Opinião – A aprovação da reforma tributária vai viabilizar novas concessões de serviço público estaduais e municipais

Percy Soares e Maurício Portugal Ribeiro*

Um aspecto que tem sido pouco notado do conjunto de alterações no nosso ordenamento jurídico realizadas a partir da Emenda Constitucional 95, aprovada pelo Congresso Nacional em 15 de dezembro de 2023, que inaugurou a reforma tributária, foi a criação de regra que destina ao ente governamental contratante de bens e serviços a íntegra do produto da arrecadação tributária decorrente dessa contratação.

A norma consta do artigo 149-C, da Emenda Constitucional n° 132/2023:

Art. 149-C. O produto da arrecadação do imposto previsto no art. 156-A [o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, que substituirá o ICMS e ISS] e da contribuição prevista no art. 195, V [Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS, que substituirá o PIS, Cofins e IPI], incidentes sobre operações contratadas pela administração pública direta, por autarquias e por fundações públicas, inclusive suas importações, será integralmente destinado ao ente federativo contratante, mediante redução a zero das alíquotas do imposto e da contribuição devidos aos demais entes e equivalente elevação da alíquota do tributo devido ao ente contratante. (grifamos)

Essa regra atinge todos os contratos de concessão e PPP a serem firmados pelos entes governamentais ou pelas suas autarquias (por exemplo, por agências reguladoras), que sem dúvida se caracterizam como “operações contratadas pela administração pública”. Portanto, em todos os contratos de concessão e PPP, o produto da arrecadação dos CBS e do IBS – ou seja dos tributos, que substituirão o ICMS, o ISS, o PIS, o Cofins e o IPI – serão destinados ao ente governamental contratante.

A lógica do dispositivo é permitir que o ente governamental contratante se aproprie dos benefícios da atividade econômica que gerou com a contratação. Nesse sentido, se trata de aplicação de regra básica de justiça entre os entes federativos, que atribui os benefícios tributários de uma atividade econômica ao ente que a gera.

Ao destinar à administração pública contratante o produto total da arrecadação tributária, essa regra alterará a conta para aferição da viabilidade econômico-financeira de novos contratos de concessão para os poderes concedentes, com impacto sobretudo nas concessões estaduais e municipais.

É possível, por exemplo, que em casos em que o estudo de viabilidade de uma concessão mostre a necessidade de complementar a arrecadação tarifária com pagamento público, essa mudança na destinação dos tributos torne o compromisso de pagamento da contraprestação pública algo neutro do ponto de vista econômico-financeiro para o poder concedente, uma vez que ele será totalmente ou parcialmente compensado pela expectativa de receitas tributárias a serem geradas pela atividade do concessionário.

Nos casos em que a concessão dos serviços já é viável somente com a cobrança de tarifas ao usuário (sem pagamento público), esse dispositivo gerará benefício para o ente governamental equivalente a um pagamento pela outorga, benefício esse que pode ser central na decisão de um governador ou prefeito de realizar a concessão.

Esse dispositivo certamente será regulamentado pelas leis que darão desdobramento à EC n° 132/2023. Em relação a competência para fazer a exação, o ideal é que ela seja realizada pelo ente destinatário dos tributos. Mas, nos parece igualmente compatível com o dispositivo a possibilidade de essa exação ser realizada pelos entes que seriam os destinatários ordinários dos tributos (a União, no caso do CBS; e os Estados e Municípios, no caso do IBS) e haver algum tipo de mecanismo de transferência desses recursos para o poder concedente.

Se o modelo adotado for de exação pelo ente ao qual caberia ordinariamente o tributo e transferência posterior para o poder concedente, talvez seja necessário se criar um sistema de contas para a realização da transferência desses recursos, coisa que, aliás, já existe atualmente para viabilizar por exemplo as transferências do FPE – Fundo de Participação dos Estados e do FPM – Fundo de Participação dos Municípios.

Há desafios relevantes na regulamentação desse dispositivo em relação ao problema da atribuição da atividade à administração pública contratante no caso de empresas signatárias de diversos contratos públicos, como, por exemplo, as empreiteiras. Será necessário que o ente que realizar a exação esteja organizado o suficiente para conseguir separar os montantes arrecadados de tributo por cada um dos contratos, de maneira a viabilizar a transferência ou apropriação pela administração pública contratante. Em relação a esse desafio, o caso das concessões é o mais fácil, uma vez que toda a arrecadação do IBS e CBS incidentes sobre a SPE – Sociedade de Propósito Específico deverá ser atribuída ao poder concedente.  

O Projeto de Lei Complementar 68/2024, que tem por objetivo instituir o IBS, a CBS e o Imposto Seletivo, e que está atualmente em discussão no Senado Federal, não enfrentou os desafios acima mencionados. Isso talvez reflita a decisão dos atores envolvidos na regulamentação de deixar para a legislação ordinária e para as normas infralegais o tratamento desses temas.

Independentemente de como vai se dar a regulamentação desse dispositivo e do modelo que vai ser adotado para que os recursos dessa exação cheguem ao poder concedente, sem dúvida o início da vigência do dispositivo mencionado vai mudar a conta da viabilidade dos projetos de concessão e PPP, sobretudo para Estados e Municípios, facilitando a realização de contratos de concessão e PPP, em lugares em que havia dificuldade de fazer a conta da contratação fechar para o Estado ou Município.

Percy Soares Neto é Consultor Sócio-Diretor da Ikigai Consultoria e ex-Diretor Executivo da Abcon Sindcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto).

*Mauricio Portugal Ribeiro é sócio da Portugal Ribeiro Advogados, especializado na estruturação, nos aspectos regulatórios e no equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessões comuns e PPPs. É também professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas), São Paulo (SP).

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