Lais Carregosa e Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA
O segmento de GD (Geração Distribuída) solar rechaça a ideia de passar a ter cortes de geração obrigatórios, com perdas de receita para os geradores, chamados de “curtailment”. A medida é defendida pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e pelo Ministério da Fazenda. Significa não poder produzir energia mesmo com bastante radiação solar, mas por falta de redes de transmissão, causando prejuízos. À Agência iNFRA, o presidente da ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída), Carlos Evangelista, disse que viu o relatório do operador, defendendo a medida, com “estranheza”. E achou a opinião da Fazenda “esdrúxula, na falta de uma palavra melhor”.
“Achei estranho. Desde quando o ONS se preocupa com o rateio contábil? O ONS tem que cuidar da rede, ver a despachabilidade de acordo com regras das geradoras. Então, acabou interferindo numa área que não condiz nem juridicamente com a responsabilidade dele”, continuou.
Já o posicionamento do ministério, para Evangelista, defende grandes empreendimentos de geração centralizada, que fizeram investimentos assumindo riscos, inclusive de curtailment.
“São investidores que fizeram seus planos de negócios e têm que correr o devido risco atrelado a esse negócio. O que o ministério está falando é: vamos dividir isso com os consumidores. Não faz o menor sentido, porque quem está na geração distribuída são consumidores. […] Achei esdrúxula essa posição do Ministério da Fazenda de sugerir que o prejuízo seja dividido com os consumidores”, declarou.
“Comportamento de carga”
A CEO da Bright Strategies, Bárbara Rubim, disse à Agência iNFRA que o relatório do ONS atribui a responsabilidade pelo aumento de instabilidade do SIN (Sistema Interligado Nacional) à MMGD (Micro e Minigeração Distribuída) sem considerar que, “historicamente”, o governo optou por enxergar a geração distribuída como uma medida de eficiência energética, ou seja, como uma medida que trata de abatimento de carga.
“Ela [a GD] foi construída, incentivada e desenvolvida para se comportar como uma carga, e todo o sistema interligado nacional sobreviveu, digamos assim, ao longo das últimas décadas, com grande parte da carga de fato atuando de maneira não controlável pelo operador”, ponderou. “A falta da ingerência do ONS no comportamento da carga desses consumidores nunca impediu a confiabilidade do sistema.”
Outro ponto levantado pela consultora é um eventual ferimento ao Marco Legal da Geração Distribuída (Lei 14.300/2022) com a possibilidade de cortes na GD. Isso porque tanto a legislação quanto os contratos firmados pelos consumidores com as distribuidoras de energia tratam a geração distribuída como carga. “Existe uma questão referente à segurança jurídica, à estabilidade dos contratos firmados, que ganha um alerta vermelho a partir de uma recomendação do ONS que parece desconsiderar toda essa questão”, afirmou.
Audiência na Câmara
Para o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), o relatório do ONS sobre curtailment divulgado no último mês deixa claro que o sistema elétrico nacional vai “colapsar”, eventualmente, tendo como um dos fatores o aumento de geração distribuída na rede. “Na hora que colapsar o sistema, e vai colapsar, isso é claro, aí vai todo mundo tentar correr atrás. O tempo vai ser implacável”, afirmou em audiência pública na CME (Comissão de Minas e Energia) na manhã desta quarta-feira (2).
“A situação é gravíssima, e aí, falo, o aumento da geração distribuída e a inversão de fluxo de potência em algumas subestações são fenômenos técnicos, mapeados e que estão sendo tratados pelo ONS, que trabalha em conjunto com a EPE [Empresa de Pesquisa Energética], com o MME [Ministério de Minas e Energia] e a ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica].”
O parlamentar ainda ressaltou o impacto dos subsídios à MMGD na CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e no bolso do consumidor de energia elétrica. “Eu acho maravilhoso nós termos a energia renovável, fantástico, todas elas são muito bem-vindas, [mas] a que custo? Nós temos que parar de ser demagógicos aqui e de aceitar tudo”, ponderou.
ONS e Fazenda
Publicado em 18 de junho, o relatório do ONS aponta que a MMGD já ultrapassou 38 GW (gigawatts) em capacidade instalada e deve alcançar 58 GW até 2029. O documento afirma que, se incluída nos cortes de geração, a GD poderia responder por até 58% do curtailment em 2029.
Depois, no último dia 26, o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, enviou ofício à ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) opinando pela inclusão da GD nos cortes. A pasta defende um rateio contábil com utilização de um fator de corte proporcional sobre os créditos existentes gerados pela MMGD.
Para o secretário, a exclusão da GD dos cortes poderia configurar “tratamento diferenciado e desproporcional de alocação de custos operacionais entre agentes”, o que “compromete a eficiência econômica do setor”. Atualmente, apenas solar centralizada e eólica têm sido atingidas pelo curtailment.
Operador de GD
O ONS também defendeu a criação de um operador para os sistemas descentralizados, que seria responsável por operar a GD. Para o presidente da ABGD, a ideia é bem-vinda e é uma das pautas da associação. No entanto, segundo ele, as distribuidoras não poderiam exercer esse papel por “conflitos de interesse”, uma vez que seus grupos econômicos detêm ativos de geração, inclusive GD.
Evangelista afirma que é possível instalar equipamentos em usinas maiores para maior controle da GD. “Existe observabilidade, controlabilidade, só não faz sentido começar a desligar as usinas dos consumidores que não estão no SIN [Sistema Interligado Nacional]. E não faz sentido deixar o DSO [Operador de Sistemas de Distribuição] – que é quem tem a visão de tudo isso, quem faria a comunicação com o ONS – sob controle das distribuidoras, que evidentemente teriam conflitos de interesses diretos.”