Marisa Wanzeller e Leila Coimbra, da Agência iNFRA
Diretor-geral do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) desde 17 de maio deste ano, Marcio Rea assumiu a posição em meio a maior seca histórica do país. Em entrevista à Agência iNFRA, ele fala sobre os desafios no atendimento à ponta, o horário de verão, o uso de baterias e o programa de resposta de demanda, dentre outros assuntos.
Segundo Rea, apesar de não haver risco de falta de energia, o operador trabalha em medidas adicionais que se tornam cada vez mais importantes para garantir o suprimento energético do SIN (Sistema Interligado Nacional).
Dentre elas, o aumento do intercâmbio entre as regiões Nordeste e Norte, de 4,8 mil MW megawatts para 6,2 mil MW, e do Nordeste para o Sudeste, de 11,6 mil MW para 13 mil MW
O diretor-geral do ONS explica que os meses de setembro a dezembro serão os mais desafiadores para o atendimento à ponta e ainda não é possível prever qual será o comportamento das chuvas.
“Os modelos de previsão ainda não apontam um cenário preciso sobre as questões das chuvas no próximo período úmido. Há um consenso que outubro ainda deve ser um mês com chuva abaixo da média”, afirmou. “Sobre 2025, estamos identificando um conjunto de medidas operativas para garantir o atendimento mesmo no pior cenário dos estudos prospectivos”. Leia a entrevista:
Agência iNFRA – Quais as prioridades na sua gestão? Já foram identificadas?
Marcio Rea – Identifiquei que a gente precisa garantir a segurança energética do sistema. Então, a gente vai dar continuidade ao trabalho de excelência que os profissionais, nesses 26 anos de existência, fazem.
Preparar o ONS para a transição energética, isso é muito importante, em parceria com o ministro [de Minas e Energia], Alexandre Silveira. A gente entende que essa é uma agenda imprescindível para o Brasil, uma agenda global.
O diálogo com as instituições, com as entidades do setor elétrico também é uma das minhas prioridades. Eu quero marcar na minha gestão o diálogo, a gente tem que ter sempre, a gente tem que estar aberto para os agentes, para o setor. Ter um alinhamento com poder concedente e com o órgão regulador é muito importante também.
Quais os maiores desafios que o ONS tem enfrentado para a operação do sistema nesse momento?
Em termos de atendimento energético, embora estejamos enfrentando um período seco bastante rigoroso, não há sinalização de risco de falta de energia, [quero] deixar isso bem claro. O que estamos enfrentando atualmente são grandes desafios no atendimento à ponta de carga, principalmente no período noturno.
Nos dias de calor intenso, com baixa contribuição de geração eólica, nesses dias a gente tem a necessidade de dispor de outros recursos, inclusive geração térmica. Nós mostramos no CMSE [Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico] que setembro a dezembro desse ano serão os meses mais desafiadores para o atendimento de ponta noturna, porque a ponta mudou. A ponta começava às 17h, às 16h, hoje a ponta em si ela começa às 18h e vai até 20h, 22h às vezes.
Esse é um problema novo que a gente vem enfrentando. Uma nova avaliação para a gente fazer dentro do ONS, é que o período mais crítico está entre 18h e 22h, para ter uma ideia da mudança que a gente teve.
Então, de uma forma geral, o ONS tem lidado em diversos momentos com as adversidades climáticas. No início do ano tivemos as cheias do Rio Grande do Sul, quando tivemos de operar o sistema com diversas restrições, seja na questão de geração, seja na questão de linha de transmissão. Passando essa fase, nós estamos com a seca severa no Nordeste do país, e as queimadas que vem atrapalhando e dificultando muito, o que também traz desafios.
Essa realidade de extremos climáticos está cada vez mais presente no dia a dia da operação, é uma coisa que a gente lida diariamente. É uma questão complicada, estamos caminhando, tentando se adaptar aos efeitos climáticos. Daqui para frente vai ser cada vez mais complicado, enquanto o mundo não mudar a maneira de agir, a maneira de cuidar do planeta, a gente vai ter muito problema.
