Geraldo Campos Jr. e Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA
Associações e empresas de energia eólica e solar defenderam junto à ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) que as hidrelétricas continuem como a primeira opção para os cortes obrigatórios de geração, o chamado curtailment. Os agentes se posicionaram contra a ideia analisada pela reguladora de colocar a fonte hídrica no mesmo patamar das usinas eólicas e fotovoltaicas na lista de ordenamento de cortes.
A proposta da área técnica da ANEEL foi debatida na 3ª fase da CP (Consulta Pública) 45/2019, encerrada em 25 de fevereiro. Ela coloca em um mesmo grupo para fins de rateio dos cortes de geração de natureza energética as hidrelétricas com vertimento turbinável, eólicas e fotovoltaicas. Isso seria feito na fase de pós-operação, ou seja, de forma contábil, e com cortes considerando a garantia física das usinas.
Na proposta da ANEEL, exposta em nota técnica que foi acompanhada no voto da relatora, diretora Agnes Costa, os cortes seguiriam uma ordem de prioridade dividida por grupos de fontes, conforme maior benefício ao consumidor. Assim, primeiro seriam cortadas as usinas mais caras e que mais geram encargos.
A ordem proposta é: 1) cortes benéficos ao consumidor, com redução de custos, como termelétricas fora da ordem de mérito; 2) reduções que não provocam nem benefício nem prejuízo ao consumidor, em que foram alocadas hidrelétricas, solares e eólicas; e 3) reduções que implicam em custo aos consumidores, onde estão outras térmicas na ordem de mérito. Cada grupo possui ainda subgrupos e, dentre eles, não há priorização de corte.
Estoque de recursos
Dentre os argumentos apresentados para necessidade de diferenciar as hidrelétricas das usinas solares e fotovoltaicas está a capacidade de estoque de recursos energéticos além do controle exercido pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) sobre isso.
A Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica) expõe em sua contribuição que as “centrais geradoras eólicas e usinas solares fotovoltaicas não possuem qualquer mecanismo de proteção”, como as hidrelétricas, que possuem reservatórios, o que leva à “impossibilidade de exploração plena do potencial de geração oferecido pelo recurso natural”. Enquanto para as hidrelétricas, o operador busca evitar a ocorrência de vertimento turbinável (água sobrando) mediante coordenação da operação integrada das usinas.
“A depender da capacidade de regularização do reservatório da usina hidrelétrica, terá maior ou menor capacidade de estabelecer política operativa que evite a ocorrência de vertimento turbinável, mas é incontroverso que algum nível de controle existe”, destaca a associação. Por outro lado, o ONS “não possui qualquer controle” sobre o vento e a irradiação solar.
Mitigação de risco hidrológico
A Abeeólica destaca ainda que o rateio dos cortes entre hidrelétricas, solares e eólicas cria um novo MRE (Mecanismo de Realocação de Energia), do qual participariam também empreendimentos solares e eólicos, o que é vetado por lei. O mecanismo foi criado com o objetivo de mitigar o risco hidrológico e se trata da distribuição contábil (ou seja, pós-operação) da energia gerada entre os agentes participantes.
Segundo contribuição da Casa dos Ventos, o rateio dos cortes, na prática, resultaria numa espécie de transferência de energia entre usinas. Ou seja, enquanto um agente de fato produz, outro é cortado. Depois, na pós-operação, o gerador que manteve a produção “entrega” parte do seu recurso (virtualmente ou contabilmente) para o que foi cortado.
A geradora afirma que não há até o momento qualquer avaliação do impacto dessa possível troca de recursos entre os geradores e como ela seria remunerada, e que, embora similar ao MRE, não teria base legal.
Em concordância, a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) aponta que as hidrelétricas já dispõem “de regulação específica para atenuação de efeitos da não geração”, justamente via MRE. Por isso, devem ser cortadas antes da solar e eólica.
Desta forma, a Absolar entende que os empreendimentos fotovoltaicos e eólicos deveriam ser enquadrados no grupo 3, último na lista proposta para ordenamento de cortes. Já no grupo 2 deveriam permanecer apenas hidrelétricas com vertimento turbinável.
Ressarcimento
As associações que representam agentes eólicos e solares ainda pedem que a ANEEL trate do ressarcimento aos empreendimentos que sofrerem curtailment. A Absolar entende que todos os cortes devem ser ressarcidos sem qualquer tipo de limitação ou restrição. A Abeeólica ainda destaca que riscos relacionados a eventos “originados externamente às instalações das usinas” não devem ser alocados aos geradores.
Hidrelétricas apoiam ANEEL
Agentes hídricos defenderam a proposta da ANEEL para que a fonte tenha tratamento similar ao das eólicas e solares. A Abrage (Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica) defendeu na CP que o ordenamento reconheça a importância sistêmica das hidrelétricas e que sua participação seja proporcional ao seu papel na estabilidade e na confiabilidade do SIN (Sistema Interligado Nacional). Apontou ainda como urgente a necessidade de regulamentação do curtailment para hidrelétricas.
A Eletrobras, por exemplo, rebateu em sua contribuição a tese de que o MRE já seria suficiente. Afirmou que apesar do mecanismo mitigar o risco hidrológico entre os geradores, “não impede o aumento do prejuízo crescente percebido por todas as hidrelétricas” por causa dos cortes. A geradora defendeu que as eólicas e solares tenham prioridade nos cortes (seguindo no grupo 2), e que as hidrelétricas com reservatórios passem ao grupo 3.
O ONS, por outro lado, manifestou-se contra a criação dos grupos de ordenamento numa regulação da ANEEL. O operador defendeu que o detalhamento seja feito dentro das regras de Procedimentos de Rede e disse considerar “ser um detalhamento excessivo para uma Resolução Normativa”.
Geração distribuída
A maioria das contribuições enviadas na CP defende ainda que a proposta da ANEEL precisa incluir outros perfis de geração na ordem de prioridades de curtailment, como a MMGD (Mini e Microgeração Distribuída).
Diante da inviabilidade de corte físico centralizado pelo ONS no caso da GD, a Eletrobras defendeu que ela também entre no modelo de rateio pós-operação, com o compartilhamento com todas as demais fontes renováveis. A companhia sustentou que excluir a geração distribuída do curtailment caracteriza-se como “tratamento desproporcional” entre agentes.
A ideia defendida é que a geração distribuída entre no grupo de cortes 2, que é o que não provoca nem prejuízo nem benefício ao consumidor. Assim, o ONS poderia cortar as fontes eólica, solar e hídrica do grupo, e depois seria feito um rateio contábil com utilização de um fator de corte proporcional sobre os créditos existentes gerados pela MMGD e nas usinas.
Contudo, a ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída) entende que os efeitos de curtailment na geração distribuída “alocaria custos ao consumidor-gerador contrariando a própria essência do modelo legal-regulatório vigente”. Desta forma, poderia comprometer a viabilidade econômica dos investimentos incentivados por políticas públicas.