Marco Delgado*
A Transcendência do Ego é considerada a primeira obra filosófica de Jean-Paul Sartre. Em apertada síntese, depreende-se que a Consciência será constituída a partir do ato de cogitar sobre algo ao invés de uma mera compreensão passiva da realidade. Neste contexto, podemos ousar na assertiva de que a dúvida e o pensamento crítico e reflexivo são vetores que nos fazem progredir e criar uma sociedade mais justa.
Neste dia 17 – ironicamente o numeral do mico no jogo do bicho – de junho, meu Ego foi eletrocutado por um ato do Congresso Nacional que tangencia a covardia, pelo menos, aos consumidores de eletricidade. Foram derrubados alguns vetos presidenciais na Lei 15.097/2025 que buscavam depurar estranhos e incoerentes dispositivos adicionados nos trâmites legislativos aos objetivos originais da conhecida Lei das Eólicas Offshore.
Há de se cogitar, pela tese Sartreana, se as derrubadas de vetos presidenciais teriam sido motivadas somente pela torpeza ou, pior, pela gana de parlamentares para imputar derrota ao governo federal, abstraindo-se dos efeitos colaterais do ato revogatório.
Há de se cogitar mais compreensão sobre as reais motivações deste ato disfuncional aos consumidores. Na Constituição Federal encontramos o capítulo “Dos Princípios Fundamentais” que não se limitam às pessoas naturais. Há dispositivos que orientam os princípios da República como bem definidos em incisos do Artigo 3º, tais como: “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional;”.
Ora, cogito se a prorrogação do Proinfa – que beneficiará os empreendedores dessas usinas já amortizadas, porém com preços mais elevados do que as novas tecnologias de fontes renováveis e, ainda, cancelará uma oportunidade de mitigar os curtailment da sobreoferta conjuntural – bem como a temerária obrigação de contratação de novas pequenas centrais hidroelétricas – mesmo sendo a fonte renovável mais cara atualmente disponível – colidem com os princípios de construir uma sociedade justa e de garantir o desenvolvimento nacional. Há também, no prelo, outras contradições absolutas a destacar como a quinquagenária prorrogação dos subsídios ao carvão energético numa lei que seria da energia sustentável, bem como a nefasta e avarenta prorrogação de isenções tarifárias para a micro e minigeração distribuída que, mesmo sem eles, cresceu 21 GW ou quase 100% desde o início de 2023, revelando que a eventual revogação do veto nada mais será do que enriquecimento de causa aos seus beneficiados.
Ora, nesta celeuma, cogito se a PGR (Procuradoria Geral da República), sentinela das causas e interesses difusos, deveria aprofundar as análises jurídicas, objetivando incitar o STF (Supremo Tribunal Federal) numa eventual ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade).
Destarte, cogito que dessa forma poderemos ter – além da visão existencialista Sartreana – uma consciência coletiva tranquila se os princípios constitucionais da República foram observados e, principalmente, honrados pelo Congresso Nacional. Se foram negligenciados, eis a forma segura do Estado Democrático de Direito para restabelecer uma sociedade justa e solidária.
* Marco Delgado é ex-conselheiro da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrico). Engenheiro Eletricista com mestrado e doutorado em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ.
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