Lais Carregosa e Geraldo Campos Jr., da Agência iNFRA
A MP (Medida Provisória) 1.300, que trata da reforma do setor elétrico, pode afetar outra política pública em concepção pelo governo federal, a política nacional de data centers, segundo especialistas ouvidos pela Agência iNFRA.
Segundo fontes, os projetos de data centers que estão entrando no país querem usar modelos de contratação de energia via autoprodução por equiparação para evitar pagar pelos encargos do setor elétrico.
Contudo, um trecho da MP 1.300 impede que agentes entrem como sócios em usinas cuja operação comercial tenha começado antes da publicação da medida, ou seja, antes de 21 de maio de 2025. Dessa forma, teriam que construir ou adquirir participação em usinas novas.
A avaliação é que, como está, a MP do setor elétrico limitaria o leque de opções disponíveis para os agentes a projetos com investimentos ainda não amortizados. Isso aumentaria o custo e iria de encontro à política nacional em desenvolvimento sob coordenação do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio).
Há a expectativa de que uma outra MP seja publicada pelo governo com medidas que visam desonerar o investimento em data centers com incentivos fiscais e estimular o uso de energia renovável – que viria, inclusive, como requisito para a habilitação no programa, segundo uma minuta que circulou no setor.
“Ao mesmo tempo que está se discutindo um incentivo para os projetos de data centers, por outro lado a MP 1.300 está justamente proibindo a utilização de projetos existentes em estruturas de autoprodução. Com isso, basicamente, a gente renuncia a usar essa grande vantagem competitiva que a gente já tem para destinar a projetos de data center, hidrogênio verde etc. O que me parece uma contradição entre os dois movimentos”, declarou o sócio do escritório Mattos Filho Advogados, Fabiano Brito, que tem atuado junto aos projetos.
Limites à autoprodução
A MP 1.300 limita a autoprodução por equiparação para evitar arranjos comerciais em que os agentes consumidores adquirem participação minoritária sem direito a voto em empreendimentos de geração para ter direito à equiparação, sem compromisso com investimento no ativo. Dessa forma, teriam direito à energia sem encargos setoriais.
O advogado André Edelstein, do escritório Edelstein Advogados, explica que a MP 1.300 limita qualquer “arranjo de autoprodução” definido após 60 dias de publicação da medida a empreendimentos novos. Esses arranjos podem incluir autoprodução por arrendamento, por consórcio e individual.
“Quem tinha uma usina que estivesse operando antes da publicação da MP, que estivesse descontratada, poderia tanto vender energia quanto fazer uma estrutura de arrendamento, por exemplo, para ter um consumidor de energia na condição de autoprodutor. A partir dessa regra, você só vai poder fazer novos modelos de autoprodução com usinas novas, que entraram em operação depois da MP”, declarou.
Data centers no Brasil
Fontes do governo afirmam que não há intenção de transferir encargos para o mercado regulado. Por isso, as pastas envolvidas na elaboração da MP dos data centers avaliam incluir diretrizes para evitar repassar os custos.
O ONS (Operador Nacional do Setor Elétrico) já emitiu pareceres de acesso favoráveis para a implantação de dois projetos de data centers na região Nordeste. Os dois empreendimentos ficam no Complexo do Pecém, no estado do Ceará, e são os primeiros autorizados na região a se conectarem à rede de transmissão.
O primeiro deles é um data center com conexão prevista em janeiro de 2027, na Subestação Pecém II 230 kV. O segundo se conectará futuramente na subestação Pecém III 500 kV e foi aprovado com condicionantes, ou seja, sua efetiva conexão depende da implantação de um conjunto de obras de transmissão. O ONS não divulgou a demanda de carga de cada um.