Marcos Ganut, Rafael Marchi, Gabriela Azeredo, Bruno Fontenele e Stefania Correa*
Introdução sobre o mercado de concessões rodoviárias
No Brasil, a malha rodoviária é a principal modalidade de transportes, sendo responsável por 61% dos transportes de carga e 95% dos transportes de passageiros, de acordo com o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Atualmente, as rodovias brasileiras possuem cerca de 1,7 milhão de quilômetros de extensão, sendo 94,7% de rodovias estaduais e municipais, e 5,3% de rodovias federais, contudo apenas 13% desse montante é pavimentado, ou seja, cerca de 220 mil quilômetros.
Visto o baixo número de rodovias pavimentadas e a qualidade da malha rodoviária brasileira, segundo a Confederação Nacional do Transporte e o SEST SENAT (Serviço Social do Transporte, Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte) ocupou em 2019 a 116ª posição no ranking mundial, ficando atrás de diversos países sul-americanos. Nesse contexto, as concessões rodoviárias para as iniciativas privadas têm auxiliado na expansão da malha pavimentada brasileira, assim como na melhoria do nível de serviço das rodovias.
Atualmente, de acordo com dados do DNIT, as rodovias privadas em concessão representam apenas cerca de 1,3% da malha rodoviária total, representando 22,4 mil quilômetros de extensão. Esses dados sinalizam a grande demanda e oportunidade que reside no setor de concessões.
De onde surgiu e como funciona o sistema de concessão?
Em 1993, iniciou-se o Programa de Concessões de Rodovias Federais, criado pela Portaria Ministerial nº 10/93, posteriormente modificada pelas portarias 246/94, 824/94 e 214/95. A primeira etapa do programa teve início em 1995, quando foram concedidos à iniciativa privada quatro trechos de rodovias federais e a Ponte Rio-Niterói, com 856,6 quilômetros de extensão.
Desde o início do Programa de Concessões de Rodovias, o principal objetivo do programa foi a redução dos custos públicos e a diminuição do papel do Estado provedor. Ao longo desta jornada, foram criadas legislações de regulamentação que promovessem a transparência e consolidassem o embasamento jurídico necessário para a implantação do programa. Com a promulgação da Lei no 10.233, de 5 de junho de 2001, foram criados a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), e foi extinto o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem). Nesse contexto, o papel da regulação do setor de transportes terrestres, incluindo a regulação dos contratos das rodovias federais concedidas, passou a ser exercido pela ANTT.
O sistema de concessão por meio de licitação é uma transferência de um serviço público à iniciativa privada por prazo determinado, no caso das rodovias a validade é de 20 a 30 anos. A escolha de uma concessão é decidida por meio de um leilão, que é precedido de várias etapas até que seja tomada a decisão acerca de qual empresa será responsável pelo trecho e a quantidade de pedágios que aquela região terá com seus respectivos valores definidos.
O mercado de concessões do Brasil atraiu ao longo do tempo diversos tipos de players, como empresas de grupos de capital aberto e fechado, empresas individuais ou consórcios e fundos de infraestrutura e participação. Segundo a ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), atualmente existem 59 concessões vigentes, conforme detalhado no gráfico abaixo:
No decorrer dos 20 anos do Programa de Concessões Rodoviárias, muito se foi feito no que tange ao aperfeiçoamento dos modelos atuais de editais de concessões, onde lições aprendidas foram utilizadas pelas equipes técnicas dos governos de estado para propor melhorias e novas soluções.
Dentre estas soluções, temos o Decreto nº 10.306, de 2 de abril de 2020, que determina que o Building Information Modeling (BIM ou Modelagem da Informação da Construção) deve ser usado na execução direta ou indireta de obras e serviços de engenharia de obras públicas federais, incluindo rodovias.
O Decreto Nº 10.306, de 2 de abril de 2020 – BIM
Em 2 de abril de 2020, o governo estabeleceu, no Decreto nº 10.306, a utilização do BIM (Building Information Modeling) na execução direta ou indireta de obras e serviços de engenharia realizada pelos órgãos e entidades da administração pública federal, no âmbito da Estratégia Nacional de Disseminação do Building Information Modeling- Estratégia BIMBR, que foi instituída pelo Decreto nº 9.983, de 22 de agosto de 2019.
