Rafael Bitencourt, da Agência iNFRA
A decisão da 3ª Vara Criminal com Juizado Especial Federal Adjunto de Belo Horizonte, que culminou na prisão do diretor da ANM (Agência Nacional de Mineração) Caio Trivellato, apresenta detalhes dos supostos crimes praticados pelo diretor e por dois ex-servidores investigados no âmbito da Operação Rejeito.
Trivellato era o único investigado ainda com atuação na ANM, integrando a cúpula do órgão. Guilherme Gomes já havia saído da agência, e fez parte do quadro de diretores até o ano passado. Já Leandro César Carvalho atuou como gerente regional em Minas Gerais, local escolhido pelas empresas envolvidas para buscar facilidades na liberação dos projetos de mineração.
Além da ANM, outros órgãos estiveram na mira das investigações. São eles: Semad/MG (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável), Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), entre outros.
Por envolver um diretor ainda no exercício do mandato, a prisão de Trivellato chamou mais a atenção. Ele ainda contou com mandatos de busca e apreensão cumpridos em dois endereços particulares – no Golden Tulip Brasília Alvorada, hotel badalado da capital federal, e na residência em Belo Horizonte – e também no seu gabinete no prédio da ANM.
Na decisão, os magistrados informam que os “servidores cooptados” participaram de um esquema de “movimentação financeira bilionária”, reconhecido pela complexa estrutura criminosa e sofisticação dos métodos empregados.
O documento relata, por exemplo, que Carvalho aceitava documentos das empresas envolvidas fora do prazo legal. Enquanto diretor, Gomes conseguia autorização de lavra “em tempo recorde” em favor das mineradoras que participavam do esquema – a liberação chegou a ser dada em um ano e meio, o que geralmente leva de quatro a dez anos.
No esquema, ao menos 42 empresas do ramo de mineração foram citadas com envolvimento direto. Porém, a decisão judicial destaca que “tem-se ainda, outras empresas que são constituídas em nome de laranjas e testas de ferro a fim de possibilitar saques de valores a serem entregues a agentes públicos”.
A seguir, a íntegra do relato sobre a atuação do diretor e dos ex-integrantes da ANM:
“CAIO MÁRIO TRIVELLATO SEABRA FILHO
Na condição de Diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), atuou de forma deliberada e coordenada com os demais integrantes da ORCIRM [organização criminosa], com o objetivo de favorecer os interesses privados da organização criminosa vinculados à SAIGA MINERAÇÃO S.A (projeto do GRUPO MINERAR). Conforme apurado na IPJ n° 046/2025, CAIO participou ativamente das articulações que culminaram na aprovação da nova redação da Resolução ANM n° 85/2021, durante a 30ª Reunião Extraordinária Pública da Diretoria Colegiada da ANM, realizada em 22/11/2024. Antes disso, em 04/11/2024, durante a 67′ Reunião Ordinária, CAIO atuou em conjunto com o Diretor GUILHERME GOMES para garantir a retirada estratégica de pauta e posterior pedido de vista, em desacordo com o regimento interno da ANM, com o intuito de assumir a relatoria da matéria e conduzir o voto em favor da AIGA. Além disso, CAIO manteve comunicação direta com integrantes do grupo investigado, inclusive participando de reuniões e ligações com ALAN, JOÃO e o advogado HENRIQUE SEABRA, seu irmão, com quem compartilhou informações sigilosas e antecipadas sobre o conteúdo de seu voto. Também foi identificado que CAIO atuou junto à Procuradoria Federal Especializada da ANM para influenciar manifestações jurídicas em favor da AIGA, mesmo após decisão judicial contrária aos interesses do grupo. Os elementos de informação indicam que CAIO SEABRA recebeu R$ 2.700.000,00 a título de vantagem indevida pelos atos praticados.”
‘GUILHERME SANTANA LOPES GOMES
Então Diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), foi indiciado pela Polícia Federal pela prática do crime de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal, em razão de sua atuação irregular no processo de concessão de Guia de Utilização à empresa Mineração Boa Vista, sem a devida apresentação de licença ambiental. Conforme decisão judicial exarada nos autos da Operação Poeira Vermelha, GUILHERME, na condição de Chefe da Divisão de Pesquisa e Recursos Minerais e, posteriormente, como Gerente Regional Substituto da ANM, manifestou-se favoravelmente ao pedido e assinou a Guia de Utilização, praticando ato de ofício em desacordo com a legislação vigente, com o objetivo de satisfazer interesse pessoal e institucional indevido. Na presente investigação, apurou-se que GUILHERME, na qualidade de Diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), atuou, no decorrer do ano de 2024, de forma deliberada e coordenada com demais integrantes da ORCRIM, com o objetivo de favorecer interesses privados da organização criminosa vinculada à AIGA MINERAÇÃO S.A., em detrimento da legalidade e da imparcialidade administrativa. Conforme apurado nas IPJs 041/2025, 042/2025 e 046/2025, GUILHERME manteve contato direto com JOÃO ALBERTO PAIXÃO LAGES, articulador do grupo, tendo inclusive solicitado informações sobre movimentações financeiras com FELIPE LOMBARDI, apontado como operador financeiro da organização. No âmbito da Diretoria Colegiada da ANM, GUILHERME proferiu voto contrário à proposta de alteração da Resolução ANM n° 85/2021, em sentido que beneficiava diretamente a AIGA, contrariando pareceres técnicos da Superintendência de Produção Mineral e da Procuradoria Federal Especializada. Além disso, atuou em conjunto com o Diretor CAIO SEABRA para viabilizar pedido de vista irregular, em desacordo com o regimento interno da agência, com o intuito de garantir o controle do processo decisório pelo grupo. As evidências demonstram que GUILHERME utilizou sua posição institucional para manipular decisões administrativas em favor da organização criminosa, contribuindo para a obtenção de vantagens indevidas e para a consolidação de interesses econômicos ilícitos no setor mineral.”
“LEANDRO CÉSAR FERREIRA DE CARVALHO
Então Gerente Regional da Agência Nacional de Mineração (ANM) em Minas Gerais, figura como um dos principais servidores públicos cooptados pela organização criminosa investigada no âmbito das presentes investigações. De acordo com os elementos colhidos nas investigações, LEANDRO atuava de forma reiterada para favorecer interesses empresariais ilícitos, especialmente os vinculados às empresas, PRISMA MINERAÇÃO, AIGA Mineração S.A. e HG Mineração S.A., todas controladas por membros do núcleo central da organização. Ele fornecia informações privilegiadas, elaborava pareceres técnicos sob encomenda e antecipava decisões administrativas em benefício do grupo, inclusive submetendo minutas de documentos oficiais à revisão de empresários antes de sua publicação. Há registros de encontros presenciais com os articuladores do esquema, como JOÃO ALBERTO PAIXÃO LAGES e FELIPE LOMBARDI MARTINS, além de indícios de recebimento de vantagens indevidas, inclusive em espécie. Sua atuação foi determinante para a emissão de diversos atos administrativos em favor da organização criminosa, nos mais diversos projetos do grupo, sendo decisiva no embargo de atividades da mineradora VALE S.A., quando atuou dolosamente no interesse da organização criminosa. Tais condutas, somadas à sua participação em decisões estratégicas e à sua ligação com outros servidores investigados, como os diretores da ANM CAIO SEABRA E GUILHERME GOMES, evidenciam sua condição de agente interno da organização, com papel ativo na manipulação de processos minerários e na consolidação de um esquema estruturado de corrupção e favorecimento ilícito no setor mineral.”








