da Agência iNFRA
A tentativa de acabar com obras paralisadas no país foi um dos temas que norteou a elaboração da nova lei de licitações ao longo das últimas três décadas. Mas o principal instrumento introduzido na Lei 14.133, a ampliação das possibilidades de uso de seguro garantia em grandes obras, pode não ser suficiente para que o país deixe de ser um cemitério de obras inacabadas.
Venilton Tadini, economista e presidente da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), diz acreditar que os até 30% de garantia previstos a partir da nova lei para contratos de grande vulto, acima de R$ 200 milhões, será um avanço para as obras.
“Quando houver inadimplência, a função do segurador será contratar uma empresa fornecedora substituta para terminar a obra, assumindo o pagamento do custo adicional entre a exclusão do fornecedor inadimplente e a retomada do contrato com outro fornecedor. Ou ela pode optar por pagar integralmente o valor da garantia, que poderá ser até 30%”, explicou Tadini, lembrando que “haverá um longo trabalho ainda pela frente” na regulamentação da lei.
A lei foi uma tentativa de se copiar o modelo usado nos Estados Unidos, onde obras podem ter até 100% de garantia por seguradoras. Massami Uyeda, sócio do escritório Arap, Nishi & Uyeda Advogados, explica que, com o aumento da cobertura do seguro garantia para obras de grande vulto, os governos ganharão um parceiro na análise da viabilidade e na execução das propostas.
“As próprias seguradoras serão parte integrante dos contratos com possibilidade de fiscalizar e finalizar a obra no caso de inadimplência da contratada. Como costuma-se dizer, a obra mais cara é a obra inacabada, triste realidade brasileira”, explicou o advogado.
Novo mercado
Fábio Torres, fundador do escritório F.Torres Advogados, especializado no mercado de seguros, indica que haverá alguma dificuldade para se formar um mercado em que as seguradoras efetivamente vão assumir a continuidade das obras, o chamado step-in.
Para ele, só com a legislação, vai ser difícil até mesmo conseguir seguradoras que cheguem aos 30% de garantia no Brasil, e será necessário um longo tempo até que ser forme um mercado para esse tipo de seguro. O advogado explica, por exemplo, que, nos casos em que estiverem faltando mais de 30% da obra, será necessário fazer um aditivo para complementar a diferença e não há regras sobre como fazer isso.
A vantagem, de acordo com Torres, do novo processo é que as seguradoras que aceitarem vão, de fato, acompanhar as obras de mais perto, inclusive indicando as falhas da administração pública, como atrasos nos pagamentos. Segundo ele, as seguradoras poderão não pagar a garantia se o governo atrasar seus compromissos.
“O fato é que isso vai gerar um mercado novo. As obras terão que ser acompanhadas muito mais de perto pelas seguradoras”, afirmou Torres.
A Agência iNFRA conversou com um dos servidores do TCU que acompanhou a tramitação da lei, que falou sob condição de anonimato por não poder falar pelo órgão sobre o tema. Ele vê o instituto do seguro garantia como uma forma de tentar evitar as paralisações de obras.
Ele lembrou que uma auditoria em obras paralisadas (Acórdão 1.079/2019) apontam que muitas estão paradas por motivos técnicos, como falhas de projetos, ou orçamento, o que vai precisar ser considerado. Para ele, o aumento do percentual de garantia vai precisar ser analisado para avaliar se efetivamente vai conseguir reduzir as paralisações de obras, já que um efeito certo é o aumento de custo para essas contratações.
Análise para paralisação
Diretor da Aneor (Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias), o advogado Danniel Zveiter afirma que a lei trouxe alguns avanços na questão dos pagamentos, como deixar claro que os atrasos de mais de 90 dias acumulados nos pagamentos podem levar à rescisão por parte das empresas e que propostas abaixo de 75% do valor previsto pela administração podem ser consideradas inexequíveis.
Outro avanço em relação à paralisação de obras foi apontado pelo presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), o engenheiro José Carlos Martins. Segundo ele, foram indicadas na lei análises que têm que ser feitas antes de se determinar a paralisação de um projeto, especialmente por órgãos de controle, como por exemplo custos extras com desmobilização, impactos sociais e ambientais.
Além disso, de acordo com Martins, a lei também determina a exigência de uma matriz de risco nas contratações integradas, que é uma espécie de divisão de responsabilidades sobre possíveis problemas nas obras entre o contratador e o contratado.
“A matriz de risco sempre é um fator de redução de judicialização”, opinou o presidente da entidade.
Mas há retrocessos, também, decorrentes dos vetos da Presidência da República a dois itens do artigo 115 da nova lei, de acordo com Carlos Eduardo Lima Jorge, presidente da Comissão de Infraestrutura da CBIC.
O inciso 4 previa que o governo só pudesse licitar as obras com o licenciamento ambiental prévio, o que foi vetado. Para Jorge, os licenciamentos muitas vezes demoram mais de dois anos para serem dados após a obra ser licitada e, em alguns casos, até formalmente iniciada. Outro fator de risco é em relação ao veto ao inciso 2, que determinava a abertura de uma conta vinculante e o depósito do dinheiro para se dar ordem para início de obras ou etapas delas.
“A justificativa do veto foi porque isso seria contra o interesse público. É surpreendente que se continue a estimular a inadimplência dos órgãos públicos”, afirmou Jorge.