iNFRADebate: A necessidade de audiência pública e de AIR nos procedimentos prévios e nos processos de caducidade de concessões rodoviárias federais

Edison Araújo*

No momento do nascimento de uma concessão rodoviária, a participação dos usuários e da sociedade em geral é garantida, sendo também necessário assegurar essa presença caso se cogite a sua morte prematura. 

Nos processos licitatórios, quando nem sequer se estabeleceu a prestação de serviço, o PPCS (Processo de Participação e Controle Social) é regra a ser observada. De forma análoga e com ainda mais razão, é preciso ouvir os usuários diante da possibilidade de encerramento antecipado das concessões vigentes, nas quais já se estabeleceu uma relação direta com os mesmos.

De semelhante modo, a sociedade em geral, que, de início tem apenas a expectativa de obter benefícios diretos e indiretos com aquela concessão, deve ser instada a participar de um processo de extinção, já que será amplamente impactada, sejam quais forem os seus resultados.

Nesse sentido, a Lei nº 13.460, de 26 de junho de 20171, que concretiza o direito do usuário consagrado pelo § 3º do artigo 37 da Constituição Federal2, expressamente consigna o direito básico de participação no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços.

De outra banda, a Resolução ANTT nº 5.624/20173 reconheceu a importância da participação e do controle social, tendo instituído como objetivo do PPCS a efetiva participação da sociedade em geral no fornecimento de subsídios para o processo decisório da agência reguladora.

Não se pode olvidar que os usuários são os destinatários finais dos serviços regulados pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e o ordenamento jurídico brasileiro, com esteio na Constituição Cidadã de 1988, voltou o seu olhar para a participação direta destes, como um dos meios para o alcance da democracia, não transferindo a nenhum ente esse papel. Por seu turno, a sociedade em geral também não pode ser alijada de processo que a impacta diretamente.

Como se não bastassem as considerações acima trazidas, a Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001 – Lei de Criação da ANTT, em seu artigo 68, alterado pela recente Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019 – Lei das Agências Reguladoras, expressamente estabelece o que se segue:

Art. 68.  As iniciativas de projetos de lei, as alterações de normas administrativas e as decisões das Diretorias Colegiadas para resolução de pendências que afetem os direitos de agentes econômicos ou de usuários de serviços de transporte serão precedidas de audiência pública. (destaques nossos)

Ainda, a própria Lei das Agências Reguladoras traz abertura no mesmo sentido em seu artigo 114.

Destarte, não há dúvidas que a realização de audiências públicas é medida que se impõe no processo de resolução de pendências que afetem os agentes econômicos ou os usuários, como é claramente o caso da extinção de uma concessão. A maturidade e a legitimidade das decisões nesse sentido passam pela abertura de processo de participação social. 

Outra importante questão diz respeito à AIR (Análise de Impacto Regulatório) no contexto dos processos de caducidade. 

O “Manual de Análise de Impacto Regulatório e Avaliação de Resultado Regulatório”5 editado pela agência, ao citar o chamado “Guia”, isto é, as “Diretrizes Gerais e Guia Orientativo para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório”, lançado pela Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais, deixa clara a obrigatoriedade da AIR nos seguintes casos:

Por esses benefícios e pela sua importância, segundo o GUIA (p. 25), a AIR é obrigatória nos seguintes casos:

• sempre que for identificado um problema regulatório que possa demandar a edição, a alteração ou revogação de resoluções normativas pela Agência (tais como projetos da Agenda Regulatória); 

• ou, ainda ação com potencial influência sobre os direitos e obrigações dos prestadores de serviços regulados pela ANTT ou dos usuários destes serviços (tais como os atos regulatórios que impliquem edição, alteração ou revogação de modelos de outorga e prorrogação de prazos de outorgas); (destacamos)

A AIR, portanto, é dada como obrigatória para os casos de ação com potencial influência sobre os direitos dos usuários e dos agentes regulados, como é inegavelmente o caso de extinção de outorgas concedidas pelo Poder Público, sem que haja a necessidade de correlação com ato de caráter normativo. 

