Opinião – Comércio de Ouro no Brasil: o que ninguém contou até agora

Frederico Bedran Oliveira*

Nos últimos dois anos, após o despertar da crise humanitária envolvendo os Yanomamis, o governo brasileiro adotou diversas medidas para regular o comércio de ouro e combater a extração ilegal. Uma das principais ações foi a obrigatoriedade da NFS-e (Nota Fiscal de Serviço Eletrônica) para transações com ouro. Além disso, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu por unanimidade acabar com a “presunção de boa-fé”, prevista na Lei 12.844/2013, que permitia atestar a procedência do ouro apenas com a declaração do vendedor.

Anteriormente, essa presunção de boa-fé permitia que o ouro fosse considerado legal com base apenas na palavra de quem o vendia, sem exigir comprovação efetiva de sua origem.

Somado a isso, a ANM (Agência Nacional de Mineração) e o Banco Central estabeleceram novas regras para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo na cadeia do ouro. A Resolução ANM nº 129/2023, em vigor desde 29 de março de 2023, obriga as empresas do setor a implantarem uma Política de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo.

A Receita Federal também intensificou a fiscalização nas aduanas, especialmente no Aeroporto de Guarulhos, exigindo que o vendedor demonstre a origem do ouro exportado. Essa medida levou à retenção de várias cargas de ouro das DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários) e tradings, impactando o fluxo do comércio exterior.

Paralelamente, a Polícia Federal e o Ibama aumentaram as operações de combate a extração ilegal, com ações que incluem a destruição de máquinas utilizadas nas áreas de exploração clandestina.

No entanto, essas medidas não foram suficientes. A realidade é outra.

Com a cotação do ouro ultrapassando os US$ 3.500,00 por onça (31,1g), a produção legal e ilegal aumentou. Atualmente, 80% do ouro produzido em garimpos e pequenas mineradoras, de origem legal ou ilegal, é comprado e comercializado no mercado paralelo.

Esse mercado paralelo é dominado pelo crime organizado, que controla diversas áreas por meio do chamado “narco garimpo”, onde o ouro é negociado por armas, drogas ou criptomoedas e escoado para países como Paraguai e Venezuela. Nesse contexto, não há pagamento de CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) ou Imposto de Renda.

Essa crise não é mais apenas da mineração ou relativa a questões ambientais e sim a uma agenda de segurança pública.

Recentemente, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicou o estudo Follow the Product, indicando a necessidade de rastreabilidade de produtos como cigarro, combustíveis, bebida e ouro, uma vez que estes produtos estão sendo utilizados pelo crime organizado para autofinanciamento.

Não é absurdo afirmar, que o processo de mexicanização do Brasil, em parte, é financiado pelo mercado de ouro, o que reflete na segurança pública de todo o país.

No primeiro trimestre desse ano, o STF, no âmbito do julgamento das ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) 7273 e 7345, determinou ao Poder Executivo – em especial à ANM, ao Banco Central do Brasil, ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e à Casa da Moeda do Brasil – sem prejuízo da atuação de outros órgãos, a adoção de medidas regulatórias e/ou administrativas para combate ao comercio ilegal de ouro.

Assim, é esperado que o governo adote as providências necessárias no sentido implantar a rastreabilidade de minérios no Brasil, entre essas providências está a adequação do PL (Projeto de Lei) 3.025/2023 para implementar a sistemática de rastreabilidade como uma importante ferramenta de monitoramento e fiscalização da cadeia produtiva, sendo, inclusive, um instrumento já bastante utilizado internacionalmente.

A rastreabilidade consiste no monitoramento e registro de todas as transações existentes na cadeia mineral, desde a origem até o consumo final, com o uso de sistemática de troca de custódia digital, marcação física e até mesmo análises químicas.

Atualmente, os principais atores do setor já vêm defendendo a criação de uma Sistemática Estatal de Rastreabilidade do Ouro, visando recuperar mercado e garantir a legalidade da produção. A criação de um sistema nacional de rastreabilidade não apenas devolveria credibilidade ao ouro brasileiro no comércio internacional, como também permitiria uma fiscalização mais eficiente e promoveria a sustentabilidade do setor.

O PL 3.025/2023, que está em trâmite na Câmara do Deputados, deve ser aditado com pequenos ajustes que compreenda a implantação de uma sistemática estatal e unificada para garimpo, mineradoras, tradings, DTVMS, cooperativas, refinarias e para o ouro reciclado, pois só assim será possível promover o avanço necessário da cadeia produtiva, com proteção ao meio ambiente, respeito aos direitos humanos e combate ao crime organizado.

*Frederico Bedran Oliveira é presidente da Comissão de Direito Minerário da OAB -DF.

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