30/07/2025 | 08h00  •  Atualização: 17/09/2025 | 09h09

Regra para embarcação verde só sai em novembro e BR do Mar patina com pontos em aberto

Foto: José Fernando Ogura/AEN-PR

Marília Sena, da Agência iNFRA

A indefinição sobre o critério de embarcação sustentável no Brasil deixou uma ponta solta importante no decreto de regulamentação do BR do Mar. A avaliação no setor é de que esta e outras questões que continuam em aberto comprometem a alavancagem do programa idealizado para estimular a navegação de cabotagem (porto a porto) no Brasil, podendo até travar investimentos. O decreto foi publicado no último dia 16, após mais de três anos de espera desde a sanção da lei, idealizada e sancionada ainda durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
 
Além da portaria que vai definir o que são embarcações verdes, estão na fila de pendências os conceitos de contrato de longo prazo, que serão ainda definidos com o auxílio da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), e o problema estrutural de mão de obra disponível para atender ao mercado.

A expectativa do governo é publicar as regras sobre embarcação sustentável durante a COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025), que acontecerá em Belém (PA) em novembro. A definição é chave para o BR do Mar porque está diretamente vinculada à flexibilização do afretamento a tempo – aluguel de navio que mantém a bandeira de fora e, portanto, gera menos custos para quem faz a contratação.

Quando criado, o programa tinha a expectativa de que uma maior abertura ao uso de navios estrangeiros na navegação de cabotagem pudesse reduzir custos nesse transporte e até dobrar sua participação na matriz de transportes do país, hoje limitada a algo na casa dos 8%, segundo dados oficiais. Mesmo sem toda a regulamentação, empresas começaram a se utilizar da lei para trazer mais navios estrangeiros para o transporte marítimo na costa, mas em volume aquém das expectativas anunciadas.

Na escala de flexibilização desse tipo de afretamento baseado em frota própria, a condição mais vantajosa será dada aos navios verdes. A companhia poderá alugar até três vezes o que tiver de lastro em navio brasileiro se tanto a frota estrangeira quanto a nacional forem de embarcações sustentáveis. Portanto, sem que o mercado saiba o que o governo vai considerar como navio sustentável, o alcance do decreto fica limitado. 

O vice-presidente da Abac (Associação Brasileira de Cabotagem), Luis Fernando Resano, disse que a pendência trava investimentos e gera insegurança. Os critérios de embarcação sustentável também vão afetar os afretamentos a casco nu – quando a bandeira de fora é suspensa e o barco precisa obedecer ao regramento brasileiro. 

Diferentemente do aluguel a tempo, a flexibilização do BR do Mar em operações “casco nu” já passou a valer com a lei de 2022. O decreto deste ano, por sua vez, atrelou a modalidade aos requisitos de embarcação sustentável nos casos em que não há exigência de lastro nacional. 

Segundo Resano, navios afretados a casco nu que já operam no país poderão ser desqualificados quando os parâmetros forem definidos. “A gente tem a lei, mas não sabe se a regulamentação será branda ou rigorosa”, avaliou à Agência iNFRA. “Não somos contra a sustentabilidade, mas a falta de critérios claros pode gerar prejuízos se os custos se tornarem inviáveis”, alertou. 

A expectativa é de que o MPor (Ministério de Portos e Aeroportos) abra consulta em breve sobre o tema. Lá, a Abac quer apresentar suas preocupações, destacando que o Brasil ainda não oferece combustíveis alternativos viáveis. “Queremos ampliar a cabotagem. Mas, se os custos aumentarem, as cargas podem voltar para o rodoviário”, afirmou.

O diretor de Transportes Aquaviários da Logística Brasil, Abrahão Salomão, foi na mesma linha e observou que um dos critérios estabelecidos para fomentar o uso de embarcações sustentáveis são os biocombustíveis, que, por sua vez, ainda não estão adequados à navegação. 

Sobre as críticas, o secretário nacional de Hidrovias, Dino Antunes, reforçou que a meta é publicar a portaria na COP30 e avaliou que, “considerando a natureza das decisões envolvidas”, não se trataria de um tempo longo para as definições. Pelo decreto, os critérios e as diretrizes para o afretamento de embarcação sustentável serão estabelecidos em ato conjunto do MPor e do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). 

Mão de obra brasileira
As exigências do BR do Mar para a contratação de brasileiros, mesmo em navios estrangeiros, é outro ponto sensível para o mercado. Representantes do setor argumentam que, embora a intenção seja positiva, faltam profissionais qualificados. Apenas a Marinha do Brasil forma marítimos para a marinha mercante, e a oferta é considerada insuficiente. 

O problema já foi reconhecido dentro do governo em outras oportunidades. No ano passado, durante um evento, Antunes chegou a afirmar que o sistema de formação beira o modelo comunista. O decreto do BR do Mar reforçou a obrigação de fiscalização quanto à admissão de tripulantes brasileiros tanto em embarcações nacionais inscritas no REB (Registro Especial Brasileiro) quanto em estrangeiras. Mas não avançou em medidas para fortalecer a formação de mão de obra.

“Somos favoráveis a empregar o brasileiro, mas o MPor deveria pensar um pouco neste momento que nós temos falta de marítimos brasileiros”, afirmou o vice-presidente da Abac. Já o secretário de Hidrovias ressaltou que a formação de tripulantes não é um assunto que depende de decreto. Ele reforçou que já existem ações da Marinha trabalhando no assunto, com o apoio da pasta. 

Longo prazo e operação especial
Outro ponto em aberto é a definição dos contratos de longo prazo na cabotagem. A legislação do BR do Mar define uma série de hipóteses para o afretamento a tempo, entre elas o atendimento exclusivo de contratos de transporte de longo prazo, cujos detalhes ficaram delegados à regulamentação. 

O decreto deste ano estabeleceu apenas que as cláusulas especiais desse tipo de contrato serão definidas pelo MPor, ouvida a ANTAQ. Uma consulta pública sobre o assunto foi aberta no último dia 17 pela pasta, com prazo para envio de contribuições até quinta-feira (31). A minuta proposta pode ser conferida aqui.

Segundo o MPor, entre os pontos centrais estão a alocação de riscos entre as partes, prazo mínimo de vigência contratual de cinco anos e a previsão de multa em caso de rescisão antecipada. Outra hipótese de afretamento a tempo é para as operações especiais de cabotagem, que são para transporte de cargas em tipo, rota ou mercado ainda não existentes ou consolidados na cabotagem brasileira. Neste caso, o decreto diz que a caracterização caberá à ANTAQ. 

Além disso, por parte do órgão regulador, pelo menos duas resoluções ainda precisarão ser revistas. A RN (Resolução Normativa) nº 129, que trata do afretamento, passará por reformulação, assim como a Resolução nº 05, que define os critérios para outorga de autorização EBNs (Empresas Brasileiras de Navegação). Entre as mudanças está a criação da figura da “outorga condicionada”, que obriga a empresa a operar exclusivamente com o tipo de serviço autorizado.

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