Com efeito, se a declaração de caducidade não é o caso de aplicação dessa hipótese, qual seria então? Está claro que deve haver AIR no bojo dos processos prévios e de caducidade, na medida em que tal providência terá o condão de garantir a avaliação dos impactos da decisão, para apontamento da melhor alternativa. 

Ainda o referido manual recomenda que o relatório “preliminar” de AIR seja submetido ao Processo de Participação e Controle Social para a verificação da aderência da análise aos anseios dos agentes que serão impactados pelo problema identificado. Nesse sentido, para Radaelli (2005)6, é possível que a legitimação social da Análise de Impacto Regulatório seja mais relevante do que a sua eficiência. 

Nessa toada, o manual destaca que a Resolução nº 5.888, de 12 de maio de 2020, que aprova o Regimento Interno da ANTT, trouxe em seu art. 117, §1º7, que a Análise de Impacto Regulatório poderá ser submetida a Processo de Participação e Controle Social para avaliar sua pertinência, bem como para levantar alternativas de solução eventualmente não identificadas.

Resta clara, portanto, a imperatividade legal do Processo de Participação e Controle Social, na modalidade audiência pública, e da Análise de Impacto Regulatório no âmbito dos procedimentos prévios e nos processos de caducidade propriamente ditos, no que se refere aos contratos de concessão rodoviária regulados pela ANTT. 

Tais providências visam garantir que a necessidade e adequação da medida imposta, bem como que as consequências práticas da decisão, serão devidamente consideradas, em homenagem ao artigo 208 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 setembro de 1942, com redação dada pela festejada Lei nº 13.665, de 25 de abril de 2018 – Nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“LINDB”).

As questões aqui levantadas contribuem para que os agentes públicos tomem decisões com a segurança necessária, fulcradas no desejo social e na melhor alternativa para o usuário e para a sociedade, reduzindo as chances de questionamentos judiciais e futuras invalidações.

1 Art. 6º São direitos básicos do usuário:
I – participação no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços; (…)
2 Art. 37 (…)
§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; (…)
3 Art. 6º O Processo de Participação e Controle Social tem por objetivos:
I – fomentar ou provocar a efetiva participação das partes interessadas e da sociedade em geral;
II – recolher subsídios para o processo decisório da ANTT;
III – oferecer aos agentes econômicos, sociedade e usuários dos serviços e das infraestruturas de transportes terrestres administrados pela ANTT um ambiente propício ao encaminhamento de seus pleitos e sugestões relacionados à matéria objeto do processo;
IV – identificar, de forma ampla, todos os aspectos relevantes à matéria objeto do processo; e
V – dar publicidade à ação regulatória da ANTT.
4 Art. 11. A agência reguladora poderá estabelecer, em regimento interno, outros meios de participação de interessados em suas decisões, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas, aplicando-se o § 5º do art. 9º às contribuições recebidas.
5 Manual de AIR (Análise de Impacto Regulatório) e de ARR (Avaliação de Resultado Regulatório) – 3ª Edição 2020. Brasília, Agência Nacional de Transportes Terrestres. Disponível em: http://governanca.antt.gov.br/AgendaRegulatoria/SiteAssets/Paginas/AIR/Manual%20de%20Analise%20de%20Impacto%20Regulatorio%20%28AIR%29%20e%20Avalia%C3%A7%C3%A3o%20de%20Resultado%20Regulatorio%20%28ARR%29%20-%202020.pdf
6 RADAELLI, C. M. (2005). Diffusion without convergence: How political context shapes the adoption of regulatory impact assessment. Journal of European Public Policy, 12(5), 924–943.
7 Art. 117. A Análise de Impacto Regulatório deverá ser iniciada quando se pretenda adotar ações concretas voltadas à resolução de problema regulatório identificado.
§1º A Análise de Impacto Regulatório poderá ser submetida a Processo de Participação e Controle Social para avaliar sua pertinência, bem como para levantar alternativas de solução eventualmente não identificadas na proposta. (…)
8 Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
*Edison Araújo é diretor-executivo da UsuVias (Associação Brasileira de Usuários de Rodovias sob Concessão), advogado, bacharel e mestre em Direito pela PUC-SP, com especialização em Ciências Jurídico-Comunitárias pela Universidade de Lisboa (Portugal).
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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