Dimmi Amora, da Agência iNFRA
A operação de transbordo de contêineres entre portos foi apontada como a responsável pelo súbito incremento neste ano de movimentação de terminais próximos ao porto de Santos (SP), o maior do país. Mesmo com problemas operacionais desde janeiro, o principal porto de São Paulo também aumentou sua movimentação desse tipo de carga.
Nos quatro primeiros meses de 2024, houve aumento de 20% na movimentação de cargas conteinerizadas no país em relação ao mesmo período de 2023, subindo de 3,5 milhões para 4,2 milhões de TEUs (unidade de medida de contêiner). Mais da metade do crescimento é explicado pelo transbordo, que cresceu 53% no período e passou de 559 mil para 856 mil TEUs.
O transbordo é uma operação em que os contêineres são deixados em um porto, em geral de maior porte, para depois serem levados a outro para lá serem desembaraçados (passarem pela alfândega).
Os dados sobre movimentação de contêineres foram compilados de informações oficiais pela Santos Brasil, que opera o Tecon Santos, um dos três grandes terminais de contêineres em Santos, e apresentados numa reunião na Associação Comercial de São Paulo na semana passada. A apresentação está neste link.
A empresa defende e vem tentando demonstrar que o porto santista tem condições de atender à demanda de contêineres do país nos próximos anos com as expansões previstas nos terminais existentes e que, no momento, há um problema conjuntural de demanda causado por deficiências em alguns terminais em São Paulo e no Sul do país.
Representantes de empresas de navegação e que realizam comércio exterior têm apontado que o porto já não tem mais capacidade para suportar a demanda de contêineres, o que vem refletindo em aumento de preços para toda a cadeia logística, e pedem investimentos em ampliação de capacidade com a construção de pelo menos um novo terminal para contêiner. Reportagem neste link.
As maiores empresas de navegação que operam no Brasil, MSC e Maersk, também operam terminais próprios no país, como BTP, o maior de Santos, onde são sócias, e no exterior. A Santos Brasil e DPW, as duas detentoras de terminais de contêineres nesse porto, não são controladas por empresas de navegação (são chamadas de terminais bandeira branca). O conflito concorrencial entre terminais bandeira branca e as empresas de navegação tem se acirrado nos últimos anos.
Crescimento abaixo da expansão
Na apresentação à qual a Agência iNFRA teve acesso, feita no evento da semana passada pelo CEO da Santos Brasil, Antônio Carlos Sepúlveda, é informado que o crescimento estimado do volume transportado de contêineres em Santos estará abaixo da capacidade das expansões contratadas para os próximos anos.
Ainda segundo o trabalho, quando aconteceu um cenário de sobreoferta, com a expansão de capacidade em 2013 após a inauguração do terminal BTP, houve a falência de dois operadores de contêineres na região, a Libra e a Rodrimar. Essa tese não é compartilhada por especialistas no tema que apontam para outros problemas para a falência dessas empresas.
Segundo a apresentação, os problemas atuais para o atendimento começaram com a retirada da oferta de contêineres em dois portos de Santa Catarina, Itajaí e Navegantes, a partir de 2022. Itajaí, controlado APM Terminals, do grupo Maersk, que chegou a estar entre os maiores do país, parou de operar com o fim de seu contrato e só iniciou a retomada neste mês.
Já Navegantes, controlado pela TiL, do grupo MSC, entrou em obras para expansão e teve uma redução de 7% no volume movimentado comparando os primeiros quadrimestres de 2023 e 2024. Mas Santa Catarina oferece benefícios fiscais aos usuários que utilizam seus portos. Por isso, os clientes querem que a carga seja desembaraçada no estado.
Operação com navios menores
Para atender a essa demanda, os navios de maior porte estão deixando os contêineres importados em outros portos, especialmente no Rio de Janeiro (RJ), em Santos e em Paranaguá (PR). Esses portos tiveram significativos aumentos de demanda (RJ +52%, PR +36% e SP +17%), comparados os dois quadrimestres.
Depois que o contêiner cheio é deixado, as empresas de navegação usam navios menores para levar essas unidades até os portos de Santa Catarina para serem desembaraçados lá e aproveitarem os benefícios fiscais. Navegantes caiu 7% puxado pela redução dos contêineres da navegação exterior. No transbordo e cabotagem, houve aumento de 63%.
À Agência iNFRA, Sepúlveda explicou que essa operação não tem relação com a melhor logística para as cargas. Lembrou ainda que a situação criada pela redução da oferta em Navegantes e Itajaí piorou por conta da interdição de um dos berços do BTP, em Santos, entre janeiro e junho deste ano, devido a um incidente, o que reduziu a capacidade do porto santista de receber navios.
Ele mostra que o aumento do tempo de atracação de navios em Santos, uma das reclamações dos usuários, tem um pico após esse acidente, puxado pelo maior período dos navios que vão para o BTP. Sepúlveda pondera ainda que o aumento do tempo de espera está muito pior em Santa Catarina e Paranaguá e cresce desde 2022.
