*Adalberto Santos de Vasconcelos
Em 30 de março de 2022, publiquei artigo na Agência iNFRA intitulado “As regras de limitação à participação em licitações: o caso do STS10 no Porto de Santos”, no qual destaquei que as eventuais restrições econômicas e regulatórias desnecessárias à concorrência desse importante setor estratégico de infraestrutura poderiam contribuir fortemente para o aumento do denominado custo-Brasil.
Naquele contexto havia verdadeira batalha de narrativas sobre a questão em torno da licitação do terminal para movimentação e armazenagem de cargas conteinerizadas no porto de Santos (SP) denominado STS10.
Na ocasião, se observava, em linhas gerais, acentuada preocupação com a participação no certame da empresa BTP (Brasil Terminais Portuários S.A.), joint-venture formada pelos operadores portuários TIL (Terminal Investment Limited) e APM Terminals – líderes do mercado mundial de movimentação de contêineres – controladas pelas companhias de navegação pertencentes aos conglomerados econômicos MSC e Maersk, respectivamente.
Já na ocasião, a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), diante dos diversos cenários hipotéticos analisados no mercado atinente ao porto de Santos, destacava a importância do “incremento da capacidade dinâmica de movimentação e armazenagem de contêineres em virtude da outorga do STS10”.
A agência asseverava que “o arrendamento do terminal STS10 mostra-se imprescindível para se reestabelecer o ambiente competitivo saudável entre os terminais portuários no Porto de Santos”[1]. Ao que parece, esse cenário não se alterou.
Ao longo do processo de modernização do setor portuário, inaugurado pela então Lei 8.630/1993, passando pela Lei 12.815/2013, presencia-se reconhecido amadurecimento e aperfeiçoamento das instituições que definem as políticas públicas e desenvolvem os mecanismos de planejamento setorial, bem cono estruturam o arcabouço regulatório desse importante setor imprescindível para alavancar o desenvolvimento sustentável e competitivo do Brasil.
É nesse contexto que me causou surpresa – diga-se, estranheza – a mudança da política pública – ou orientação ministerial – acerca do processo de licitação do STS10.
Essa alteração de rumo, apesar do avançado estágio do processo, foi publicizada com base em relatório de fiscalização do TCU (Tribunal de Contas da União) que indicou impactos decorrentes da demora de se licitar a área do Saboó para ampliação da capacidade de movimentação de contêineres do Porto de Santos.
O ponto relevante diz respeito ao esgotamento da capacidade de movimentação de contêineres no principal porto do país, a médio e longo prazo, caso não se licite urgentemente o STS10, cujo processo de licitação se prolonga por mais de dois anos.
Veja-se que a SNPTA (Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários) aprovou os Evtea (Estudos de Viabilidade Técnica, Econômico-financeiro e Ambiental) em 24 de dezembro de 2021. Sendo que ANTAQ, por meio do Acórdão 553, de 31 de outubro de 2022, aprovou a análise das contribuições objeto da Audiência Pública 6/2022, com ressalvas sanáveis.
Nos últimos anos, verifica-se que a operação portuária no Brasil, em linha com as transformações mundiais observadas, vivenciou período de grande expansão. Nesse sentido, a consolidação no mercado de movimentação e armazenagem de cargas conteinerizadas tem se tornado o padrão nos principais portos do mundo.
Esse movimento vem a atender às mudanças, sobretudo tecnológicas, introduzidas no setor portuário que propiciam a utilização de embarcações cada vez maiores. O aludido processo, conhecido como “jumborização”, tem trazido inquestionável economias de escala e de escopo.
Por conseguinte, a “jumborização” das embarcações também tem reflexos sobre os terminais portuários, os quais necessitam passar por adaptações, como ampliação de berço de atracagem e de armazenagem, além de demandarem maiores investimentos em equipamentos de embarque, desembarque e movimentação de contêineres, dentre outros.
É nesse contexto que ganha relevância a licitação do STS10 para movimentação de contêineres, ou seja, é imprescindível para o desenvolvimento sustentável e competitivo do país ter, no principal porto do Brasil, outro terminal que desafogue o estrangulamento de movimentação de cargas conteinerizadas. Portanto, é urgente e necessário não retroceder para alavancar os investimentos no setor portuário.
O relatório da unidade técnica do TCU, de acordo com a citada reportagem da Agência iNFRA, corrobora, em princípio, o entendimento aqui esboçado, ao apontar que o atraso na implantação do terminal do STS10, na área do Saboó, “pode gerar ‘estrangulamento futuro da infraestrutura do porto’ e ‘prejuízos ao consumidor’”.
Relevante, ainda, destacar que a demora em licitar o STS10 acarreta outros prejuízos diversos, tais como a perda de receitas provenientes das outorgas de arrendamento ou a perda de benefícios econômicos decorrentes da redução de custos nos terminais e fretes associados à redução das filas dos navios para aportar em Santos.
Além dessas perdas, os cofres públicos estão deixando de arrecadar, nesses mais de dois anos de atraso para realizar a licitação, significativo montante de recursos provenientes de tributos pela utilização da área destinada – cerca de 500 mil m² – para implantação do STS10, que certamente poderiam trazer vários benefícios para o porto.
Mudanças em políticas públicas são legítimas, mas não podem contrapor fatos e ensejarem retrocessos. É exatamente nesse sentido que a alteração da diretriz política acerca da condução do processo licitatório do arrendamento do STS10 causa grande preocupação com o futuro do porto de Santos, sobretudo quanto à sua competividade, ao não serem adotadas as medidas cabíveis – já em curso, aprovadas por autoridades pertinentes e avaliadas pelo TCU – com o fito de evitar o estrangulamento da capacidade de movimentação de contêineres do principal porto nacional a médio e longo prazo.
[1] Nota Técnica nº 216/2021/CGMP-SNPTA/DNOP/SNPTA, de 24 de dezembro de 2021.