iNFRADebate: Só existe consenso com o TCU? Portaria do Ministério dos Transportes submete aditivos de readaptação de contratos ao consenso da corte

Vitória Damasceno e Mariana Carvalho**

No dia 28 de agosto deste ano, o Ministério dos Transportes publicou a Portaria 848/2023, que estabeleceu procedimentos para a readaptação e otimização dos contratos de concessão relativos à infraestrutura rodoviária federal.

O normativo levou em consideração a resposta do TCU (Tribunal de Contas da União) a uma consulta, feita em conjunto com o Ministério de Portos e Aeroportos, quanto à prorrogação e relicitação dos contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário.

Trata-se do Acórdão 1593/2023-TCU/Plenário, que versou, especificamente, sobre a interpretação do arts. 14, § 2º, III, e do art. 15, I, da Lei 13.448/2016, que estabelecem o caráter “irrevogável e irretratável” da adesão ao processo de relicitação.

Entre outros aspectos, a decisão orientou quanto às diretrizes para celebração de um eventual acordo de readaptação do contrato de concessão vigente, no lugar do processo de relicitação, sendo que essas diretrizes levaram à edição da Portaria 848/2023.

Assim, por exemplo, foi estabelecido que os estudos para a demonstração da vantajosidade da readequação e otimização do contrato de concessão devem conter declaração formal sobre a renúncia de todos os processos judiciais, administrativos e arbitrais existentes (art. 7º, II, a, da Portaria 848/2023), conforme orientação da Corte de Contas (item 9.2.4.9.1 do Acórdão 1.593/2023).

O que veio como surpresa no normativo, pois não constava na decisão do Tribunal, é o envolvimento da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso) do próprio TCU, levando a crer que os requerimentos de readaptação de contratos de concessão rodoviária passarão pelo procedimento consensual do Tribunal.

Trata-se de previsão contida no art. 12 da Portaria 848/2023, que dispõe sobre o envio da documentação para celebração de termo aditivo de readaptação e otimização de contratos de concessão rodoviária pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) à SecexConsenso. O art. 13, então, dispõe que a assinatura do aditivo será providenciada apenas após a formalização da solução pelo TCU.

Vale destacar que o procedimento de SSC (Solicitação de Solução Consensual), iniciado em 2023 e disciplinado pela Instrução Normativa 91/2022, visa a buscar soluções consensuais envolvendo o TCU, entes da administração pública, gestores públicos e particulares, sendo que sua admissibilidade está sujeita a juízo de conveniência e oportunidade da Presidência do TCU.

Não estão claros, contudo, os contornos que esse procedimento tomará em casos concretos submetidos à Portaria 848/2023.

Isso porque a SSC existe para construir soluções em casos que apresentem dificuldade de serem transacionados. Tanto é assim que um dos elementos que deve conter são pareceres técnico e jurídico “com a especificação das dificuldades encontradas para a construção da solução”.

Não é isso que se observa no caso da readaptação dos contratos de concessão, em que a existência de um consenso entre as partes é requisito para início do procedimento. É o que se depreende do próprio Acórdão 1593/2023:

O desfazimento do processo de relicitação por iniciativa do poder concedente, portanto, objeto da segunda indagação e não da primeira pergunta, requer obrigatoriamente o atendimento do que denominei de condicionantes. E a primeira delas é o comum acordo entre as partes, porque o termo aditivo de relicitação foi construído com base no acordo consensual e, para desfazê-lo, por conseguinte, deve obrigatoriamente haver um outro acordo entre as partes: concessionário e poder concedente.

Assim, entende-se que já chegarão ao TCU estudos, minutas e pareceres com solução elaborada, para mera ratificação pela corte de contas.

Não havendo um dissenso a ser solucionado, questiona-se o envolvimento da SecexConsenso pela Portaria 848/2023. Aparentemente, a área técnica recém-criada está sendo utilizada como forma de trazer o TCU para dentro do procedimento de readequação dos contratos de concessão rodoviária – o que pode, eventualmente, vir a ser reproduzido para os setores ferroviário e aeroportuário, também objetos das recomendações da corte de contas no acórdão paradigma.

O “carimbo” do TCU realmente seria necessário nessa situação? Colocando de outra forma, por que motivo trazer o controlador externo como agente necessário do processo administrativo, considerando que esse poderia, eventualmente, fiscalizar o mesmo processo no exercício de sua competência usual? Resta aguardar a aplicação do normativo em casos concretos, que esclarecerá, ao menos, como o procedimento de SSC será compatibilizado com o rito de readaptação e otimização dos contratos de concessão.

*Vitória Damasceno e Mariana Carvalho são pesquisadoras do Observatório do TCU da FGV (Fundação Getulio Vargas) Direito SP em parceria com a Sociedade Brasileira de Direito Público, e advogadas associadas ao Piquet, Magaldi e Guedes Advogados, com atuação especialmente em contencioso administrativo perante tribunais de contas, administração contratual e consultivo.
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