das ações do tempo. A fim de mitigar riscos, foi previsto um período de pré-construção, no qual a concessionária deve realizar levantamentos e ensaios para definir eventuais desequilíbrios.
No edital publicado em janeiro, um relator independente deveria conduzir uma vistoria no ativo e apresentar relatório comparando a situação atual da obra com as informações disponibilizadas na documentação licitatória. Eventual diferença identificada seria precificada e reequilibrada em favor da concessionária. Além disso, deveriam ser realizadas vistorias temáticas, que também seriam objeto de relatórios, sobre temas específicos como ocupações na faixa de domínio.
A fim de evitar discussões que poderiam se alongar e aumentar o fardo regulatório da Artesp, optou-se por simplificar o processo. Uma vez no controle do ativo, a concessionária deverá realizar um novo projeto executivo certificado, a ser precificado com base nas tabelas de preços públicos vigentes. Será feita uma comparação entre os valores indicados no novo projeto executivo e os valores previstos nos estudos, na mesma base, sendo eventual diferença reequilibrada, de forma líquida, pelo Poder Concedente. Com isso, confere-se celeridade para a solução das eventuais discussões relacionadas às obras paralisadas, possibilitando o início tempestivo das obras.
Considerando o novo cenário, qualquer parte poderá solicitar a extinção antecipada do contrato, caso o valor a ser reequilibrado seja superior a montante indicado no contrato ou na hipótese em que haja atraso superior a 180 dias para a assinatura do documento que marca o fim da fase pré-construção e o início das obras.
Vale dizer que foi mantida a previsão de uma comissão de transição, composta por membros a serem indicados pelas partes, cuja função é acompanhar a fase de pré-construção e emitir conclusões vinculantes em caso de divergência.
Maior celeridade no procedimento de liberação do aporte público
O processo de liberação das parcelas de aporte também foi objeto de aperfeiçoamentos, a fim de promover mais celeridade e segurança às partes.
Foi incluída a figura de um terceiro independente, que deverá atestar o cumprimento dos marcos de obra pela concessionária e notificar o Poder Concedente para realizar o respectivo pagamento da parcela do aporte.
O Poder Concedente, por sua vez, deverá emitir comando ao banco depositário dos recursos do aporte (que já estarão depositados numa conta vinculada ao projeto) para que este realize a transferência. Caso o Poder Concedente não emita referida notificação em prazo estipulado, a concessionária poderá fazê-lo diretamente.
Em paralelo, a Artesp permanece obrigada a fiscalizar o andamento das obras e atestar o cumprimento dos eventos de desembolso, sendo que, caso haja discordância em relação às conclusões do terceiro, a decisão da agência deve prevalecer, podendo haver compensação no pagamento da parcela de aporte subsequente.
Entende-se que o mecanismo proposto protege a concessionária de eventuais morosidades, seja da Agência, seja do Poder Concedente, ao mesmo tempo em que garante o exercício da função fiscalizatória pelo órgão regulador e possibilita a realização de ajustes no valor pago à concessionária.
Tratamento do vício oculto como hipótese expressa de revisão extraordinária
O vício oculto é um dos riscos mais relevantes na estruturação deste projeto, por envolver a assunção por terceiros de obras paralisadas e pelo fato de envolverem grandes extensões de túneis, pontes e viadutos. Dessa forma, foi previsto no contrato que discussões sobre vício oculto resultarão na abertura automática de revisões extraordinárias, para que haja mais agilidade na resolução destes eventos. Ressalte-se que o vício oculto poderá ser alegado a qualquer momento pela concessionária, durante a execução contratual.
Alta extraordinária dos insumos e do custo de capital
Para enfrentar o aumento extraordinário dos insumos e custo de capital, foram tomadas três medidas: (i) revisão da data base dos estudos; (ii) revisão da TIR do projeto; e (iii) previsão de mecanismo de compartilhamento de riscos de variação extraordinária no preço de insumos.
Em relação à data base, houve atualização de setembro de 2021 para março de 2022, com vistas a tornar o projeto mais aderente à realidade mais imediata de custos dos serviços e insumos do setor da construção civil, sendo observado o descolamento destes valores frente ao IPCA.
A TIR do projeto também sofreu alterações, de 8,93% para 9,99%, refletindo o aumento do custo de capital e os riscos envolvidos no projeto.
Por fim, foi estruturado mecanismo de compartilhamento de riscos de variação extraordinária no preço dos insumos associados às obras de conclusão da infraestrutura. Pelo mecanismo, o Estado compensará a Concessionária, mediante evento de desequilíbrio a ser pago em conjunto com os marcos de aporte, caso a variação na cesta de índices representativa do investimento para a finalização da obra exceda o IPCA. A compensação prevista no mecanismo é simétrica, opcional, e poderá ser acionado pela concessionária antes do início da obra, o que não afasta o reajuste anual do aporte pelo IPCA.
Como visto pelos exemplos acima, a republicação do edital do Rodoanel Norte visou a manter as inovações promovidas na versão publicada em janeiro, adicionando mecanismos mitigadores dos riscos envolvidos no projeto, a fim de promover mais atratividade, segurança para o investimento, além de competição. Há confiança de que a versão republicada conseguiu, de forma simples e direta, endereçar as preocupações que circundam este ativo e que será possível realizar um leilão bem sucedido.
[1] Por exemplo, no Chile e na Austrália, conforme https://www.ijglobal.com/articles/163717/more-delays-for-chilean-ppps?utm_campaign=Daily%20Newsletter_2022-04-22&utm_source=Daily%20Newsletter&utm_medium=email+editorial&utm_term=More%20delays%20for%20Chilean%20PPPs&utm_content=Editorial e https://www.smh.com.au/national/nsw/nsw-government-set-to-delay-mega-projects-amid-covid-19-pressures-20220327-p5a8bq.html.
*Marina Zago é Secretária Executiva de Parcerias do Estado de São Paulo. Tem doutorado em Direito do Estado pela USP e mestrado em Gestão e Políticas Públicas pela EAESP/FGV.
**Izabel Dompieri de Assis é Coordenadora de Estruturação de Projetos da Subsecretaria de Parcerias do Estado de São Paulo, com LLM na Queen Mary University of London e pós-graduação em Direito Administrativo pela FGV-SP.
***Paula Pannunzio é Coordenadora de Gestão de Parcerias da Subsecretaria de Parcerias do Estado de São Paulo, administradora pela PUC-SP.
****Thiago Ferreira é assessor econômico-financeiro da Subsecretaria de Parcerias do Estado de São Paulo, engenheiro civil com especialização em Planejamento e Infraestrutura de Transportes pela USP. Tem MBA em Engenharia Financeira pela USP.
*****Camila Cesar dos Santos é assessora da Subsecretaria de Parcerias do Estado de São Paulo, formada em Administração de Empresas.
******David Polessi é assessor econômico-financeiro da Subsecretaria de Parcerias do Estado de São Paulo, economista pela FEA-USP, contador pela FIPECAFI com especialização em gestão pública pela EACH-USP.
*******Alessandro Ranulfo Lima Nery é assessor na Subsecretaria de Parcerias. Graduado em Administração Pública pela EAESP/FGV e doutor em ciências pelo Instituto de Química da Unicamp.