14/10/2025 | 12h09  •  Atualização: 15/10/2025 | 13h05

Opinião – Boas novas na regulação: o ‘MIP’ de normas nas agências

Foto: Divulgação

André Peron Pereira Curiati* e Marco Aurélio de Barcelos**

O processo de produção normativa das agências reguladoras no Brasil é bem fértil, mas a participação social nesses episódios ainda é, essencialmente, reativa: as agências “convocam” a sociedade – por meio de audiências e consultas públicas, tomadas de subsídios ou reuniões participativas – para se manifestar sobre minutas de normativos que já estão previamente concebidas, ou para fornecer informações e estudos que eventualmente subsidiem a sua formulação interna.

Tal característica reativa, marcante na atividade normativa regulatória no país, traz, contudo, limitações importantes. De um lado, concentra sobre as agências reguladoras a tarefa de iniciar e de estruturar todo o processo regulatório – algo cada vez mais desafiador frente às restrições de pessoal e de orçamento, que têm marcado muitas delas. De outro lado, subaproveita o potencial técnico e informacional dos atores regulados, que, em geral, veem-se na posição residual de comentar e sugerir ajustes pontuais em textos já desenhados, em vez de contribuir estruturalmente para a agenda normativa das entidades, inclusive em relação ao ritmo e à oportunidade dos assuntos objeto de regulamentação.

Foi nesse contexto que, recentemente, surgiu nos debates de governança regulatória a chamada “proposta normativa externa”, modalidade de participação social por meio da qual agentes externos às agências reguladoras podem propor a edição, alteração ou revogação de atos normativos, a qualquer momento e por iniciativa própria.

A pioneira na regulamentação do tema – que, inclusive, idealizou o nome – foi a Artesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo), por meio da Portaria nº 47/2025. Mais recentemente, a Artemig (Agência Reguladora de Transportes do Estado de Minas Gerais) também incorporou o mecanismo em seu Regimento Interno, indicando um movimento de convergência regulatória animador.

Tal qual já ocorria nas MIP, “manifestações de interesse privado” voltadas à estruturação de projetos de concessões e PPP (Parceria Público-Privada), na proposta normativa externa recém-criada os agentes regulados podem apresentar à agência reguladora diagnósticos de problemas regulatórios, acompanhados de soluções de natureza normativa, as quais podem variar desde a simples proposição de diretrizes e alternativas regulatórias para que o tema seja aprofundado pela própria agência, até a sugestão de minutas completas de atos normativos.

Há um ganho nítido com a nova modalidade de participação social: a eficiência regulatória. O instrumento permite que a normatização de temas relevantes avance sem depender exclusivamente da iniciativa da agência reguladora; ao mesmo tempo em que a agência se beneficia da expertise de quem vive diariamente o serviço regulado.

É importante, entretanto, assegurar que os benefícios da nova ferramenta sejam alcançados e evitar que ela se transforme em um canal para demandas desfuncionais ao sistema regulado – o qual inclui a figura dos usuários. Nesses termos, a condução interna da proposta normativa proveniente de terceiros deve ser acompanhada de uma governança rigorosa.

Nas experiências de Artesp e Artemig, por exemplo, toda proposta submetida passa, em primeiro lugar, por um exame de admissibilidade, destinado a verificar seu atendimento aos requisitos formais e compatibilidade com as prioridades da agência. Caso seja admitida, a proposta será apreciada pela diretoria colegiada, que deliberará sobre a sua aprovação e os encaminhamentos cabíveis. Entre os encaminhamentos, exige-se, como forma de reforçar a transparência do instrumento, que toda proposta normativa externa aprovada passe, ao menos, por uma modalidade adicional de participação social – como consultas ou audiências públicas. Com isso, garante-se que a formação da norma não seja resultado exclusivo da interação entre a agência e o proponente, mas contemple a contribuição de outros interessados.

Mais uma preocupação que pode advir da proposta normativa externa diz respeito ao potencial aumento do fardo regulatório das agências que vierem a adotá-la. A criação de um novo canal de entrada de demandas pode, em tese, gerar um volume adicional de trabalho para as áreas técnicas da entidade reguladora, o que é problemático em contextos em que a estrutura administrativa já opere no limite de capacidade. Nesse sentido, tanto Artesp quanto Artemig estruturaram mecanismos voltados a prevenir a sobrecarga institucional e garantir que o novo instrumento não comprometa a atuação das agências.

Entre as salvaguardas instituídas, destaca-se a atribuição de efeitos de “silêncio negativo” ao transcurso do prazo para a análise de admissibilidade da proposta, ocasião em que se dará a sua rejeição automática. Isso, em certa medida, protege a agência contra passivos de inércia administrativa, ao não a obrigar a decidir em todos os casos, ao mesmo tempo em que assegura alguma previsibilidade aos proponentes.

A Artemig, especialmente, vai além, ao limitar a apenas duas o número de propostas normativas externas que analisará a cada ano. Esse teto poderá ser superado apenas quando houver “disponibilidade administrativa”, conceito que remete à existência de recursos humanos suficientes para absorver novas demandas sem prejuízo das funções essenciais da agência.

Todas essas nuances na disciplina da proposta normativa externa evidenciam preocupações essenciais para a compatibilização entre a abertura a uma participação social mais intensa e o equilíbrio do sistema regulatório. Ao condicionar a implementação do novo instrumento a salvaguardas de natureza procedimental e quantitativa, Artesp e Artemig sinalizam que a nova modalidade de participação social não deve – e não precisa – vir acompanhada de ineficiência ou desvio de prioridades.

A proposta normativa externa, em qualquer caso, traduz um excelente exemplo de inovação em termos de governança regulatória, e espera-se que ela inspire mais agências reguladoras – em nível federal e infranacional. Regulação de qualidade, ao fim, é isto: construída de forma colaborativa, com transparência e boa governança.

*André Peron Pereira Curiati é especialista regulatório da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias).

**Marco Aurélio de Barcelos é diretor-presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias).

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