Neste mês, o CMSE reconheceu a importância da volta do horário de verão para a operação do sistema, baseado em um estudo apresentado pelo ONS. Será prejudicial para o sistema caso o governo opte por não decretar horário de verão?
Então, do ponto de vista do setor elétrico, no desafio de atendimento de ponta, de escassez hídrica nas principais bacias, no Nordeste, no Sudeste, fazem com que as medidas adicionais como horário de verão se tornem cada vez mais importantes, ganhem destaque e relevância.
Eu entendo que a adoção do horário de verão poderá trazer uma redução boa de até 2,9% dessa demanda e podemos ter até um ganho econômico na ordem de R$ 400 milhões. Como é que a gente está hoje? O horário de verão é uma decisão do Poder Executivo. O ministro Alexandre Silveira tem os estudos para avaliar essa questão. Estamos aguardando o resultado dessa avaliação, mas é fundamental a gente ver a necessidade do horário de verão.
Como uma alternativa para garantir o atendimento da ponta, o operador dispõe do programa de resposta da demanda. Em que pé isso está sendo tratado?
O programa de resposta da demanda vem no intuito de aumentar a flexibilidade operativa do Sistema Interligado Nacional, sendo mais um recurso que o ONS tem, e representa uma redução de custo de operação que vai substituir a parcela do despacho térmico.
Agora, estamos recebendo as ofertas no período de uma semana. Recentemente a ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica] aprovou o mecanismo competitivo de resposta de demanda e o ONS está trabalhando agora para viabilizar as ofertas nessa nova modalidade. Então, eu acho que vamos avançar bastante nessa área.
Em relação ao despacho de térmicas na ponta, o parque instalado atual é suficiente para atender a demanda?
Sim, ele é suficiente. O parque atual está dimensionado corretamente e é capaz de atender a demanda de ponta de carga. O planejamento de longo prazo do setor elétrico é feito pela EPE [Empresa de Pesquisa Energética], que está atenta às demandas futuras, tanto que o setor está discutindo as bases de um novo leilão de reserva de capacidade. Então, eu não tenho nenhuma dúvida, a gente atende sim. O nosso parque térmico é robusto, é muito bem elaborado.
Sobre o Norte do país, a Eletrobras realizou uma obra a fim de permitir a operação de Jirau sozinha, sem a geração de Santo Antônio. A obra já foi concluída? Ela se mostra suficiente para essa operação?
As alterações necessárias já foram realizadas pela Eletrobras e já estão em funcionamento. Acompanhamos esse trabalho de perto, fizemos várias reuniões na Eletrobras e aqui no ONS. Essas medidas foram importantes para aumentar a resiliência do sistema de transmissão. Por exemplo, nessa semana [passada] ocorreu a perda de quatro circuitos 230 kV [quilovolt] que atende o Acre e Rondônia, e não houve qualquer consequência para o consumidor. Então, já foi um teste que mostrou a eficiência do trabalho que foi desenvolvido.
Sob o ponto de vista elétrico, esse conjunto de medidas já permite a operação de Jirau sozinha sem a geração de Santo Antônio, caso as condições hídricas se agravem. Se a seca chegar ao ponto de eu ter que desligar Santo Antônio, Jirau vai poder operar sozinha. Foi um excelente trabalho em conjunto aí do Ministério, do ONS e da Eletrobras.
Após o apagão em agosto do ano passado, o ONS optou por operar o sistema de forma mais conservadora. A operação se mantém assim? Quais os dados atuais de intercâmbio de energia entre as regiões?
Na realidade, a ocorrência de agosto de 2023 revelou que a modelagem de geração declarada por algumas usinas eólicas e fotovoltaicas não estava coerente com a implementação em campo. É justamente essa modelagem que proporciona a realização dos estudos para o planejamento da programação e operação do sistema. O ONS ajustou os modelos dessas usinas de forma que possa existir uma melhor coerência com o comportamento observado e a referida ocorrência.
