Luiz Afonso dos Santos Senna*
É preciso coragem para se impulsionar a lugares que você nunca esteve antes… para testar os seus limites… para quebrar barreiras. E chegou o dia em que o risco de ficar apertado no botão da flor era mais dolorido que o risco de florescer. (Naïs Nin)
Em 2022 teremos eleições no Brasil. A cada dois anos, essa tem sido nossa rotina, graças à opção pelo regime democrático, pelo qual optamos, e que nos coloca em posição de destaque entre os países que funcionam na plenitude democrática.
Pois esta, que deveria ser uma nuance a ser celebrada permanentemente, está aos poucos passando a ser a desculpa para que significativa parte da classe política utilize para justificar seus arroubos antidemocráticos e de comportamentos nitidamente oportunistas. De fato, tal comportamento não se limita ao mundo político, abrangendo também parte do empresariado, entre outros.
Além da chamada “PEC Kamikaze”, projeto de emenda constitucional que concede uma série de benefícios sociais às vésperas da eleição e decreta estado de emergência no país, em nítida chincane regimental, outras iniciativas populistas e irresponsáveis estão sendo engendradas país afora.
Recentemente o governo do estado de São Paulo anunciou que as tarifas de pedágios de rodovias não sofrerão reajustes em 2022. O motivo é que haverá eleições. As concessionárias imediatamente se manifestaram, alegando que a medida introduzirá desequilíbrios nas concessões.
O populismo eleitoreiro, que se faz presente em praticamente todas as correntes ideológicas no país, toma por base o fato que, em princípio, o consumidor estaria se beneficiando com a postergação do reajuste.
Mais recentemente, o governo estadual anunciou um plano de compensação financeira às concessionárias em decorrência do congelamento de preços dos pedágios. Uma indenização será paga às concessionárias para cobrir as perdas financeiras com a manutenção das tarifas.
O episódio deixa clara a mistura de atribuições entre o Poder Concedente, responsável pelos ativos de uma concessão, e o ente regulador, responsável pela preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. Quando há esta mistura de atribuições, acabam ocorrendo também omissões e intervenções veladas nas funções de cada instituição. Sem autonomia e independência, não existe regulação, mas sim arremedos e o que poderia ser denominado “regulação fake”.
Credibilidade e previsibilidade são atributos fundamentais para as concessões de ativos públicos, sejam eles rodovias, energia, telecomunicações, saneamento, portos, aeroportos, ferrovias, enfim todas as chamadas utilidades públicas. Sem isso, teremos o caos, a irresponsabilidade e os comportamentos oportunistas/oportunísticos como os que se observa hoje.
Lamentavelmente, esse comportamento também é exercido por outros stakeholders, como segmentos dos próprios concessionários, que eventualmente propõem questões que visam transferir ou eliminar riscos pactuados nos contratos. Até mesmo a teoria do cisne negro, de Nassim Nicholas Taleb, tem sido evocada para justificar que riscos de custos não sejam atribuídos aos concessionários, o que certamente será usado pelos defensores das estatais como argumento para não conceder. A propósito, eleições não são eventos raros, nem tampouco variação de custos de petróleo e derivados. A própria pandemia da Covid-19 e a crise por ela iniciada, segundo Taleb, era previsível, tema que o deixa irritado quando a classificam de “Cisne Negro”. Para ele, a previsibilidade está baseada no fato de que em janeiro de 2020, quando a pandemia ainda estava restrita à China, houve o alerta de que a alta conectividade no mundo levaria a um crescimento não linear do vírus. O alerta de pesquisadores foi ignorado pelos governos e mesmo investidores, porém esteve no radar de Taleb. Um dos fundos que o tem como principal conselheiro registrou um ganho de mais de 3.000% , quando mercados em todo o mundo derretiam.
A combinação de comportamentos oportunistas pode até trazer benefícios temporários para alguns dos stakeholders, como é o caso de políticos beneficiados com votos ou benesses recebidas por concessionários no curto prazo, porém compromete a sustentabilidade das concessões a médio e longo prazos.
Ao mesclar interesses políticos com contratos, os tomadores de decisão acreditam piamente que a solução dos problemas do país é a esmola institucionalizada, doada a partir da ampliação desmesurada do gasto público, da inflação e do descontrole das finanças do país.
A mente limitada de muitos tomadores de decisão estabelece raciocínios primitivos, associando cumprimento de contratos à perda de votos, decidindo pelo não cumprimento dos contratos, ou por transferir aos contribuintes responsabilidades que são dos usuários, fatos que deveriam ser absolutamente abominados por serem chocantes em um país que preza o estado de direito.
É importante destacar que a busca de participação privada na infraestrutura não se limita a seus recursos próprios (equity) e sua capacidade de endividamento, mas também a sua capacidade e eficiência de gestão, amplamente superiores às do Estado.
Para atrair investidores, os riscos devem ser minimizados, notadamente aqueles que estão sob o domínio do poder público. Risco diferencia-se da incerteza pela possibilidade de ser mensurado previamente de acordo com uma determinada metodologia, enquanto a incerteza não pode ser quantificada, significando completo desconhecimento do que pode ocorrer.
Nosso país precisa, mais do que nunca, de sabedoria, ciência, equilíbrio e maturidade para tratar de questões tão importantes, como é o caso do provimento de infraestrutura, particularmente no caso óbvio da necessidade de contar com a participação privada.
A fome, a miséria, a falta de educação e cultura e outras tantas questões fundamentais para a dignidade humana de uma nação somente serão vencidas com eficiência produtiva, competência e muita razão. Não há mais espaço para chincanes kamikazes, comportamentos oportunistas, populismo barato e irresponsabilidade. Pelo menos não deveria haver…..
Como diz Naïs Nin, talvez tenha chegado “o dia em que o risco de ficar apertado no botão da flor seja mais dolorido que o risco de florescer”.