De acordo com o decreto, a implementação ocorrerá gradualmente, onde o início da primeira fase se deu em 1º de janeiro de 2021. O BIM será utilizado no desenvolvimento de projetos de arquitetura e engenharia para novas construções, ampliações ou reabilitações, quando estes forem de grande importância e relevância para a disseminação da modelagem da informação da construção. Além disso, o BIM será aplicado na elaboração de modelos e na revisão e compatibilização dos modelos de arquitetura e engenharia, geração de documentos e extração de quantitativos. Estas ações de disseminação estão vinculadas ao Ministério da Defesa, Casa Civil, Ministério da Economia, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Ministério da Infraestrutura, Secretaria Nacional de Aviação Civil e o DNIT (Departamento Nacional de Infraestruturas e Transportes).
Inicialmente foram criados cinco grupos de trabalho sendo eles: Grupo de Regulamentação e Normalização, Grupo de Infraestrutura Tecnológica, Grupo Plataforma BIM, Grupo Compras Governamentais e Grupo Capacitação de Recursos Humanos. Em um segundo momento, foi criado o Grupo de Comunicação. Essa estratégia possui níveis gradativos de exigência do BIM no âmbito do Governo Federal, com três marcos principais estabelecidos para 2021, 2024 e 2028, sendo o primeiro projeto piloto o Proarte (Programa de Manutenção e Reabilitação de Estruturas). De acordo com o DNIT, apresentada na figura abaixo, a expectativa é de que em 2021 ocorra uma redução de 9,7% dos custos de execução de serviços na construção civil. A projeção para o ano de 2024 é que a utilização do BIM seja aumentada em 10 vezes e em 2028 a expectativa é que o PIB da construção civil seja elevado em 28,9% com a utilização e aplicação da metodologia BIM.
Embora o compromisso inicial do DNIT seja apenas para o programa Proarte, esse é o primeiro passo para viabilizar e disseminar a capacitação e aprendizado da organização com relação à utilização do BIM. O plano de implantação possui outros objetivos a longo prazo, mas priorizará a realização de ações que possibilitem o atingimento de resultados rápidos, com ganho nas áreas de comunicação, capacitação e engajamento das partes envolvidas.
O que é BIM e suas principais aplicações em projetos de infraestrutura
Building Information Modeling, mais conhecido como BIM, é um conjunto de processos e tecnologias, que permitem a projeção, planejamento, construção e acompanhamento de uma edificação ou instalação, atuando de forma colaborativa com o envolvimento de várias partes interessadas. É um processo integrado que cria, utiliza e atualiza um modelo digital de construção, que é utilizado por todos os participantes do empreendimento e durante todo o ciclo de vida da construção e manutenção.
O BIM é uma plataforma de tecnologia da informação aplicada à Construção Civil, que é materializada em softwares a partir da modelagem dos dados do projeto e especificação de uma edificação ou instalação. Neste sentido, em relação aos processos atuais de desenvolvimento de projeto que são baseados apenas em documentos, é possível realizar de forma eficaz através de um modelo virtual em três dimensões (3D), projetando com o apoio de um software toda a construção do empreendimento antes do início das atividades, mitigando possíveis erros de quantificação e organização de insumos, permitindo amplo controle do orçamento e planejamento do projeto.
Vale ressaltar que o BIM se baseia em uma modelagem 3D, porém, nem tudo que é 3D é BIM, visto que as soluções que possibilitam apenas a visualização gráfica do projeto em 3D, sem considerar todas as informações do projeto, não podem ser consideradas como soluções BIM, pois estas modelagens não permitem, a exemplo (i) a extração automática de quantitativos de projeto; (ii) atualizações automáticas da modelagem; (iii) a elaboração de simulações; (iv) elaboração de cronograma automático; e (v) análises de orçamento do projeto. Neste contexto, o BIM não é apenas uma modelagem em três dimensões, é um banco de dados que permite aos envolvidos terem uma visão holística do empreendimento com atualizações e análises constantes.
A aplicação do BIM pode ser realizada em todos os projetos voltados à construção. São várias as aplicações para o BIM, visto que este garante uma visão das interferências possíveis e situações de manutenção comuns durante o ciclo de vida da obra, ampliando a importância e usabilidade do projeto e, consequentemente, reduzindo as chances de improvisação e o tempo gasto na execução da obra, melhorando o desempenho e criando condições mais favoráveis ao cumprimento do cronograma e orçamento previstos.
