Sem normas, tarifa social de água e esgoto não tem condições de entrar em vigor em dezembro

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

Criada pela Lei 14.898/2014 para entrar em vigor em dezembro, a Tarifa Social de Saneamento não tem condições de ser aplicada na data prevista na legislação, dia 11 de dezembro, na maior parte do país, alertam especialistas no tema ouvidos pela Agência iNFRA.

A lei prevê que as empresas devem dar desconto de 50% na tarifa de água e esgoto de quem é cadastrado nos programa sociais do governo, limitado a um consumo de 15 metros cúbicos por mês. O início da vigência está previsto para 11 de dezembro, 180 após a sanção da lei.

Mas não estão definidas regras para que os contratos das concessionárias e prestadoras de serviços de água e esgoto no país sejam reequilibrados, o que é previsto na lei como condição anterior à aplicação dos descontos para os usuários, em praticamente nenhuma área atendida.

O maior problema apontado por quem está a par do tema é que não há como estabelecer o reequilíbrio dos contratos porque a maioria dos estados não deu acesso aos dados do CadÚnico, o cadastro no qual os usuários devem estar inscritos para receberem os benefícios.

A lei estipula também que serão usados métodos para evitar aumentos de tarifas para outros usuários para compensar aqueles que vão deixar de pagar, mas isso não está regulamentado. A ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) só deve estar com uma norma de referência sobre o tema aprovada no ano que vem. Mesmo assim, algumas agências regionais já estão definindo as regras em consultas públicas.

A tentativa é fazer com que fique claro que a implantação da tarifa social precisa ser gradual para evitar tanto desequilíbrios contratuais como repasses elevados nas tarifas daqueles que não serão beneficiados com a Tarifa Social. Mas isso depende de ações do Ministério das Cidades, que a poucos dias da implantação da tarifa social ainda não deu diretrizes específicas sobre o tema.

Também não há sinal de que um fundo previsto na lei para compensar os aumentos esteja de fato sendo criado. Além disso, não há previsão de recurso para esse fundo, o que o tornaria inócuo caso ele pudesse de fato existir até a lei.

10% a 15% de reajustes estimados
Estimativas das empresas do setor privado de saneamento indicam que as tarifas podem subir em média 15% nas concessionárias privadas caso toda a compensação pela tarifa seja feita nas contas de consumo.

Em apresentação sobre o tema realizada na última segunda-feira (25) na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, o representante da associação das empresas públicas de saneamento informou que um estudo preliminar delas, sem dados mais precisos do CadÚnico, indica redução de R$ 1,4 bilhão na arrecadação de 13 empresas e uma necessidade de reequilíbrio de quase 10% nas tarifas. A reunião pode ser vista neste link.

Sem os dados completos do CadÚnico, não é possível ter um valor preciso, segundo a diretora-executiva da AbconSindcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto), Christianne Dias.

“Tirando São Paulo, que fez parceria com a Artesp [Agência de Transporte do Estado de São Paulo], não temos os dados do CadÚnico disponíveis em nenhum estado para fazer as contas. Tem sido uma conversa difícil. A ANA está tentando buscar essas informações para disponibilizar para as agências”, explicou  Christianne. “O tempo é que é a preocupação.”

Segundo a dirigente, as empresas privadas estão cobertas pela lei para que só façam a implementação da tarifa social se tiverem os seus contratos equilibrados. Mas o temor é como os órgãos de controle vão interpretar isso e iniciar os pedidos para que os usuários que têm direito possam receber o benefício, o que é previsto de forma automática pela lei.

“Ônus do prestador”
Associações que defendem os direitos dos usuários disseram durante o evento na Câmara, feito a pedido do deputado federal Joseilton Ramos (PT-BA), que já solicitaram a todas as procuradorias e defensorias dos estados para que fiscalizem a implantação imediata do benefício a partir de 11 de dezembro.

Juliana Braga, defensora pública no Distrito Federal, alertou durante o encontro que a lei é clara de que o ônus por incluir os usuários no benefício é das empresas e que é necessário que elas trabalhem em conjunto com as autoridades para que a implantação seja efetiva, já que a eficácia é imediata.

“O ônus é do prestador. Ele vai precisar facilitar o acesso do usuário. Se o prestador ignora que o usuário tem direito e continua cobrando a tarifa regular, isso pode configurar uma cobrança indevida, ficando sujeito a sanções previstas na legislação consumerista”, disse a defensora.

Quase 70% das cidades brasileiras são servidas por empresas públicas de saneamento ou prestação direta dos governos locais. Nesses casos, em geral, não há contratos específicos de prestação e essas empresas ou serviços locais dependem das ações dos governos para terem suas finanças equilibradas.

Por isso, e também por estarem em geral atendendo regiões com maiores quantidades de usuários do CadÚnico, a situação dessas companhias é considerada mais complexa do que a das companhias privadas, na avaliação de especialistas que falaram com a Agência iNFRA.

Momento delicado
O representante da Aesbe (Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Saneamento) na comissão da Câmara, o advogado Mateus da Cruz Oliveira, informou que o número de beneficiários de tarifas sociais que hoje é estimado em 500 mil pode chegar a 3,6 milhões. Segundo ele, a associação reconhece que é uma medida excelente, visando à universalização do saneamento, mas que vem num momento complicado para o setor.

“O setor de saneamento se encontra em momento crítico e delicado, não só pela implantação da tarifa social, mas pela necessidade de garantir o investimento para a universalização”, explicou.

No setor, os problemas para a implementação da Tarifa Social estão sendo vistos como um pequeno ensaio do que será a reforma tributária para o saneamento, caso ela seja aprovada como está, ou seja, com as contas de saneamento pagando tarifa cheia nos novos impostos criados.

A alíquota efetiva hoje gira em torno dos 9%, e ela passaria à casa dos 27%. O maior recolhimento de impostos pelas concessionárias retiraria recursos delas imediatamente e teria que ser compensado com aumentos de tarifas ou outras formas de compensação a serem dadas pelas agências ou governos locais. Mas no setor ninguém acredita que essas compensações virão de forma adequada e na velocidade prevista, exatamente como se anuncia agora com a Tarifa Social.

A avaliação é que agências locais têm dificuldades para fazer cálculos complexos necessários para reequilibrar contratos e os governantes têm poucos incentivos a gerar aumentos nas contas de consumo. Por isso, a previsão é que tanto a tarifa social, como a reforma, reduzam os investimentos necessários para cumprir a meta de universalização.

“Depende de entidades de regulação”
Em nota, o Ministério das Cidades afirmou que a implementação da Tarifa Social de Água e Esgoto “representa um importante marco na universalização do acesso aos serviços de saneamento básico no Brasil” e que “esse avanço requer uma articulação coordenada entre os entes federativos, reguladores e prestadores de serviços para assegurar a efetividade dos benefícios previstos”.

Segundo a nota, de acordo com o Marco Legal do Saneamento (Lei 11.445/2007), “é função da entidade reguladora analisar os pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro apresentados pelos prestadores de serviços”, o que envolve “consulta aos usuários e ao titular do serviço, seguindo os princípios da modicidade tarifária e do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos”.

Sobre a Tarifa Social, a pasta informa que a “implementação depende da atuação do titular do serviço e da Entidade Reguladora Infranacional (ERI), que deve conduzir análises técnicas detalhadas”, e informa que a lei prevê que, caso uma categoria tarifária social ainda não esteja definida, “as prestadoras de serviços terão até 24 meses para realizar as adaptações necessárias”.

Sobre o acesso ao CadÚnico, a pasta informa que a gestão é de competência do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

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