Retomada da confiança entre agência e setor regulado mudou o setor de transporte, avalia diretor-geral da ANTT

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

“O setor regulado não confiava na agência. E a agência olhava o setor regulado sempre com desconfiança.” Essa é a descrição da situação que o engenheiro Rafael Vitale diagnosticou em 2021 ao chegar à diretoria-geral da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) numa situação inusitada: “Em menos de 30 dias eu fui convidado, sabatinado e assumi o cargo”.

Quatro anos depois, ao fim do seu mandato, ele lembra que já na sabatina houve uma série de críticas duras à agência e cobranças para solucionar problemas que se arrastavam há décadas, como a paralisação de obras de concessões de rodovias e ferrovias e a briga pelo mercado de transporte rodoviário de passageiros.

E, pior, ele assumia sob a desconfiança do mercado e da própria agência por ser alguém que não tinha relação direta com o tema, nunca ter liderado uma instituição e ser um servidor pouco conhecido no setor de transporte terrestre. “Isso até causou um pouco de ansiedade”, reconhece.

Uma situação que indicava poucas chances de sucesso se reverteu ao longo dos anos no que vem sendo reconhecido por diferentes setores no governo e no mercado como uma transformação da agência. Vitale avalia que a ANTT deixou de “ser o patinho feio” para querer se transformar na melhor agência de regulação do país.

“A gente tinha que fazer uma verdadeira mudança cultural da agência. Esse foi o principal diagnóstico”, disse Vitale em entrevista à Agência iNFRA, na semana passada, sobre sua passagem pela diretoria-geral.

A mudança cultural era necessária, segundo o diretor-geral, porque a agência tem quadros técnicos e estrutura adequada. Mas ele não via comprometimento no trabalho. “Tava meio sem alma, sabe? Um trabalho sem um propósito maior.”

O início do que é chamado de uma transformação da ANTT começa, segundo Vitale, com o resgate do orgulho de trabalhar na agência. E isso se torna visível com uma medida simbólica: vestir a camisa da agência.

Ele e os diretores passaram a usar com frequência o uniforme de fiscalização da ANTT em cerimônias, encontros e viagens. Aliada a uma intensa e planejada campanha de comunicação sobre a produção e os benefícios gerados pelas ações da agência, o modelo começou a resgatar a autoestima dos servidores.

“Tivemos que comprar mais camisas. Teve até que comprar camisa diferente para terceirizado, estagiário”, contou o diretor-geral.

A nova comunicação estava aliada a mudanças profundas na estrutura da agência, que Vitale disse que passou a ser organizada com uma lógica visando a uma presença maior nas pontas. E também maior autonomia para que as equipes pudessem “resolver problemas”.

“Eles se sentiram mais empoderados, encorajados de propor coisas diferentes. Sempre trouxe essa visão, um grande slogan, que é: o sucesso da concessão é o sucesso da agência e vice-versa”, contou Vitale.

A mudança cultural da agência ganhou um nome, o ProRev, que Vitale martelou como lema ao longo de sua jornada na agência, para traduzir o que ele classificou como as três revoluções que eram preciso para transformar o setor: comportamental, regulatória e tecnológica. Vitale conta que, entre os servidores da agência, quando algo é considerado muito positivo ou de qualidade, é chamado de ProRev. 

Desconfiança do mercado e controladores
Se internamente, a confiança estava retomada, sobrava ainda os anos de desconfiança de outros órgãos da administração, especialmente o TCU (Tribunal de Contas da União), e do mercado regulado, que via as concessões com passivos não resolvidos por cinco ou até 10 anos. 

Internamente, a percepção era de que concessionária “chora demais”, “não é transparente” e por isso os problemas não eram resolvidos. Vitale disse que foi necessário trabalhar para alterar a forma de tratar esse tema com os servidores.

“Eu dizia: ‘Gente, nós somos uma agência, a gente que dá o drive. Nós vamos dar a mão e sair andando. A concessionária que der a mão pra gente, a gente vai andando junto, porque é uma parceria'”, explicou o diretor-geral sobre a retomada da confiança entre os regulados.

Com o TCU, as reuniões passaram a ser semanais com a área técnica do órgão, como forma de tratar cada uma das centenas de passivos de cada contrato do setor. Isso foi fundamental para que o primeiro grande passivo da agência, o contrato de concessão da BR-163/MT, tivesse uma solução até então inédita: um acordo para praticamente fazer o contrato e passá-lo, sem caducidade ou disputa judicial, para uma outra empresa pública estadual.

Vitale lembra que a solução desse contrato em 2022 fez com que em menos de dois anos fossem implementados 140 quilômetros de duplicação numa das rodovias mais perigosas do país após quase uma década de obras paradas. É o início da SecexConsenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos) no tribunal de contas.

“Interessante é a construção”
O mesmo espírito de consenso também foi fundamental para outra solução, a retomada das obras da Ferrovia Transnordestina, que quando ele chegou à agência tinha uma proposta de declaração de caducidade. 

“Caducidade não era o mais interessante para o povo. O interessante era a construção da ferrovia”, disse Vitale, lembrando que há perspectiva, neste ano ainda, após quase duas décadas de construção, de a ferrovia já transportar carga após a retomada das obras com mais velocidade em 2023. 

Concluir o Contorno de Florianópolis, em Santa Catarina, uma obra que também ficou quase uma década entre idas e vindas, e retirar a concessão da ViaBahia, na Bahia, também está na lista de feitos que Vitale diz que resolveu e que foram pedidos públicos feitos em sua sabatina.

Mas a pacificação do transporte rodoviário de passageiros vai ter que ficar para o sucessor. “Nós trouxemos um mínimo de coerência para o setor”, defende Vitale sobre as mudanças regulatórias que a agência promoveu em sua gestão, mas que estão parcialmente barradas na Justiça e enfrentam críticas dos novos entrantes do mercado.

“Buscamos evitar judicialização, trazer previsibilidade, estabilidade para o setor, para que as empresas possam concorrer, de maneira isonômica. E, aí sim, prestar um bom serviço e ganhar market share dentro de um ambiente regulatório estável”, defendeu o diretor-geral.

“Agência confiável”
Já no setor de concessão de rodovias, a transformação na agência, na visão de Vitale, fez com que fosse possível florescer um mercado diverso, com players de diferentes setores e países, buscando estar presentes nos projetos que formam o que é considerada a maior carteira de concessões do setor no mundo. 

“O crédito por voltar a ter competição, tração de capital externo, operadores externos que vivemos a partir de 2024, eu credito não apenas à melhoria da regulação do contrato e dos estudos, mas também à percepção de que a ANTT é uma agência confiável”, disse Vitale.

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