Rui Chammas, CEO da ISA Cteep: “Uso de baterias de armazenamento será essencial”

Roberto Rockmann, especial para a Agência iNFRA

O avanço das fontes intermitentes na matriz de eletricidade, a maior complexidade na operação do sistema, além da nova fronteira da geração eólica a partir da força dos ventos marítimos são algumas das novas oportunidades de serviços e negócios. A ISA Cteep, empresa de transmissão de energia, tem investido em inovações, como a primeira subestação digital do país e o primeiro banco de baterias ligado à rede básica, dentro dessa nova realidade.

“Esse avanço das renováveis na geração de energia cria inequações. Primeiro, tem um problema de qualidade de frequência, variação de voltagem. Em alguns momentos, há excesso de oferta de carga e não é fácil regular, não consegue baixar uma térmica ou modular uma hidrelétrica. O uso de bateria, de armazenamento, passa a ser essencial. Isso será a realidade, não tenho a menor dúvida”, diz o CEO, Rui Chammas.

As subestações digitais também ganharão espaço nos próximos anos, seja em modernizações da empresa, seja em novos projetos. A maior complexidade em operar o sistema exigirá maior dados e análise deles por meio de inteligência artificial.

Energia eólica offshore deverá responder por uma parte importante do avanço da fonte na matriz, o que exigirá conexão dessas usinas à terra, o que abre oportunidades. Nesta entrevista exclusiva, Rui destaca a estratégia da empresa frente ao cenário de transição energética.

Roberto Rockmann – Vocês estão em um ciclo de crescimento que vai entregar um número grande de projetos nos próximos meses. Como está o andamento?
Rui Chammas, CEO da ISA Cteep – Estamos animados com o processo de crescimento do investimento feito, seja de projetos novos, seja de reforços e melhorias. Nos últimos seis anos, a companhia arrematou 14 lotes em leilões de transmissão realizados pela ANEEL, que somam capex, ponderado pela participação da ISA Cteep, de R$ 6,3 bilhões com incremento da RAP (ciclo 2021/2022) de cerca de R$ 684 milhões, após a entrada em operação dos ativos. Até setembro de 2021, foram investidos cerca de R$ 2,8 bilhões. Nos últimos três anos, a Companhia investiu em média R$ 240 milhões por ano em reforços e melhorias nos seus próprios ativos. É importante colocarmos o contexto que tem permitido esse ciclo de investimento.

Em 2016, o governo federal fez uma revisão de alguns parâmetros dos leilões, com melhoria por exemplo do WACC (custo médio ponderado de capital, que é a taxa que se espera que uma empresa pague em média a todos os seus detentores de títulos para financiar seus ativos). O governo também lançou uma portaria na qual determinou à ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica] que calculasse o valor de indenização da Rede Básica do Sistema Existente com prazo de até oito anos para pagamento, discussão fruto da MP 579 e da consequente Lei 12.783 e que foi concretizada na revisão tarifária realizada em 2019 e 2020. (Em junho de 2020, a ANEEL revisou as Receitas Anuais Permitidas [RAPs] de nove transmissoras que tiveram seus contratos prorrogados pela Lei 12.783. O sinal foi interpretado como o fim definitivo das indefinições trazidas com a nova regulação vinda da MP 579 de setembro de 2012. As nove transmissoras tiveram seu RAP médio elevado em 13,82%, passando de R$ 13 bilhões para R$ 15,6 bilhões.) Essas medidas permitiram que a gente voltasse para o jogo.

Segundo comunicado recente ao mercado, a companhia possui autorizações para 258 projetos, que somam R$ 2,3 bilhões em investimentos, que poderão ser executados nos próximos cinco anos. Desse montante, já foram realizados 10% e o restante (R$ 2,1 bilhões) será realizado nos próximos anos. Como está esse projeto?
Temos uma série de projetos em São Paulo, por exemplo, para deixar a rede ainda mais confiável e eficiente. É um processo contínuo. Uma empresa como nós, regulada pela ANEEL, tem dois tipos de investimentos. Um é o de melhorias: tem um equipamento, já está depreciado, na nossa matriz aponta que ele pode ser trocado, e fazemos esse registro contábil e recebemos essa “recompensa” da substituição do antigo pelo novo. Os reforços são quando fazemos algo a mais, como aumento de potência. Eles são remunerados pelo WACC regulatório com base no banco de preços da ANEEL.

Há estimativa de quanto eles podem trazer de reconhecimento de receita para vocês nesses cinco anos?
Não temos publicado essa estimativa porque esses investimentos são reconhecidos em momentos diferentes e a gente tem tomado cuidado de não dar uma direção errada ao mercado, uma vez que o banco de preços da ANEEL e o WACC evoluem, assim como os meus custos.