“Operação antiecológica”
Numa das lâminas da apresentação, ele aponta que os tempos em Navegantes de espera são tão elevados que os navios de contêiner vão até a unidade, pegam uma senha para atracar e, enquanto esperam, vão a outros portos para carregar e descarregar, numa operação chamada de “antiecológica” e “antieconômica”.
Para o CEO da companhia, os problemas conjunturais estão ajudando a disseminar “uma narrativa sobre colapso” em Santos que, para ele, “não se sustenta com números”. Num dos gráficos apresentados na associação comercial, Sepúlveda aponta que a demanda estará atendida dentro dos parâmetros internacionais até 2029, mesmo considerando apenas expansões já contratadas dos terminais existentes (há demandas para mais aumentos desses terminais ainda não efetivadas).
A criação de um novo terminal no porto, segundo ele, é uma demanda para médio e longo prazo, mas precisa ser melhor estudada. O terminal que é defendido pelos armadores, o STS10, segundo Sepúlveda, tem problemas de acesso terrestre, além da oposição por outros tipos de usuários do porto, o que dificulta sua implantação.
A Autoridade Portuária de Santos está com uma audiência pública aberta na qual defende que a área que estava prevista para ser ocupada pelo STS10 seja dividida em três partes, para abrigar além de contêineres, também um terminal de passageiros e um para cargas gerais. Pela proposta, um novo terminal só para contêineres seria criado em outra região, a Vila do Criadores, o que tem sido motivo de críticas por parte dos armadores e usuários, pelas dificuldades para implementação de um terminal nessa região.
Sem resiliência
Danilo Veras, Head de Public Affairs da empresa de navegação Maersk para a América Latina, que apontou o colapso do porto santista durante uma audiência pública sobre o tema dos terminais, estava na apresentação feita pelo CEO da Santos Brasil, Antônio Carlos Sepúlveda, na semana passada em São Paulo.
Ele disse que manteve a posição de que o congestionamento no porto de Santos não é um problema “episódico” e sim uma questão estrutural. Ele informou ainda que no próprio evento houve depoimentos de representantes de exportadores que indicavam uma demanda não atendida pelos terminais.
Para Veras, “a infraestrutura atual não tem a resiliência necessária para tolerar eventos adversos ou mesmo suportar o futuro aumento de demanda”. Ele cita que o porto não pode sequer planejar um aumento de demanda para ser um hub de contêineres da costa leste da América do Sul, algo que aumentaria em 1,5 milhão de toneladas/ano a demanda, devido a essa falta de capacidade.
Veras defende ainda que o planejamento público para o porto de Santos seja cumprido “sob o risco do Brasil perder competitividade no mercado internacional” e que o maior projeto do portfólio do setor portuário brasileiro é o STS10.
Outro participante da reunião, que pediu para não ser identificado, indicou ainda que a projeção de demanda apresentada pela Santos Brasil parte do ano de 2020, quando houve a pandemia, e que puxa as projeções de crescimento para baixo.
Além disso, a expansão futura também estaria superavaliada, o que tende a produzir uma falta de capacidade muito antes da projetada no trabalho. E lembra ainda que a DPW é um terminal privado e que cada vez mais está utilizando suas áreas para cargas não conteinerizados, o que é permitido nesse tipo de contrato. Portanto, não há garantia de que a expansão desse terminal atenderá os navios de contêiner.
“Não é o retrato de Santos”
Eduardo Heron, diretor técnico do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), também presente ao encontro, disse no evento que os dados “não são o retrato de Santos”. De acordo com o representante desse setor, o índice de navios atrasados em Santos vem aumentando mensalmente desde 2023 e em junho chegou a 82%.
Com os navios atrasando, ele diz que os terminais têm informado que não podem armazenar contêineres nos seus pátios por falta de capacidade, o que faz com que os exportadores tenham que ficar com a carga nos caminhões por período além do previsto, causando prejuízos milionários ao setor.
Os atrasos nas partidas também causam prejuízo ao fluxo de caixa das empresas, já que elas só podem cobrar dos importadores quando recebem o documento de que houve o efetivo embarque da carga. Segundo ele, mais de 500 mil sacas de café programadas para um mês este ano foram exportadas no mês seguinte pelos problemas com os atrasos.
Queda na participação
Heron lembrou ainda que a carga de café naturalmente está deixando o porto de Santos, que chegou a ter uma participação de 85% nas exportações do produto no país e esse número vai cair para percentual abaixo de 69% em junho deste ano (números devem ser divulgados nesta semana).
Para o diretor, a maior preocupação agora é que o segundo semestre é de safra para o café e outros produtos exportados por contêiner, como açúcar e algodão, e a perspectiva é a situação piorar (o 1º semestre é de entressafra). Segundo ele, a associação defende a construção do STS10 e que a questão precisa ser resolvida com urgência, porque um terminal novo pode demorar mais de cinco anos para iniciar a operação.