Marília Sena, da Agência iNFRA
Representantes de associações ligadas a terminais portuários de contêineres defenderam que a regulação dos serviços portuários por parte da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) pode afastar investidores e que este é um tema de menor relevância devido ao baixo número de denúncias frente ao volume transportado no país. Eles também se posicionaram contra o estabelecimento de qualquer tipo de referência de preços no setor.
As defesas foram apresentadas durante a sessão telepresencial da Audiência Pública 15/2024, promovida pela agência na última quinta-feira (23), para debater “proposta de Instrução Normativa que estabelece os procedimentos gerais e critérios referenciais a serem observados pelas unidades técnicas da ANTAQ na qualificação de condutas e práticas no fornecimento de serviços em instalações portuárias”, a chamada norma contra abusos de preços no setor.
Apesar de ser uma demanda frequente de usuários de terminais portuários à agência, não houve nenhuma participação de representantes do setor, o que foi motivo de comentário na mesa diretora da audiência pública. As contribuições por escrito podem ser enviadas até 2 de setembro. A transmissão da sessão pode ser vista neste link.
Na visão da Abratec (Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres), a regulação do mercado precisa ser tratada com cautela, principalmente ao se tratar do cenário internacional. “A questão que a gente traz é a necessidade de determinação de uma metodologia para mercado relevante. É um ponto central para determinação da possibilidade de haver uma possibilidade ou não no preço cobrado pelos terminais”, disse Caio Morel, diretor-executivo da associação.
Morel lembrou que o mercado muito regulado pode afastar investimentos, uma realidade prevista inclusive nos manuais da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que apontam que mercados com alta regulamentação têm uma capacidade até 50% menor de atrair investimento externo.
“No caso dos terminais portuários, por exemplo, existe uma competição global, com países de todo o mundo lançando novos projetos. O investidor tende a escolher os mercados que ofereçam maior segurança para seus investimentos, e, no Brasil, é essencial garantir um ambiente mais estável e previsível para atrair esse capital”, completou.
Denúncias
Para os representantes dos terminais, o número de processos de abusividade é pequeno em comparação com o volume de reclamações. “São 45 processos, sendo que 20 foram arquivados”, afirmou o diretor-executivo da Abratec. Esses 45 processos foram movimentados ao longo de 10 anos, período em que foram movimentados 62 milhões de contêineres, segundo Morel.
Ele também sugeriu que a qualificação do denunciante fosse mais rigorosa pela ANTAQ. “O denunciante precisa demonstrar que o preço está causando danos específicos. Sugerimos que a norma seja mais clara sobre as condições que ele deve comprovar para que o processo seja aceito pela agência reguladora”, destacou.
O gerente de Regulação Portuária da ANTAQ, Sandro Monteiro, respondeu que a sugestão do denunciante já está prevista na minuta proposta. “Prevemos uma fase de admissibilidade para filtrar as denúncias. De fato, é uma preocupação nossa”, explicou.
Problema concorrencial
Rafael Wallbach, representante do Portonave, também concordou com a baixa incidência de processos de verificação de preços no setor portuário, o que leva à conclusão de que essa questão não é tão preocupante quanto pode parecer à primeira vista.
“Muitas denúncias, em grande parte, vêm de empresas que se posicionam como concorrentes dos terminais portuários. Essas denúncias possuem um viés concorrencial, o que torna essa questão muito sensível e que poderia ser abordada por essa norma, verificando a natureza do denunciante”, concluiu.
Para Luis Cláudio Santana Montenegro, da Integração de Interesses da Indústria do Espírito Santo (ES), é necessário analisar primeiro a possibilidade de ocorrência do abuso e, para isso, “devem ser analisados aspectos como a concorrência no mercado, a concentração de empresas, as opções disponíveis para os usuários e a demanda existente. Caso a possibilidade de abuso seja descartada – por exemplo, em um mercado competitivo com diversas opções para o usuário – a probabilidade de ocorrência de abusos também pode ser considerada improvável”.
‘Problema regulatório é inexistente’
Para o almirante Murilo Barbosa, diretor-presidente da ATP (Associação de Terminais Portuários Privados), o problema regulatório é inexistente, considerando o número de processos movimentados ao longo de uma década. Na sua visão, não há necessidade de um preço de referência, pois cada terminal possui uma realidade própria.
“O STS10, por exemplo, vai chegar com um mercado específico, com sua própria disponibilidade de carga e uma malha ferroviária adequada. No entendimento da ATP, não vemos relevância em um preço de referência, já que as variações entre os terminais são muito grandes”, afirmou.
Ausência dos usuários
O gerente Sandro Monteiro chamou a atenção para a ausência dos usuários na audiência pública. “Seria importante eles participarem do debate, aguardamos. A nossa expectativa é que eles contribuam com esse debate para dar uma pluralidade na conversa. Não queremos só a ótica do provedor, seria interessante que eles aproveitassem”, reforçou.
O relator do processo, diretor Lima Filho, ressaltou que “a melhor forma de regular é ouvindo o regulado”. Ele explicou que, embora a norma pudesse ser alterada sem a necessidade de audiências públicas, a escolha mais acertada foi justamente ouvir as partes envolvidas.
“A ANTAQ não tem a intenção de criar uma tabela de preços. O objetivo é estabelecer uma referência, de forma que, em casos de abusividade, possam ser adotadas as medidas necessárias, assegurando que a agência reguladora cumpra seu papel”, afirmou, mencionando que a metodologia para definição do mercado relevante, entre outros aspectos a serem incluídos, será devidamente estabelecida.