Opinião

Opinião – Uso de dados reais (e não dados estimados) em revisões de concessões pode violar sua distribuição de riscos

Maurício Portugal Ribeiro*

É muito comum que, em processos de revisão ordinária, quadrienal ou quinquenal, de contratos de concessão ou PPP – Parceria Público-Privada, a agência reguladora resolva usar, como metodologia econômico-financeira, a substituição de dados estimados no fluxo de caixa para efeitos regulatórios (ou plano de negócios) por dados reais.

A prática é extremamente comum particularmente porque os agentes públicos têm a sensação de que, ao usar dados reais, eles minimizam o espaço para ganhos indevidos dos concessionários, que possam eventualmente decorrer da aplicação das projeções previstas no fluxo de caixa regulatório.

Nesse sentido, o uso de dados reais reduz o ônus argumentativo do decisor, porque eles são aferíveis objetivamente e auditáveis, sem qualquer participação do decisor. É como se a decisão sobre os dados a serem utilizados fosse terceirizada, uma vez que os dados reais aparecem sempre como uma realidade incontornável.

Além disso, muitas vezes os dados estimados disponíveis, extraídos do plano de negócios do concessionário, ou do EVTE – Estudo de Viabilidade Técnica e Econômico-Financeiro da concessão estão muito distantes da realidade, e com um nível de desagregação que as partes entendem inadequado. A sua utilização nesses casos poderia levar a distorções graves. Isso é particularmente comum nos casos de revisões realizadas muitos anos depois da assinatura do contrato, ou de contratos que passaram por situações de “stress”, com descumprimentos graves de parte a parte.

A substituição de dados reais por estimados em processos de revisão dos contratos, em muitos casos, não é sequer debatida nos processos administrativos. Isso porque muitas vezes as partes sequer têm o apuro técnico de perceber que essa metodologia não é a mais adequada. Em alguns casos, é possível que as partes ou que alguma das partes, em vista da complexidade do processo de revisão contratual, simplesmente adote uma postura pragmática: se a adoção dessa prática resulta em uma variação da tarifa dentro do que ela espera, ela não contesta a sua adoção. Dessa perspectiva, o debate sobre o tema apareceria apenas nas situações em que a adoção dessa substituição resultaria em alteração da tarifa que esteja fora das expectativas das partes.

Malgrado a substituição de dados estimados por dados reais ter sido adotada em muitos processos de revisão ordinária, ela geralmente produz efeitos adversos, que deveriam levar à supressão dessa prática, ou pelo menos ao uso dessa metodologia apenas em situações muito pontuais.

É que colocar dados reais em lugar dos dados estimados leva à distorção da distribuição de riscos do contrato.

Um exemplo pode esclarecer como isso acontece: considerem o caso de um fluxo de caixa para efeitos regulatórios que prevê o valor de R$ 30 milhões para a realização de um investimento em expansão da capacidade de uma infraestrutura no ano 5 da concessão.

Se o concessionário, tiver sido ineficiente, e o custo efetivo desse investimento for de R$45 milhões, então, ao substituir dados estimados por reais no fluxo de caixa, a agência reguladora transferirá para o usuário a ineficiência do concessionário na gestão do seu risco de variação do custo do investimento.

Por outro lado, se o concessionário tiver sido eficiente e realizado o investimento com R$15 milhões de reais, ele deveria se apropriar dessa eficiência que produziu na gestão dos seus riscos. Contudo, se o custo estimado de R$ 30 milhões de reais for substituído pelo custo real de R$15 milhões, então a eficiência que o concessionário produziu voltará para o usuário, sob a forma de uma tarifa mais baixa.

Portanto, a substituição de dados estimados por dados reais em processos de revisão de contratos de concessão leva ao compartilhamento com os usuários das eficiências e ineficiências produzidas pelo concessionário.

Mas o pior efeito dessa prática é que ela elimina o incentivo do concessionário para buscar eficiência na gestão dos seus riscos. Uma vez que o concessionário tenha certeza de que as suas eficiências e ineficiências serão sempre compartilhadas com os usuários do serviço, ele não terá mais incentivo para buscar eficiência, e a concessão passa a funcionar, do ponto de vista financeiro, como um título de rentabilidade garantida, conforme a taxa interna de retorno de referência do fluxo de caixa para efeitos regulatórios.

Por essa razão, é preciso evitar a substituição de dados estimados por dados reais nas revisões ordinárias dos contratos.

Uma pergunta importante é: em que casos poderia fazer sentido essa substituição?

Essa substituição de dados estimados por dados reais pode fazer sentido como um instrumento para recuperar a sustentabilidade econômico-financeira de contratos de concessão que, por qualquer motivo, a perderam, e a agência reguladora e o poder concedente entendem que, apesar disso, é preciso dar continuidade ao contrato, recuperando a sua sustentabilidade econômico-financeira.

Nesse cenário, o contrato é simplesmente inexequível nas condições previstas no fluxo de caixa regulatório, e a utilização de dados reais permite entender o que é necessário fazer para trazê-lo para a condição de sustentabilidade. O uso de dados reais nesse caso é um ponto de partida para encontrar tarifa, prazo, custos e receitas que tragam o contrato para a sustentabilidade, com o compartilhamento das eficiências e ineficiências eventualmente produzidas até aquele momento pelo concessionário.

E, evidentemente, recuperada a condição de sustentabilidade econômico-financeira do contrato, será viável, desse momento em diante, revisá-lo mantendo os dados estimados de modo a preservar a distribuição de riscos.

*Mauricio Portugal Ribeiro é sócio da Portugal Ribeiro Advogados, especializado na estruturação, nos aspectos regulatórios e no equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessões comuns e PPPs. É também professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas), São Paulo (SP).

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