O BIM é utilizado não apenas pelos profissionais projetistas envolvidos na fase de elaboração de projetos de um empreendimento, mas também por todos os envolvidos no processo de planejamento, execução e gerenciamento, além dos investidores do empreendimento. Permite que o fluxo de trabalho seja transparente e aberto, utilizando uma linguagem comum para todos os processos, além de possuir dados pertinentes para uso durante todo o ciclo de vida do projeto. O BIM também possibilita a extração de documentos inteligentes a partir das informações de projeto, integrando desenhos e cálculos, permitindo a atualização automática de pranchas e detalhes, bem como de quantitativos, garantindo execução mais precisa do empreendimento e um cronograma mais confiável e correto.
Para os projetos de rodovias, a primeira etapa tem início através de um projeto preliminar, sendo realizado o detalhamento na sequência, e por fim abordada a documentação para a construção. Em todo o processo, uma etapa começa após a conclusão da etapa anterior, o que significa que uma mudança completa do design impacta significativamente na elaboração dos projetos para construção e, quando as atualizações são manuais, levam um maior tempo e estão sujeitas a erros ao longo do desenvolvimento do projeto. Em um projeto de rodovias utilizando o BIM, a criação das informações de projetos é coordenada e confiável, à medida em que os dados são imputados no software e atualizados automaticamente em tempo real, considerando o relacionamento de todos os elementos que compõem o projeto, permitindo que o projetista veja o impacto instantâneo da mudança de projeto e facilitando a avaliação de alternativas de design da rodovia, alavancando uma otimização quanto ao levantamento de quantitativos, sequenciamento e planejamento do empreendimento.
O Programa Proarte do DNIT e suas fases de implantação
A implementação do BIM no DNIT foi planejada para ser realizada em ciclos, definidos por uma sequência de projetos pilotos para possibilitar o aumento gradual a respeito do número de pessoas envolvidas, o entendimento dos benefícios da mudança, o engajamento e a capacitação de pessoas. Conforme mencionado, o primeiro projeto piloto definido é o Programa Proarte, que se deu início em 2016 e do qual sua implementação objetiva a reabilitação e manutenção de aproximadamente oito mil pontes e viadutos distribuídos na malha rodoviária federal sob responsabilidade do DNIT, tendo como compromisso que todos os seus projetos e especificações de obras estejam contratados em BIM em 2021.
As etapas de implementação do Programa Proarte já possuem o diagnóstico, planejamento e comunicação concluídos, estando em fase de implementação, testes e avaliação. Até setembro de 2020, o DNIT já executou 505 obras de manutenção, sendo 433 em OAEs (Obras de Arte Especiais), a reabilitação em nove estruturas e a implementação de 63 passarelas, com investimento total de R$ 97 milhões.
O programa, que teve sua execução iniciada em 2018 com a manutenção de um lote de 4 OAEs em Minas Gerais, prevê ao todo a recuperação e/ou manutenção de 1.712 OAEs que são consideradas prioritárias de acordo com os critérios estabelecidos no PNMR (Plano Nacional de Manutenção Rodoviária), sendo que em agosto de 2020 foi feita a contratação para restauração de um lote de cinco OAEs no Rio Grande do Sul, apontando que a implantação do Programa Proarte está a todo vapor.
Muitas das estruturas incluídas no Programa Proarte são pontes das décadas de 70, que possuem alto deslocamento de cargas e pessoas e movimentam a economia local, contribuindo para o progresso e desenvolvimento nacional. Com o tempo, estas estruturas passaram por desgastes, tornando necessária a manutenção e adequação destas. Além disso, com a evolução da engenharia e das normas técnicas existentes à época, faz-se necessária a adequação destas obras considerando a capacidade atual das vias e inclusão de passagens de pedestre.
