Opinião

Opinião – Renovação ferroviária da FCA: para quem deseja pouco, quase nada pode ser uma coisa razoável

Bernardo Figueiredo*

A renovação das concessões das ferrovias é o instrumento mais efetivo para alavancar investimentos na modernização e expansão da malha ferroviária brasileira.

As renovações das ferrovias mais rentáveis tiveram resultados pífios e passam por um processo de repactuação liderado pelo Ministério dos Transportes, corroborando os diversos questionamentos sobre os valores de outorga oferecidos pela concessionária e aceitos pelo governo, realizados quando foram submetidas à consulta pública. Agora, o governo está promovendo uma consulta pública sobre a renovação do contrato de concessão da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica).

Existe um problema recorrente no processo de construção das propostas de renovação que é o fato da proposta de renovação ser orientada somente pelo que a concessionária propõe. Nada mais legítimo do que a concessionária solicitar a renovação e fazer uma proposta das condições que ela deseja para fazer esta renovação.

O que parece estranho é que o governo se limite a verificar se as contas foram feitas corretamente e corrigir falhas verificadas nos estudos e formulações apresentadas pela concessionária.

Não é feito um diagnóstico da situação atual das concessões, não é feita uma avaliação dos problemas que foram verificados na vigência do contrato que se encerra e nem é explicitado quais são os resultados que o governo pretende alcançar com a renovação por mais 30 anos do contrato de concessão.

É como se o único objetivo da renovação fosse tornar a concessão equilibrada, rentável e desonerada dos ônus que carregava.

Na proposta de renovação da FCA, pode ser verificado que a concessionária pretende se livrar de trechos ferroviários que ela julga inviáveis, sem nenhuma demonstração desta inviabilidade, e manter na concessão apenas com os trechos que interessam a seus negócios, que ficariam como estão pelos próximos 30 anos.

Os incrementos tímidos de volume transportado seriam viabilizados pela compra de mais locomotivas e vagões, já que não será promovida melhoria significativa da infraestrutura e, portanto, nenhum ganho de produtividade. O mercado que não é atendido pela ferrovia continuará sem atendimento. Muito pouco diferente da proposta que já foi submetida à consulta pública no governo passado. Apenas aperfeiçoamentos nas contas do modelo econômico-financeiro.

Na consulta anterior, a sociedade civil e governos estaduais já tinham se manifestado sobre questões de mérito da proposta de renovação da FCA. Os governos e empresários do Espírito Santo e de Minas Gerais manifestaram sobre a necessidade de se expandir a capacidade do corredor ferroviário que alimenta a EFVM (Estrada de Ferro Vitória-Minas), que tem alta capacidade e performance e serve os portos do Espírito Santo, além de construir um ramal ferroviário para atender Unaí (MG), importante polo de produção agrícola de Minas Gerais com enorme potencial de expansão.

O governo e empresários da Bahia manifestaram-se sobre a necessidade de recapacitar e modernizar a ferrovia que liga o estado e a região Nordeste à região Sudeste, para aumentar a competitividade logística da região e aliviar a pressão sobre as rodovias que fazem esta ligação.

Nada mudou.

Argumenta-se que os investimentos necessários para atender às demandas de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia não cabem na nova concessão e que a ferrovia da Bahia não tem demanda.

Não se sabe onde estão os estudos que sustentam esta argumentação. A própria proposta de renovação contraria o argumento de que não cabem mais investimentos na malha concedida, já que a concessão pode gerar mais de R$ 5 bilhões para o caixa do governo.

Talvez a justificativa de não se investir no corredor Minas-Espírito Santo esteja mais ligada ao fato de ser um corredor que concorre com o que verdadeiramente interessa na proposta da FCA, o corredor Minas-São Paulo, onde a VLI, braço operacional da FCA, tem seu terminal portuário.

Os estudos realizados pela FDC (Fundação Dom Cabral) para o governo da Bahia demonstram que cerca de 100 milhões de toneladas circulam anualmente entre as regiões Sudeste e Nordeste, o que contraria a lenda urbana de que não tem demanda para a abandonada ferrovia que liga Minas Gerais à Bahia e ao Nordeste.

Neste caso, a justificativa é de que esta demanda é constituída de cargas não tradicionais da ferrovia. São produtos e insumos industrializados, produtos petroquímicos e combustíveis que são excluídos preliminarmente nos estudos que a concessionária faz e que o governo aceita.

Interessante notar que a danosa dependência que estes setores produtivos têm do transporte rodoviário coloca em risco o abastecimento do país, conforme drasticamente demonstrado na última greve dos caminhoneiros.

Embora a crise gerada pela greve tenha alimentado o discurso de que precisamos aumentar a participação da ferrovia na matriz de transportes do país, a principal vítima da crise é excluída de qualquer análise sobre investimento em ferrovias.

Excluir estas cargas não tradicionais da análise de demanda não é só uma forma de subestimar o potencial de negócios das ferrovias para mantê-las na zona de conforto, é fechar os olhos para uma crise logística datada. As nossas rodovias e os nossos caminhões não têm capacidade e nem competitividade para suportar a pressão de demanda que será gerada numa retomada do crescimento econômico, tão desejada por todos.

Se a premissa adotada é de que o país não vai crescer muito nos próximos 30 anos, não há razão para se preocupar com isto. O que se extrai da proposta de renovação da FCA é que se deseja muito pouco para as ferrovias operadas pela concessionária.

Neste caso, quase nada pode ser uma coisa razoável.

*Bernardo Figueiredo é consultor em Logística e Mobilidade, dono da BF Planejamento e Projetos de Logística Eireli, e sócio e CEO da TAV Brasil, empresa autorizatária do trem de alta velocidade Rio-São Paulo.

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