Nos últimos anos, vocês arremataram 14 lotes em leilões de transmissão. Como está o andamento dos projetos que ainda entrarão em operação nos próximos meses?
Ganhamos 14 lotes desde 2015. Desses, cinco já foram entregues, sendo que nove deles estão em construção neste momento. Deverão ser entregues, em 2022, cinco ou seis, o restante em 2023. Temos também investido muito em inovação, que é uma parte importante de nossa estratégia. Entregamos ano passado a primeira subestação digital do Brasil, sem comando de fio de cobre, com fibra ótica, assim podemos avançar em uso de dados em grande quantidade, inteligência artificial. Outro projeto, ao qual recebemos autorização da ANEEL em dezembro, estamos investindo neste ano, é o primeiro banco de baterias de grande escala que fará parte da rede básica e que irá resolver o problema de pico de demanda no litoral sul de São Paulo. São dois projetos de destaque.

Esse projeto de baterias é o maior de armazenamento no setor elétrico e mostra um potencial segmento novo em que as transmissoras poderão ingressar. Novo mundo se abre?
É o maior projeto de armazenamento do Brasil e o maior ligado na rede básica. Na crise hídrica que tivemos ano passado, algumas coisas marcaram o sistema elétrico nacional. Um: a necessidade da região Centro-Sul de importar de outros países e de outras regiões, como o Nordeste. Em paralelo, um pacote de incentivo à energia solar, seja de parques híbridos, seja de mini e microgeração distribuída. Esse avanço das renováveis na geração de energia cria inequações. Primeiro, tem um problema de qualidade de frequência, variação de voltagem. Em alguns momentos, há excesso de oferta de carga, e não é fácil regular, não consegue baixar uma térmica ou modular uma hidrelétrica. O uso de bateria, de armazenamento, passa a ser essencial. Isso será a realidade, não tenho a menor dúvida. Isso já aconteceu em outros países e irá ocorrer no Brasil. Esse avanço das renováveis também irá requerer um investimento importante em transmissão e isso já é visível: no leilão agora de junho, você tem três lotes, Lotes 1, 2, 3, com investimentos da conexão da energia solar do Norte de Minas Gerais e eólico do Nordeste com o Centro-Sul.

Em algumas regiões, será preciso de algum fluxo de pico. Em alguns casos, é melhor você ter  uma bateria do que construir uma nova linha que ficará ociosa por um período longo. Você perguntou por que a transmissão vai fazer esse investimento. Eu te respondo: porque a regulagem da carga, a disponibilidade da energia, da frequência, tem de ser feita por quem está coordenando isso sem olhar a arbitragem de preço. Pode ter casos em que se deixa com o consumidor e gerador, mas pensando no sistema, o sistema quer saber o que o gerador entrega, a demanda do consumidor e como regulo o resto. Na regulagem do resto, a bateria ganhará espaço.

Esse projeto de bateria fica operacional neste ano?
Sim, fim do ano. Nosso compromisso com a ANEEL é de que ele esteja funcionando até dezembro.

Bem-sucedido esse projeto, vocês terão outros?
Já estamos mapeando outras condições sistêmicas, que outros possam fazer o mesmo papel, como em São Paulo. Temos uma equipe que está monitorando, que analisa pontos que precisarão ser reforçados e aí conversamos com o governo sobre isso. Pode ser uma subestação digital, um banco de bateria, um reforço mais simples. Mas cabe frisar que esse primeiro projeto é um laboratório setorial, será o primeiro que o ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] irá operar. Será um aprendizado para todos.

Vocês investiram na instalação da primeira subestação digital no Vale do Paraíba (SP). Vocês colocarão outras em operação em outras áreas?
Sim, a tendência é de que iremos investir mais nelas, sejam novas, seja em modernização de existentes. Já temos algumas em projeto. Essa primeira foi um projeto piloto, é uma crença nossa. Não podemos nos esquecer de uma coisa: a matriz está se diversificando, mais intermitência, o ingresso de renováveis é maior, o papel do Operador Nacional do Sistema se tornará cada vez mais complexo. O fluxo de energia será cada vez menos linear. Será uma rede neural, com consumidor que é gerador, geradores que exportam, geradores intermitentes, distribuidoras com minirredes. Cada vez mais os elementos serão pilotados de forma variada. Para fazer bem, tem de ter conhecimento e tem de acompanhar os equipamentos em tempo real. Então é fundamental coletar dados em tempo real e saber manutenções preventivas. Para ter esses dados em grande quantidade e tratá-los com inteligência artificial, será preciso ter esse novo olhar integrado de inovação.

Vocês têm uma meta de quantas subestações digitais serão instaladas? Haverá uma segunda neste ano? Quantas estão em projeto?
Não tenho uma meta. Esse número irá crescer, cada uma analisada está sendo verificada se pode passar para digital. Até vou pesquisar isso para usar no discurso.