Vantagens da utilização do BIM
Em projetos rodoviários, um dos aspectos mais relevantes é a topografia local, e o consequente resultado do estudo de movimentação de terra. Nesse contexto, o BIM possibilita criar estudos preliminares de alternativas de traçado em projetos de implantação de forma ágil e visual, fornecendo informações qualitativas e quantitativas das opções, como por exemplo as condições de solo onde o empreendimento será implantado e seus reflexos em volumes e soluções de contenção, subsidiando as análises para a escolha da melhor opção para o empreendimento, além de permitir a automatização de processos para a adequação das soluções de engenharia.
Dentre os benefícios da utilização do BIM, destaca-se o desenvolvimento de projetos completos, considerando todas as disciplinas e interferências existentes, garantindo maior compatibilização dos projetos e suas várias disciplinas, trazendo maior precisão nas especificações do empreendimento e por consequência um planejamento com maior exatidão. Adicionalmente, as correções e atualizações ocorrem em tempo real, fazendo com que a interação entre as diversas áreas do projeto ocorra de forma simultânea, evitando conflitos na gestão da mudança e permitindo a compatibilização dos projetos antes do início da construção. O BIM representa um conceito consolidado e difundido em diversos países, sendo um diferencial para as empresas que adotam esta metodologia.
O dinamismo e maior precisão com que os projetos executivos são tratados ao longo do projeto conferem condições que suportam soluções mais ágeis, eficazes e com maior produtividade durante a execução.
A segurança rodoviária é outro aspecto importante tratado com a utilização do BIM, visto que a garantia de uma parada segura e boas distâncias de visibilidade são fatores chave para tomada de decisão dos projetistas ao elaborar o projeto executivo. Entretanto, o desenvolvimento de projetos de forma tradicional, o qual utiliza equações matemáticas aplicadas ao grau de curvatura vertical que o perfil da estrada determina, é mais suscetível à falha, no momento em que desconsidera as obstruções visuais e layout horizontal da pista. O BIM traz uma visualização interativa e simulação das distâncias de visibilidade na etapa de criação do projeto, permitindo a identificação de forma rápida do atendimento de parâmetros críticos de visibilidade, incluindo curvatura e obstruções visuais, tais como barreiras, vegetação, luz solar e acostamento.
Estudos mostram que a implementação do BIM possibilita reduções de 8% a 22% nos custos de implantação do empreendimento, e reduções em prazo de até 33%.
Visão sobre o futuro do mercado de concessão com o BIM
Conforme descrito anteriormente, com o Decreto nº 10.306, a utilização do BIM se faz obrigatória a partir de 1º de janeiro de 2021, em projetos a serem realizados pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal. Atualmente, no âmbito das concessões rodoviárias, o DNIT está se preparando para atender as exigências do decreto, estabelecendo e definindo critérios e requisitos a serem exigidos nos editais de novas concessões, com meta interna de, em 2021, promover todos os ajustes necessários. De mesma forma, as empresas interessadas nos processos de concessão também devem promover adequações em sua estrutura, de modo a atender as obrigatoriedades do referido decreto.
O decreto traz, de forma planejada e estratégica, que a aplicação desta metodologia nos futuros processos de contratação de projetos e obras públicas ocorra de forma responsável e com prazo para que a cadeia produtiva se adapte à nova tecnologia, fazendo com que esta medida represente uma economia significativa aos cofres públicos, além de maior efetividade, transparência e otimização no cumprimento dos contratos.
Mesmo com os esforços de inovação com a utilização desta tecnologia, no Brasil ainda existem alguns desafios a serem contornados para que o BIM realmente se estabeleça com sucesso, que vão desde a capacitação de pessoas até a colaboração entre legisladores, pessoas, empresas e tecnologias. Com isso, faz-se necessária uma solução de transformação digital considerando a governança das instituições e uma implantação bem planejada, com o intuito de disseminar e democratizar a ferramenta, difundindo-a cada vez mais no âmbito dos projetos de infraestrutura e possibilitando a captura de todas as oportunidades que essa metodologia oferece.
Referências
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.306-de-2-de-abril-de-2020-251068946
https://inbec.com.br/blog/plataforma-bim-dnit-entenda-como-sera-implantacao
https://maisengenharia.altoqi.com.br/bim/tudo-o-que-voce-precisa-saber/
https://blogs.autodesk.com/mundoaec/bim-para-infraestrutura-de-transportes-rodoviarios/
https://www.abdi.com.br/postagem/projeto-proarte-do-dnit-consolidara-metodologia-bim-no-brasil