Amanda Pupo, da Agência iNFRA
A tentativa de alguns atores de arrastar o modelo do free flow para a arena política acendeu um sinal amarelo no setor rodoviário, que teme uma nova onda de desinformação sobre a tecnologia e atrasos na implementação do sistema no Brasil. O que há pouco tempo era mais concentrado na reclamação de usuários, que passaram a ser multados pelo não pagamento do pedágio sem cancelas, tomou outra proporção pelo uso do assunto dentro da corrida eleitoral de 2026, fomentado ainda por uma ação movida pelo MPF (Ministério Público Federal) em São Paulo.
O órgão tenta suspender na Justiça a aplicação de multas no pedágio que ainda nem começou a rodar dentro de Guarulhos (SP), previsto na concessão da CCR RioSP, que contempla a Dutra.
O cenário ficou mais inflamado em São Paulo, onde há tanto concessões federais como estaduais com previsão de free flow. Além de parlamentares estaduais – inclusive da base de Tarcísio de Freitas – terem se envolvido no tema com críticas, quem tentou colocar o assunto ainda mais no xadrez eleitoral foi o ministro do Empreendedorismo de Lula, Márcio França (PSB), que tenta se cacifar para a disputa do governo de SP.
O vídeo postado por ele nas redes, classificando o free flow como um “pedágio sem escolha” e o colocando na conta de Tarcísio, contudo, também foi criticado, já que o modelo vem sendo adotado nas vias federais e tem o endosso da equipe de Renan Filho (Transportes).
“Não é hora de politizar o free flow e as concessões de rodovias. É um erro grave. Ele tem sido tragado para uma agenda eleitoral. A gente não pode se deixar levar por isso e nem fazer com que outras instituições, outros órgãos, outros formadores de opinião, caiam nessa armadilha”, disse à Agência iNFRA o presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), Marco Aurélio Barcelos.
Dentro do governo Tarcísio, a avaliação é de que a temperatura está reduzindo e que os movimentos contrários ao sistema não vão prosperar. O diagnóstico é de que, onde o free flow já está em operação, a aceitação do usuário tem sido boa, por exemplo, na EcoNoroeste e na concessão de Tamoios.
O ruído engrossado por alguns políticos, causado especialmente pela previsão de pórticos em vias urbanas, preocupa as concessionárias e estruturadores de projetos, já que as novas rodovias concedidas vão ampliar o uso da tecnologia – além das substituições das praças atuais. Hoje, são 13 pórticos em operação, mas a estimativa é de que até o final do próximo ano esse número chegue a 50.
Dentro do setor e entre os gestores, o sistema é defendido por ser uma evolução do modelo das praças de pedágio, dando mais agilidade para a via e fazendo com que o usuário pague pelo que efetivamente percorreu. As praças de pedágio já são consideradas defasadas e menos justas na cobrança da tarifa.
O que alimentou as críticas foi a avaliação de que muitos usuários trafegam pelos pórticos sem saber da fatura e, com a inadimplência, passaram a ser multados e receber desconto de pontos na carteira. Com isso, cresceu a movimentação para que essas multas fossem suspensas.
Entre o governo federal, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e as concessionárias, o entendimento é de que a questão já está sendo resolvida, seja pela intensificação das campanhas de comunicação, seja pela regulamentação que pretende centralizar os dados sobre as cobranças na CDT (Carteira Digital de Trânsito) a partir de dezembro.
“A gente percebe que tem se conseguido avançar a passos largos nos temas, que são complexos por si só, justamente pela boa vontade, a disposição de todo mundo em solucionar”, comentou o diretor-geral da ANTT, Guilherme Sampaio, à reportagem. “Tem havido um grande esforço de comunicação com os usuários. Uma comunicação ostensiva, que transcende os pórticos”, comentou Barcelos.
Resolução do Contran pode resolver passivo
O tema das multas virou objeto de um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados no fim do ano passado, agora sob relatoria do senador Marcos Rogério (PL-RO), que é presidente da CI (Comissão de Infraestrutura). Embora tenha preocupado o setor, por prever a suspensão por doze meses das multas aplicadas em rodovias com free flow, a proposta tem potencial de ser uma via de pacificação do tema dentro do Congresso.
Como a expectativa é de que a centralização na CDT resolva grande parte das reclamações, Marcos Rogério estaria disposto a retirar a suspensão das multas do texto se o governo apresentar uma proposta que enderece o passivo do que foi gerado até agora.
À Agência iNFRA, o Ministério dos Transportes confirmou que trabalha na elaboração de uma nova resolução do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) que prevê o “endereçamento da cobrança de multas” do free flow “durante o teste regulatório”. Segundo apurou a reportagem, o senador espera ver qual será a redação para encaminhar seu relatório e a votação do PL (Projeto de lei) 4.643/2020. Se não houver algum ajuste por parte do Executivo, será mantida a emenda da suspensão das multas, que na Câmara foi articulada pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ).
O teste regulatório mencionado pelo ministério é o chamado sandbox, instrumento da ANTT pelo qual algumas concessionárias fizeram uma espécie de teste da tecnologia em suas rodovias. Nem todas as concessões que operam com free flow o fizeram a partir do sandbox.
A preocupação das concessionárias sobre propostas que suspendem a aplicação de multas gira em torno do incentivo de inadimplência que é gerado com a medida. “Claro que a concessionária prefere que o usuário pague a tarifa. Mas a multa continua sendo um mecanismo importante de enforcement. Isso faz parte da experiência internacional em todos os países. Em algumas realidades o enforcement é ainda mais rigoroso que aqui. E onde teve fragilização, o free flow não deu certo”, afirmou Barcelos.
Na África do Sul, por exemplo, a suspensão de multas levou a uma queda drástica da adimplência (de entre 70% e 80% para 20%).