Portanto, o que a gente entende é que não é correto dizer que se trata de uma operação mais conservadora, mas sim de uma operação mais aderente à realidade observada em campo, no dia a dia.
É importante também considerar a expansão do sistema de transmissão que vem sendo estimulada por meio dos bem-sucedidos leilões realizados nos últimos anos. À medida em que esses empreendimentos forem entregues, teremos mais infraestrutura para um aproveitamento ainda maior das fontes renováveis.
Além disso, ainda para este mês de setembro, está prevista a entrada de operação da linha de transmissão de 500 kV Jaguaruana II – Pacatuba. Isto aumentará a capacidade de transferência da região Nordeste para a região Norte de 4,8 mil MW [megawatts] para 6,2 mil MW. Além disso, a exportação total da região Nordeste passará de 11,6 mil MW para 13 mil MW, retornando aos níveis de interligação observados antes do evento de 15 de agosto de 2023.
Um outro ponto de restrição de geração é que o SIN só pode entregar a geração demandada pelo consumo de carga da sociedade. A oferta da geração cresceu de uma forma muito mais acelerada do que a carga. Então, é uma questão física. Não é possível consumir uma geração que não é demandada pela sociedade. Futuramente, quando tiver a questão de baterias, pode ser uma alternativa para armazenar essa energia gerada excedente.
E há expectativa quanto à inserção das baterias no sistema?
Conforme anunciado recentemente, esse tema vem sendo estudado no setor, capitaneado pelo ministro Alexandre. A inserção de diferentes recursos vem no sentido de cada vez mais incorporar flexibilidade operativa para o sistema.
Sobre a bateria, a gente já tem alguns estudos organizados pelo ministério, quem cuida disso é a área do secretário de Transição Energética e Planejamento, Thiago Barral.
Futuramente, o MME vai lançar alguma espécie de leilão para ser um piloto, para a gente ver como é que isso vai se adaptar no Brasil. Porque a gente sabe que a questão da bateria, ainda tem algumas dúvidas no mundo. Na Europa, por exemplo, existem algumas dúvidas quanto ao armazenamento, quanto ao valor disso.
Em setembro houve uma correção da bandeira tarifária acionada pela ANEEL de Vermelha patamar 2 para vermelha patamar 1. O que houve? Como está esse processo?
No dia 11 de setembro, o ONS recebeu os técnicos da ANEEL para o processo de fiscalização, sendo esclarecidas nessa ocasião as dúvidas trazidas pela agência. O fato ocorrido foi uma inconsistência específica que nós tivemos, sendo feito um ajuste pontual necessário imediatamente. Então, resumidamente é isso. Foi um ajuste, foi corrigido.
Quais são as perspectivas para o ano que vem em termos de reservatórios e afluências? já existe uma perspectiva se o próximo período úmido terá chuvas abundantes? Caso contrário, a operação em 2025 pode ficar mais complicada?
Os modelos de previsão ainda não apontam um cenário preciso sobre as questões das chuvas no próximo período úmido. Há um consenso que outubro ainda deve ser um mês com chuva abaixo da média. Isso é muito complicado, mas é o que a gente tem por enquanto.
Sobre a operação de 2025, estamos identificando um conjunto de medidas operativas para garantir o atendimento mesmo no pior cenário dos estudos prospectivos. O que a gente faz aqui, no estudo prospectivo que a gente tem? A gente sempre trabalha com uma gordura. Se piorar, temos um bom plano de contingência, que estamos sempre atualizando.
Hoje eu posso dizer, a minha maior missão que eu tive aqui quando eu fui convidado pelo ministro para assumir o ONS foi ter um sistema robusto, resiliente, e que desse toda a confiança e estabilidade para os brasileiros.