Renovação dos contratos de concessão passa a ser prioridade para as distribuidoras

Roberto Rockmann e Leila Coimbra, da Agência iNFRA


A possibilidade de renovação dos contratos de concessão de distribuição que expiram entre 2025 e 2031 é o tema prioritário das grandes companhias do setor elétrico hoje, no país. O tema afeta aproximadamente 60% dos consumidores de energia brasileiros. São contratos que reúnem cerca de 55 milhões de clientes e faturamento de mais ou menos R$ 170 bilhões em 2021, segundo dados compilados pela FGV-Ceri.
 
São cerca de 20 contratos, que envolvem as primeiras privatizações de distribuidoras no país feitas a partir da metade dos anos 1990. Grandes grupos como EDP, CPFL, Enel, Energisa, Light, Neoenergia detêm essas concessões, que estão para completar 30 anos e terminar.
 
As distribuidoras envolvidas priorizam o tema e buscam que ele avance ainda neste ano com o governo federal com temor de que a discussão possa se politizar, enquanto associações de consumidores e novos entrantes observam a questão bilionária de perto de olho nas oportunidades que ela cria.
 
Os contratos incorporaram cláusulas que permitem a renovação da concessão, mediante a anuência do poder concedente, com o argumento de que o risco dos primeiros investidores e de mudanças no modelo eram altos.
 
A discussão não é nova. Em 2018, o governo federal se debruçou sobre ela. Havia partidários de relicitar os contratos, meio visto como uma forma de reduzir as tarifas e atrair novos players. Outros indicavam que poderia ser feita a prorrogação com cobrança de bônus. “A questão do modelo foi tensa. O Ministério da Economia preferia relicitar, era tema de pouco consenso”, disse uma fonte que participou das discussões.
 
Relicitar ou renovar?
Eis a difícil resposta que o governo federal terá de tomar. Relicitar seria uma forma de atrair novos players para o setor, que estão de olho na transformação que o setor de distribuição poderá se tornar, com a chegada de novos serviços por exemplo com a eventualidade de avanço das redes inteligentes.
 
Relicitação também poderia permitir reduzir as tarifas, o que cria preocupação para as distribuidoras de que políticos assumam o comando do assunto.
 
Para as concessionárias, a renovação é um mantra a ser buscado a todo custo diante de um mercado em disrupção por conta do avanço da geração distribuída solar e a potencial abertura total do mercado livre. Renovar é ter acesso a esses 55 milhões de clientes com maior poder aquisitivo do país e poder vender mais serviços para esses consumidores.
 
Os grandes players que detêm esses contratos não estão dispostos a abrirem mão. “Se perderem as concessões, o valor das listadas em bolsa pode sofrer queda. Renovar também terá impacto sobre as condições de financiamento futuras porque o fluxo de caixa será fortalecido”, aponta uma fonte do setor financeiro.
 
Primeira é a EDP-ES
A primeira distribuidora que passará pelo processo é a EDP-ES, privatizada em 1995 sob o nome de Escelsa. Seu contrato expira em julho de 2025. Pelas regras, a empresa precisa manifestar interesse em renovar 36 meses antes do prazo. Isso já foi feito, segundo fontes.
 
Em teleconferência com analistas no início do ano, o presidente da empresa, João Marques da Cruz, disse que esse era “um assunto muito importante, mas estamos totalmente confiantes, tal como uma parte significativa do mercado está confiante, incluindo agências de rating, que consideram uma probabilidade muito elevada de nós conseguirmos esta prorrogação da concessão”.
 
Contratos sob um novo contexto
O caso da EDP-ES é considerado emblemático por ser o primeiro a tratar de renovação de concessão de distribuição e por poder indicar os critérios a serem adotados. Para especialistas, esses contratos que podem ser renovados ou relicitados devem ser olhados sob o prisma da descentralização, digitalização e descarbonização, ou seja, terão de olhar o futuro em transformação do setor elétrico.
 
“São contratos que têm de incorporar esse contexto, poderão ser a espinha dorsal da nova regulação de um novo momento do setor e precisam passar por consulta pública para que toda a sociedade possa participar”, diz Joisa Dutra, diretora do FGV-Ceri, uma das organizadoras de um livro sobre as concessões de distribuição, geração e transmissão que estarão para vencer nas próximas décadas.
 
O livro será lançado em 20 de julho e já foi entregue ao Ministério de Minas e Energia. “Rede inteligente não é programa de P&D e é uma forma de descarbonização, por exemplo. Não se pode desperdiçar a chance.” Ela não enxerga chances de o processo ser finalizado ainda neste ano. “É preciso que seja feita uma consulta pública com tempo hábil para manifestações e não haja atropelos.”
 
“O processo é diferente das concessões daquelas alcançadas pela MP [medida provisória] 579, para as quais não havia previsão de prorrogação, mas ainda não temos parâmetros claros para isso”, diz o advogado Rodrigo Machado, sócio do Madrona Advogados.
 
Para o ex-diretor da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) Edvaldo Santana, os contratos criam uma oportunidade. “Acho mais interessante trocar a ampliação da concessão pela assunção de boa parte dos custos dos contratos legados. Facilita a liberação do mercado. Muito mais que o PL 414/2021”, afirma.

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