Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Um sentimento de frustração e preocupação tomou conta de integrantes do governo e da Rumo com a retirada de pauta, na sessão da última quarta-feira (20) do TCU (Tribunal de Contas da União), do processo que analisa a renovação antecipada da Malha Paulista.
O relator do processo, ministro Augusto Nardes, leu seu relatório e chegou a apresentar seu voto aprovando a renovação antecipada, mas decidiu retirar o processo de votação quando outro ministro, Vital do Rêgo, fez um pedido de vista do processo.
Nardes chegou a apelar ao ministro Vital para votar o processo por causa de consequências no atraso na aprovação e cogitou até mesmo deixar seu voto no processo registrado, antes das possíveis contribuições de Vital do Rêgo. Isso causou certo constrangimento entre os ministros. Mas, no fim da sessão, chegou-se a um acordo para que o processo seja votado na próxima sessão.
O voto que Nardes apresentou tem o apoio de pelo menos mais três ministros, o que praticamente garante maioria dos votos quando ele for apresentado. Vital do Rêgo não chegou a apresentar um motivo específico de dúvidas, mas afirmou que apresentaria sugestões ao relator.
Governo preparado para assinar neste ano
A frustração dos integrantes do governo é que havia toda uma preparação dos órgãos para fechar os procedimentos necessários para a assinatura do contrato ainda neste ano, inclusive com equipes em trabalho extra para fechar os procedimentos. O prazo a partir de hoje, caso aprovado, já era considerado extremamente desafiador, mas possível.
A preocupação é que mais mudanças podem vir de novas análises dos ministros, ou até mesmo que o processo nem seja votado até a última sessão deste ano, que está prevista para 11 de dezembro (mais três semanas). Se não for votado em 2019, o TCU só volta a se reunir na segunda quinzena de janeiro.
Mudanças consideradas adequadas
O lado considerado positivo da apresentação feita pelo ministro Nardes foi que as mudanças no projeto original apresentado pelo governo que serão pedidas pelo relator foram consideradas adequadas e possíveis de serem implementadas pelo governo e seriam aceitas pela concessionária.
No tema que opunha a área técnica do TCU, o Ministério Público do órgão e os técnicos do governo – a realização do inventário de bens antes da assinatura do contrato –, o ministro Augusto Nardes apresentou uma solução intermediária.
Autorizou a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) a assinar o contrato sem fazer o inventário de bens, como queriam os técnicos do tribunal, mas determinou a imposição de uma cláusula estabelecendo que a Rumo teria uma glosa de valores estimada em R$ 1 bilhão caso não realizasse o trabalho.
Nardes também afirmou em seu voto que pediu reforços na redação do contrato para garantir o direito de passagem na ferrovia para operadores ferroviários independentes, algo que a ANTT também já havia concordado em acatar.
Uma questão levantada pelo ministro Benjamin Zymler, um dos que apoia o voto de Nardes, vai fazer com que a ANTT tenha a possibilidade de escolher qual será o mecanismo do contrato para punir a concessionária em caso de não cumprimento das obras obrigatórias. Os mecanismos sugeridos eram a antecipação do fim do novo contrato ou o simples encerramento do contrato na data atual, sem renovação.
Outra questão levantada pelo ministro Zymler foi em relação à obrigação de, antes da assinatura do contrato, o governo federal e o governo de São Paulo terem um acordo para a implantação do Trem Intercidades. Segundo o ministro Zymler, esse acordo poderia demorar e o ideal seria colocar mecanismos de incentivo para o apoio ao trem de passageiros, posteriormente.
Principal inovação: compartilhamento de receitas
Mas a principal inovação implementada pelo relator foi um mecanismo de compartilhamento de receitas da concessionária com o poder público, uma espécie de outorga variável ao longo do futuro contrato.
Nardes apontou que os estudos de viabilidade foram feitos com base em dados de 2014 e 2015, período de grave recessão. Com isso, há dados hoje extremamente defasados. Ele citou o transporte de combustível pela Rumo, que tinha um volume previsto no estudo que corresponde a apenas 4% do que efetivamente foi transportado em 2018 pela ferrovia.
Segundo ele, esse tipo de imprecisão de estudos é natural, e o mecanismo que se tem para compensar essas distorções é a realização de um leilão competitivo. Como no caso da renovação não há leilão, Nardes afirmou que o mecanismo mais indicado seria o compartilhamento dos ganhos futuros que excederem a determinado nível.
O relator do processo afirmou que essa saída será a mais indicada para também outros processos de renovação, do qual a renovação da Malha Paulista seria um paradigma. Técnicos do governo com quem a Agência iNFRA conversou falaram que o mecanismo é possível de ser implementado e é uma condição mais adequada do que revisar todos os parâmetros, o que poderia levar a uma demora de mais de ano na renovação.
Apesar da preocupação, a expectativa sobre a renovação ainda é positiva, e o sentimento é que já se está muito perto do fim do processo, que é considerado o pilar do governo para o processo de retomada das ferrovias, com investimentos que podem chegar aos R$ 62 bilhões e dobrar a participação do modal na matriz de transportes do país até 2025.