Uma novidade regulatória recente é o decreto de eólicas offshore, que poderão ter crescimento grande no Brasil, até incentivadas pelas petroleiras do pré-sal que estão buscando reduzir sua pegada de carbono, parte das torres entre Espírito Santo e Rio de Janeiro. Estão olhando linhas subaquáticas?
Esse tema tem sido motivo de namoro há algum tempo. Há pouco tempo, fizemos a travessia num cabo subaquático que conecta a ilha de Santa Catarina com o continente, projeto que será energizado neste ano. Estamos olhando o decreto com bons olhos, mas tem pontos a serem regulamentados, como vai ser a conexão do offshore com a rede, serão conexões dedicadas em regiões. Temos interesse em participar, seja com alianças com investidores privados, seja em licitações que forem criadas. Fala-se em mais de três mil torres offshore no Brasil com distâncias da costa, é uma oportunidade interessante que iremos analisar. Vamos tratar com mais intensidade agora com essas regras saindo.

Neste ano, temos previstos dois leilões, cujos investimentos somados são de pouco mais de R$ 8 bilhões, quase o dobro do volume licitado no ano passado. Estão analisando a participação? O que interessa?
Primeiro, sim, estamos analisando o próximo leilão de junho, que é mais material. Em todo leilão, escolhemos os que têm mais aderência com nossa estratégia, os prazos de conclusão, para aí chegarmos com a análise mais precisa.

Continua a competição grande, deságio grande? Desenho dos investidores se mantém ou novos entrantes?
Historicamente, o leilão tem vários momentos. Num período, foram estatais, depois tivemos empresas espanholas, após os leilões amadureceram, e nos últimos temos visto a presença de investidores estratégicos e nos lotes menores construtoras. Nestes mais recentes, não temos visto muito a presença de investidores financeiros. Minha visão é de que as taxas de retorno não dão mais tanto a oportunidade de gerar valor e vender o ativo. Some-se a isso a decisão da ANEEL que impede a revenda do lote antes de sua conclusão.

Muito se fala sobre o pré-sal. O gás é associado à produção de óleo. A exploração é feita na região Sudeste, maior centro consumidor de energia do país. Muitas rotas de escoamento ganham e poderão ganhar o continente. Isso pode ter impacto para vocês?
Há várias rotas que estão saindo do papel e estão chegando aos dutos de gás encanado das distribuidoras. Quero crer e sei que há empresas estudando que, tão logo esse gás chegue à costa, ele seja transformado em eletricidade, para não transportar tão longe em energia elétrica. Pode ter térmicas também, essa térmica traz uma energia de base, importante se você tem crises hídricas.

Vocês estão muito ativos em projetos greenfield. Como está o mercado secundário, estão analisando ativos para aquisição?
Recebemos sondagens, mas hoje não temos nada ativo, mas também não comenta ativos em negociação. É algo comum, porque vários ativos foram conquistados por agentes financeiros e estão reciclando.

Como está o financiamento de projetos? O mercado financeiro como olhando transmissão como o setor mais atrativo?
Temos trabalhado algum tempo com emissão de debêntures de infra verde, um green bond. Fizemos duas emissões em reais, sem tomar riscos cambiais. Nossa última emissão foi no fim do ano passado, alocamos todo o volume.

Os investidores têm buscado por papéis verdes?
Nós fazemos questão de lançar bônus verde, parte dos investidores veem, sim, com bons olhos. Fizemos uma emissão de R$ 950 milhões. O mercado ainda não está na maturidade de precificar o que é verde e o que não é, mas isso virá com o tempo. 

A pandemia trouxe uma série de pressões sobre a cadeia de fornecedores, seja de prazos, seja de custos de algumas matérias-primas. Como tem lidado com isso? Essa pressão se mantém em 2023 e 2024?
Fechamos alguns contratos antes da pandemia. Tivemos alguns lotes obtidos em dezembro de 2019 e 2020. Não teve impacto muito grande em equipamento. Em reforços e melhorias, os investimentos são remunerados pelo banco de custos da ANEEL, vê-se a pressão inegável. Houve uma inflação. Nos projetos, a gente faz hedge.

Isso veio para ficar? Quando se sentam para analisar os projetos, precisam ter esses custos em mente. O que vocês estão fazendo?
As commodities vivem ciclos, teremos um pico e depois um vale. Buscamos minimizar o risco da avaliação das commodities, não tenho interesse em apostas. O que eu não sei eu faço um hedge. Não sei quanto tempo vai durar essa alta, enquanto não tenho essa regularização dos fluxos marítimos e do petróleo, haverá pressão. Temos de ficar atentos e fazer gestão de riscos.

Esse hedge é financeiro e pode ser uma compra maior de equipamento?
Sim, as duas coisas. 

Às vezes, vocês estão com estoques maiores?
Na verdade, ou com estoque maior ou podemos discutir com o fornecedor uma maneira de reduzir a exposição dele à matéria-prima. Por exemplo, se a grande dúvida do fornecedor é o preço do cobre, negocia-se com ele para que ele faça essa proteção. Nós queremos comprar o material, mas com risco conhecido. De outro lado, ele quer a demanda firme.

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