Renovação das concessões deve permitir novos negócios para distribuidoras, mas é preciso base legal, dizem advogados

Roberto Rockmann*

Enquanto distribuidoras e investidores aprofundam as discussões com o governo sobre a renovação dos contratos de distribuição vincendos entre 2025 e 2031, análises de advogados apontam receios sobre a falta de detalhamento de alguns pontos da nota técnica que abriu a audiência pública sobre o tema. As contribuições da audiência pública vão até 24 de julho.

Análises jurídicas de dois grandes escritórios de direito apontam para a necessidade de alterações estruturais legais para apoiar os negócios das distribuidoras em um contexto que combina descentralização, abertura do mercado e novos serviços. Sem alterações legais, problemas atuais persistirão, o que teria impacto sobre o equilíbrio econômico-financeiro. Também há preocupação sobre as contrapartidas sociais que poderão ser criadas e o financiamento delas. Teme-se que possa haver aumento de custos e tarifas.

Na nota técnica, está escrito que o processo de abertura do mercado é “inevitável”. O documento ainda destaca que o novo contrato deverá conter novas cláusulas que devem contemplar “autorização para o concessionário exercer outras atividades empresariais e oferecer novos serviços aos consumidores, por sua conta e risco, que devem favorecer a modicidade tarifária”.

Separação do fio e energia
“Trata-se de uma renovação de contrato e se expõem novas cláusulas, mas há uma discussão estrutural que caminha em paralelo. Sem resolver questões estruturais, como ficará a sustentabilidade econômico-financeira do contrato? A nota técnica aponta para a modernização e a separação fio e energia, mas não especifica como isso será tratado: será no Congresso? Ou a renovação avançará sem direcionamento desse ponto? O futuro precisa da resolução do presente”, pondera Fabiano Brito, sócio de energia do Mattos Filho Advogados.

PL (Projeto de Lei) 414/2021, no Congresso, trata da modernização e da separação entre fio e energia, mas está parado desde o fim do ano passado. Não há indicação de qual seu grau de prioridade no governo.

As distribuidoras atuarão nos próximos 30 anos em um cenário totalmente diferente dos anos 1990. Boa parte dos contratos assinados que pode ser renovada agora foi assinada entre 1995 e 1998. O primeiro consumidor livre é de novembro de 1999. Se há três décadas o mercado livre era incipiente, hoje ele responde por um terço da carga, parcela que irá aumentar com a ampliação a partir de janeiro de 2024, quando todos os consumidores ligados à alta tensão ganharão liberdade. A descentralização hoje, com a GD (Geração Distribuída) solar, é crescente. De um lado, a base de pagantes cai. De outro, a tarifa pesa mais para quem fica.

Distribuidoras serão minioperadoras
Nesse novo ambiente, as distribuidoras poderão tornar-se minioperadoras de redes e obter receita sendo uma plataforma de serviços, vendendo soluções como eficiência energética ou até serviços de geração distribuída. Para isso, um ponto essencial é a separação fio e energia.

Para o sócio do Lefosse Advogados, Raphael Gomes, a modernização do setor precisa ter base jurídica para que o modelo possa criar inovação e trazer bons resultados para todos os elos. “A separação lastro e energia precisa de uma base legal porque exige uma alteração em relação à lei que criou o novo modelo em 2004, em que se previa que lastro e energia compunham um produto. Sem uma regulação para embasar uma nova visão do setor elétrico, correm-se riscos de que o processo mantenha as ineficiências atuais e a sustentabilidade econômico-financeira dos contratos continue com fragilidades.”

Contrapartidas
Não são as únicas preocupações. As contrapartidas sociais também têm trazido questionamentos e receios sobre seu financiamento e os custos. Sem equacionar essas dúvidas, há ameaças sobre as tarifas. À página 22, quando se fala das contrapartidas sociais, no ponto “c”, trata-se da “promoção do desenvolvimento econômico e social de populações carentes, por meio de ações exclusivas do setor de energia elétrica”.

“Esse ponto pode ser tudo, de geladeira eficiente à instalação fotovoltaica”, aponta Gomes. “Serão novas obrigações? Quais serão? Qual o custo? Essas medidas sociais teriam de ser contempladas no Orçamento Geral da União para evitar que isso seja repassado para a tarifa, cuja estrutura está cada vez mais pesada”, destaca Brito.

Reuniões 
Enquanto análises jurídicas ganham corpo, as primeiras reuniões entre investidores e as distribuidoras sobre a renovação das concessões com o governo foram realizadas na semana passada. Primeiro, um grupo de cerca de dez gestores conversou com o subsecretário de Assuntos Econômicos e Regulatórios, Gustavo Manfrim. Depois, distribuidoras se reuniram com a equipe técnica do ministério.

A expectativa é de que o decreto com a regulação sobre o tema seja enviado em setembro pelo Ministério de Minas e Energia para a primeira análise da Casa Civil.

Na semana passada, nas duas reuniões, a principal frente de discussão deu-se em relação às contrapartidas sociais e à fórmula de cálculo de eventuais excedentes econômicos. Nos últimos dias, têm circulado estudos sobre o cálculo proposto na nota técnica.

De acordo com análise de um banco, a metodologia usada na nota técnica para identificar a existência de excedentes econômicos pode emitir sinais equivocados, já que está muito atrelado ao indicador usado nos reajustes de custos. Parte de ganhos dos últimos anos estaria ligada ao IGP-M, mas não seria recorrente no futuro.

Distribuidoras e investidores defendem que não existem excedentes a serem compartilhados porque o modelo de licitação por serviço pelo preço, implementado nos contratos, prevê que eventuais ganhos sejam compartilhados nas revisões periódicas de tarifas.

Os excedentes econômicos também poderiam ser usados para financiar contrapartidas sociais. Como a metodologia é frágil, cria-se a preocupação de como será feita essa modernização. “Se não há excedentes, como fica o financiamento dessa modernização?”, questiona um consultor. Implementar a ideia sem base poderia criar até pressões inflacionárias, já que todo custo a mais não absorvido teria de ser repassado para a tarifa.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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