Amanda Pupo, da Agência iNFRA
O plenário do TCU (Tribunal de Contas da União) referendou na quarta-feira (1º) uma decisão cautelar que impede a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e o Ministério dos Transportes de destinarem uma parcela de recursos da conta vinculada da antiga concessão da Rodovia Presidente Dutra (BR-116/SP-RJ) para indenizar a concessionária que administrou o trecho Rio-Teresópolis até 2022, a CRT, e tem recursos a receber no encontro de contas ao fim da concessão. A medida cautelar havia sido dada nesta semana pelo relator do caso, ministro Jhonatan de Jesus. Leia aqui o acórdão.
A decisão é decorrente de denúncia feita pela AudRodoviaAviação (Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Rodoviária e Aviação Civil), que defende que os valores devem ser revertidos ao Tesouro Nacional. Na conta vinculada do antigo contrato da Dutra – que após novo leilão feito em 2021 permaneceu sob gestão da Motiva (ex-CCR) – restaram recursos da ordem de R$ 822 milhões, segundo o processo que tramita no TCU.
A cautelar determina que tanto a ANTT como o ministério se abstenham de utilizar esses recursos remanescentes até que o tribunal delibere sobre o mérito da matéria. Neste caso, o TCU precisará decidir a “correta destinação” do excedente. Por ora, duas teses foram levantadas pelas áreas do tribunal. De um lado, a AudRodoviaAviação entendendo que o dinheiro deve ir para o Tesouro, e, de outro, o Ministério Público de Contas defendendo que o saldo possa permanecer vinculado ao próprio objeto da concessão da rodovia, beneficiando os usuários que arcaram com o “sobrepreço” da tarifa.
“O periculum in mora se evidencia justamente nesse cenário de indefinição, pois, caso a ANTT e o Ministério dos Transportes deem aos recursos a destinação que pretendem, utilizando-os para pagar outra concessionária, a futura decisão de mérito desta Corte, seja pela reversão aos cofres do Tesouro Nacional, seja pela aplicação no mesmo trecho de rodovia, corre grave risco de se tornar ineficaz, ante a enorme dificuldade fática e jurídica para a eventual restituição dos valores já transferidos a terceiros”, escreveu o relator na medida cautelar, em que decidiu também fazer uma oitiva da ANTT e do Ministério dos Transportes para que, em 15 dias, se manifestem.
O sobrepreço tarifário citado no processo é explicado porque a conta vinculada da antiga concessão da Dutra foi alimentada pela diferença de tarifa de pedágio efetivamente cobrada dos usuários e aquela calculada como necessária para uma remuneração adequada da concessionária. O “excedente” foi previsto no termo aditivo assinado em 2021 que prorrogou o antigo contrato da ex-CCR por um ano para que um novo leilão pudesse ser realizado para o trecho. O plano era que essa sobra custeasse a indenização por investimentos em bens reversíveis não amortizados.
Quem ganhou o certame, por sua vez, foi a própria Motiva. “Os elementos constantes dos autos indicam que esse contrato foi encerrado e que não será devida indenização nem crédito em favor da antiga contratada ao término do processo de apuração de haveres e de deveres no encontro de contas, cabendo esclarecer que desde 4/3/2022 a rodovia já é operada por nova concessionária (Grupo CCR)”, pontuou o processo.
Segundo a decisão, a título de exemplo, a tarifa em determinada praça de pedágio (R$ 14,20) passou a ser 133% superior à devida à concessionária (R$ 6,10), “acarretando, assim, acúmulo de vultoso saldo na conta vinculada desacompanhado de justificativa detalhada de sua real necessidade, em inobservância ao princípio da modicidade tarifária”.
A avaliação feita pelo ministro relator é de que o uso dos recursos para indenizar outra concessão, na prática, significaria cobrar sobretaxa de usuários de determinado trecho para custear serviços ou indenizações em outros segmentos, sem autorização legal e sem a existência de fundo devidamente instituído e regulamentado para tal finalidade, “[…] a denotar graves indícios de ilegalidade na destinação almejada pela agência e pela pasta ministerial”, escreveu o ministro, para quem a medida pode configurar política de subsídios cruzados entre rodovias.
Ainda de acordo com o despacho, os órgãos já haviam iniciado atos preparatórios, a exemplo de elaboração de nota técnica e de parecer jurídico favoráveis ao procedimento.
A CRT, que seria indenizada com os recursos, estava na administração do trecho Rio-Teresópolis desde 1996. O contrato finalizaria em 2021, mas foi prorrogado até 2022, mesmo ano em que o governo realizou um novo leilão para a rodovia. Quem levou o ativo foi a EcoRodovias (Ecovias RioMinas). Na nova concessão, também foram incluídos trechos das BRs 465 e 493.
Em nota, a ANTT informou que vai avaliar o teor da decisão, “tomará as medidas necessárias, de acordo com a cautelar, e se manifestará diretamente à Corte de Contas”. O Ministério dos Transportes informou que não recebeu a notificação até o momento. “No entanto, assim que for notificado, apresentaremos as informações solicitadas.”
Fiol 2 e Ferrogrão
O TCU também julgou outros processos do setor de infraestrutura. Um deles foi uma auditoria de conformidade sobre as obras de construção da Fiol 2 (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), no trecho Caetité-Barreiras, referente ao Lote 5F, que apontou atrasos no cronograma do empreendimento. Segundo o relatório, a Infra S.A. instaurou dois processos administrativos sancionatórios visando apurar eventuais descumprimentos do contrato.
Com isso, o plenário decidiu dar ciência à estatal de que a não instauração tempestiva de processos administrativos de aplicação das sanções contratualmente previstas, diante do descumprimento reiterado de prazos por parte da empresa contratada, afronta a jurisprudência do TCU e pode configurar omissão do gestor público. O acórdão ainda orienta a Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Portuária e Ferroviária para que avalie a possibilidade de reincluir o objeto da auditoria em futuras ações de controle do Tribunal.
Autopista Litoral Sul
Outro processo analisado no TCU foi a representação de um parlamentar sobre o contrato da Autopista Litoral Sul, principalmente com relação ao trecho incorporado à concessão por meio de Termo Aditivo celebrado em 2013. As supostas irregularidades apuradas seriam principalmente sobre a não realização de investimentos em ações de estabilização das encostas. A decisão do tribunal foi de apenas autorizar a AudRodoviaAviação a incluir em seu planejamento a análise de normativos e as metodologias relativas à garantia da estabilidade de taludes nas rodovias federais e propor melhorias.
“Tendo em vista a necessidade de proporcionar infraestrutura resiliente com a minimização dos impactos econômicos e sociais no contexto de aumento da ocorrência de fenômenos climáticos adversos, devendo ser incluído no escopo da fiscalização o assunto tratado nos presentes autos”, diz o acórdão.
Aeroporto de Jacarepaguá
Ainda na sessão, os ministros não conheceram de uma denúncia de possíveis irregularidades na concessão do Bloco Aviação Geral, relacionadas à cessão de espaço físico de imóvel abrangido pelo contrato na área do Aeroporto de Jacarepaguá (RJ). O ministro relator, Jorge Oliveira, observou que, no caso, o bem sob posse da concessionária não possui relação direta com a prestação dos serviços previstos no contrato de concessão, “uma vez que seu uso está destinado à exploração comercial de espaço destinado a estabelecimento de educação estudantil”.
“A repercussão das irregularidades alegadas na equação econômico-financeira da avença é por demais indireta, insuficiente, pois, para atrair a competência fiscalizatória do TCU”, escreveu na decisão.








