*Roberto Rockmann
As diretrizes, regras e regulamentação para a prorrogação das concessões de distribuição de energia, ou uma eventual relicitação das mesmas, deveriam ter sido estabelecidas pelo governo federal em julho de 2022.
Isso é o que diz o acórdão do TCU (Tribunal de Contas da União) de 2015, emitido no contexto do monitoramento das concessões de distribuição prorrogadas com base na MP (Medida Provisória) 579, de 2012. O documento poderá ser mais um fator de pressão para acelerar o debate sobre as outorgas de distribuição de energia elétrica com vencimento nos próximos dez anos.
O Acórdão 2.253/2015, cuja relatoria foi de José Múcio Monteiro (hoje ministro da Defesa), determina no item 9.5 que o Ministério de Minas e Energia “deve adotar as providências para definição, com antecedência mínima de três anos do termo final dos contratos de concessões de distribuição”. O não cumprimento poderia ensejar a aplicação da penalidade de multa prevista no art. 58, inciso IV e § 1º, da Lei 8.443/1992.
O primeiro contrato de distribuição a expirar é o da EDP-ES (antiga Escelsa, privatizada em 1995), em 16 de julho de 2025. Assumindo a existência de comando legal autorizativo (artigo 7º da Lei 12.783/2013, resultante da MP 579/2012), essas condições regulamentares para eventual prorrogação da concessão deveriam ter sido estabelecidas pelo governo federal em julho de 2022.
A concessionária tem 36 meses para manifestar sua intenção de renovação ou não (o que a EDP já fez) e o poder concedente dispõe de 18 meses para tomar a sua decisão. O ministério tem até 17 de janeiro de 2024 para dar a resposta à empresa.
Mais sete meses
No entanto, o governo Bolsonaro teria pedido extensão do prazo por mais sete meses, até fevereiro deste ano. A equipe do então ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, trabalhou para desenvolver estudos e elaborar um conjunto de diretrizes gerais sobre a questão e até articulou o lançamento de uma consulta pública ainda no ano passado.
E-mails trocados ao final de 2022 – a que tivemos acesso – confirmam que, diferentemente do que fora anunciado por representantes do ministério em eventos públicos entre junho e agosto, a abertura de consulta pública sobre diretrizes para a renovação de concessões de distribuição com vencimento a partir de 2025 não ocorreria até o final do exercício. Ficariam para o atual governo.
Em uma das mensagens eletrônicas, constam informações de que as áreas técnicas do ministério “concluíram os estudos e encaminharam relatório ao Tribunal de Contas da União, que acompanha o assunto em auditoria sobre o tema”. Também destacam que “a proposta para as concessões vincendas de distribuição foi concluída e será entregue à nova equipe do MME”.
Sob o cronograma da lei ou do TCU, o tempo corre, não apenas porque algumas das distribuidoras enfrentam dificuldades para se financiar, como também porque as novas condições desses contratos deveriam ser submetidas à consulta pública, para evitar o processo traumático ocorrido entre setembro de 2012 e janeiro de 2013, com a MP 579.
O assunto da renovação das concessões tem movimentado as distribuidoras. As diretorias da Light e da Enel estiveram em Brasília na semana passada conversando com o ministro Alexandre Silveira e com a diretoria da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Revisão tarifária periódica
O tema ganhará mais um estopim em breve: em 15 de março, a Enel-RJ será submetida à sua revisão periódica de tarifas, processo que ocorre a cada cinco anos em média.
Ele trata do reposicionamento tarifário, compartilhamento de ganhos de eficiência, redimensionamento do mercado, definição dos correspondentes limites dos indicadores de continuidade de Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (DEC) e Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (FEC), para o período de 2024 a 2028. Essa revisão é diferente do reajuste anual.
O que está em jogo?
No segmento de distribuição, existem 20 contratos com término entre 2025 e 2031, de concessões como a da Light e da Enel-RJ. Na transmissão, são 24 contratos com vencimento de 2025 a 2032, sendo os três primeiros resultantes da privatização da Escelsa, Light e Coelba, que eram empresas verticalizadas.
Já na geração, são 83 concessões de hidrelétricas que expiram de 2022 a 2032, excluindo Tucuruí e Mascarenhas de Morais, que pertencem a Eletrobras e tiveram seus contratos renovados na privatização da estatal.
Em distribuição, as concessões vincendas respondem por cerca de 60% do mercado nacional. O tratamento para o término dos contratos será estratégico para orientar o perfil da concessão e os investimentos nas próximas décadas. Os grupos Enel, CPFL, Neoenergia e EDP respondem conjuntamente por 81% do mercado vincendo.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.